Parte Única
A freira estava ajoelhada no chão de mármore frio da igreja, a cabeça inclinada em oração silenciosa. A igreja era ampla, com pilares altos e imponentes que se erguiam até o teto abobadado. Os vitrais ao redor, iluminados por uma luz dourada, mostravam cenas de santos e mártires, seus rostos calmos e serenos observando a jovem em sua devoção. O cheiro de incenso pairava no ar, suave e reconfortante.
A figura do padre surgiu à sua frente, vestindo uma túnica preta adornada com um colar de prata simples, mas imponente. Seus olhos estavam fixos nela, serenos, mas com um peso de autoridade inquestionável. Ele caminhou até o altar, seus passos ecoando suavemente, antes de se virar para ela, as mãos cruzadas diante do peito.
"Irmã Chrysa..." A voz do padre era suave, mas firme, como se carregasse a verdade em cada palavra.
"Você sabe o propósito pelo qual te chamei até aqui, assim como todas as outras antes de você."
A freira levantou o olhar, ainda com os joelhos dobrados, o rosto transparecendo dúvida e medo. "Padre, eu... eu não sei se estou pronta." Sua voz saiu quase como um sussurro, carregada de hesitação.
"A irmã Denise... ela foi levada antes que pudesse entender o verdadeiro propósito de sua missão. Eu temo... temo seguir o mesmo caminho."
O padre aproximou-se lentamente, seus olhos não desviando do rosto da freira. "Assim como a irmã Denise, você tem uma função neste mundo, minha filha. Uma função dada pelo Criador. Não devemos questionar os desígnios Dele, apenas cumpri-los com fé e obediência."
Ele fez uma pausa, estudando sua reação. "O chefe da Guarda do Corvo nos pediu um favor, um pedido que vem da mais alta ordem. Você entende, não é? Como servos do Criador, é nosso dever atender. Quando aqueles em posições de poder pedem por nossa ajuda, estão, na verdade, pedindo em nome do próprio Criador."
A freira baixou a cabeça novamente, as mãos trêmulas entrelaçadas em oração. O peso de suas palavras a atingiu com força. Ela sabia que a vida dela sempre havia sido dedicada ao serviço e à obediência, mas o pedido que fora feito... aquilo era muito mais do que ela imaginava que teria que suportar.
"Mas... e se eu falhar?" Sua voz estava carregada de dúvida, uma pergunta que ecoava no vasto espaço da igreja.
"E se eu não for forte o suficiente?"
O padre se abaixou lentamente até que estivesse ao nível dela, colocando uma mão gentil em seu ombro. "Você não falhará, porque o Criador está com você. Ele te escolheu para este propósito. Sua fé será sua força, e sua devoção será seu escudo. Assim como a irmã Denise, que buscou cumprir sua função até o fim, você deve cumprir a sua."
Ele se levantou novamente, olhando para a grande cruz que pendia no altar, seu olhar fixo na figura do mártir pregado à madeira. "A palavra do Criador é clara. Servimos com tudo o que temos, sem questionar. Ele já traçou o seu destino, e agora, cabe a você segui-lo com fé inabalável."
O padre novamente se aproximou da freira com passos lentos e deliberados, seus olhos nunca deixando os dela. Quando ele chegou mais perto, estendeu as mãos com uma calma solene, segurando o rosto dela com gentileza. Seus dedos, frios e ásperos, tocaram sua pele trêmula. Os olhos da freira estavam marejados.
"Minha filha..." ele disse, a voz baixa, quase um sussurro.
"Não se preocupe. O grande Criador nunca abandona seus filhos, mesmo em meio ao deserto, ao sofrimento... Ele está sempre lá, observando, guiando. Não há desespero que não possa ser vencido, não há dor que não possa ser suportada, se for para cumprir a vontade Dele."
As palavras eram suaves, mas cheias de uma convicção inabalável, como se o padre fosse o próprio mensageiro do Criador, e sua presença fosse uma âncora em meio à tempestade de dúvidas que assolava a freira.
Ela fechou os olhos por um momento, sentindo as mãos do padre apertarem suavemente seu rosto. "Mas... e se eu cair, padre? E se eu não for forte o suficiente para suportar o que está por vir?"
O padre sorriu, um sorriso pequeno e enigmático, como se soubesse algo que ela ainda não havia compreendido. "Você será forte, porque sua força não vem de você. Vem do Criador. Ele dá a cada um de nós o fardo que podemos carregar, e se Ele te deu essa missão, é porque sabe que você é capaz. Nenhum de seus filhos é abandonado sem consolo, sem alento. Quando o caminho parecer impossível, lembre-se: você não está sozinha."
Ele soltou o rosto dela devagar, o toque das mãos deixando uma sensação fria e estranha. Ele se afastou um passo, mas continuou a olhá-la fixamente, como se estivesse esperando por uma resposta, por uma rendição total da alma dela à vontade do Criador.
A freira engoliu em seco, a voz frágil. "Eu... eu entendo, padre. Eu farei o que for necessário. Pela vontade Dele."
O padre assentiu lentamente, satisfeito com a resposta. "Assim deve ser." Ele se voltou para a cruz mais uma vez, a figura do mártir projetando uma sombra longa no chão de mármore.
"Agora, vá em paz, irmã. Sua missão está prestes a começar."
***
"Você não está sozinha."
A freira abriu os olhos de repente, ofegante, seu peito subindo e descendo rapidamente enquanto seus olhos tentavam focar na cena à sua frente. Sua visão havia se transformado em um pesadelo vivo. Don estava a sua frente, brandindo sua espada, bloqueando o avanço de Liam, uma fera monstruosa. O lobisomem avançava com garras prontas para dilacerar, saliva escorrendo de sua mandíbula aberta, revelando presas afiadas como lâminas. O brilho mortal em seus olhos não deixava dúvidas de sua intenção: caçar, devorar, destruir.
"Fique atrás de mim!" Don gritou, seus braços tremendo sob a força dos golpes da criatura. A lâmina de Don não parecia ter o efeito desejado, a cada golpe era como bater em uma parede de puro músculo e fúria. O som de metal encontrando a carne dura do lobisomem era abafado pelos rugidos de Liam, que investia sem cessar, cada ataque mais feroz que o anterior.
A freira tentou se mover, mas suas pernas tremiam tanto que ela mal conseguia ficar de pé. Ela caiu de joelhos, desesperada, o rosto molhado de lágrimas enquanto murmurava uma oração descoordenada, sua voz trêmula e entrecortada. "Por favor, Criador... salve-me... me dê forças... eu... eu fiz o que me pediram..." Seu corpo tremia, e seus olhos se fechavam, como se esperasse o golpe final que acabaria com sua vida.
De repente, um clarão de luz cortou a escuridão da floresta. Pallas apareceu, a lâmina em sua mão irradiando um brilho prateado sob a luz da lua, como uma estrela em meio às sombras. Seus passos eram rápidos, mas calculados, a lâmina cintilante girando em suas mãos com precisão letal. Ele se posicionou ao lado de Don, com uma calma assustadora para alguém diante de uma criatura daquela magnitude.
"Ei!" Pallas gritou, tentando chamar a atenção da fera, mas sem hesitação, lançou-se para o ataque. Com um golpe rápido e certeiro, sua lâmina cortou o ar, visando o flanco de Liam. A espada não era comum — era envolta em magia, um brilho quase etéreo que deixava no ar um rastro luminoso.
Liam, no entanto, foi rápido. Ele girou o corpo, suas patas traseiras se impulsionando contra o chão com uma força brutal. As garras rasgaram a terra, e ele evitou o golpe direto, lançando-se sobre Pallas. As garras dele vieram de cima, tentando rasgar o rosto de Pallas, mas este se defendeu com a espada, faíscas de luz saindo ao contato. A força do impacto fez Pallas deslizar para trás, seus pés afundando no solo úmido da floresta.
O lobisomem rugiu, um som que fez o coração da freira quase parar. Ela se encolheu ainda mais, as palavras da oração se misturando em um turbilhão de pânico. "Por favor... por favor... por favor..." Sua voz quase sumiu em meio ao caos ao redor.
"Concentre-se, Don!" Pallas ordenou, sua voz afiada como a lâmina que empunhava. Ele avançou novamente, desta vez focando nas pernas de Liam, tentando cortar seus tendões e limitar seus movimentos. Mas o lobisomem era incrivelmente ágil para seu tamanho. Saltou, desviando do golpe de Pallas, e, no mesmo movimento, atacou Don com um rosnado furioso.
Liam rugiu, seu corpo se contorcendo enquanto tentava avançar novamente, suas garras cravando-se no chão enlameado enquanto ele lutava contra a dor do golpe de Pallas. Seus olhos, antes humanos, agora refletiam apenas fúria e instinto animal, fixos na freira ajoelhada a poucos metros de distância. Ele queria sangue. Queria carne humana.
Mas Pallas estava ali, entre ele e seu alvo, implacável. A lâmina ainda brilhava com a luz da lua, e ele não hesitou em usá-la para bloquear outro avanço de Liam. O choque do aço contra as garras monstruosas de Liam reverberou pela clareira, faíscas iluminando brevemente a escuridão crescente da floresta. O comandante firmou os pés no chão, segurando sua posição.
"Levem a freira! Agora!" Pallas gritou, sua voz cortando o som da chuva pesada e o rosnado ameaçador da fera. Um dos guardas, mais ao fundo, acenou com a cabeça e correu em direção à mulher caída, mas hesitou, o medo evidente em seus olhos ao olhar para o monstro. Mesmo ferido, Liam ainda exalava pura força.
A freira estava imóvel, ainda presa no terror, suas preces inaudíveis se misturando com o som do vento e da chuva. Ela não conseguia se mover por conta própria, os músculos congelados em um misto de pânico e exaustão. O guarda, finalmente, a agarrou pelo braço e começou a correr arrastando ela para longe, mas Liam viu o movimento. Seus olhos selvagens focaram na freira, e um rosnado profundo saiu de sua garganta.
Com uma explosão de velocidade, Liam se lançou à frente, suas garras afiadas rasgando o ar em direção ao guarda e à freira. Ele estava focado, decidido a alcançar sua presa. Não posso deixar isso acontecer..., Pallas pensou, o coração batendo forte em seu peito. Mas, antes que ele pudesse interceptar o ataque, William e Wilde surgiram em seu caminho.
"Vai ter que passar por nós primeiro!" gritou William, erguendo sua espada com sua mão esquerda. Seu corpo inteiro tremia sob a pressão da proximidade de Liam, mas ele não recuou. Ao seu lado, Wilde já tinha sua arma pronta, a respiração controlada enquanto estudava os movimentos da besta. Eles sabiam que a força física de Liam era inigualável, então precisavam usar estratégia e precisão.
Liam atacou ferozmente. Suas garras vieram de cima com uma força brutal, mirando diretamente no peito de William. O Mercenário ergueu sua espada em defesa, mas o impacto do golpe o jogou para trás, seus pés arrastando na terra enquanto ele tentava manter o equilíbrio. Mesmo bloqueando, o choque fez seu braço doer como se fosse quebrar.
Wilde não perdeu tempo. Ele se moveu em volta de Liam, tentando achar uma abertura. Com um movimento rápido, desferiu um golpe direto na lateral da criatura. Mas, antes que sua lâmina pudesse penetrar profundamente, Liam girou o corpo com uma agilidade impressionante, atingindo Wilde com o dorso de sua mão, arremessando-o contra uma árvore próxima. Wilde bateu com força, soltando um gemido dolorido ao cair no chão.
"O monstro é rápido demais!" William pensou, vendo Wilde tentar se levantar. Ele sabia que precisavam desacelerá-lo de alguma forma.
Se continuarmos assim, vamos morrer um a um...
Liam soltou um rosnado profundo e, com um movimento brusco, se livrou do bloqueio de William e Wilde. Suas garras rasgaram o ar enquanto ele investia para frente com uma força bestial, derrubando os dois homens no processo. Os olhos do lobisomem estavam fixos em um único alvo: a freira. Suas pupilas dilatadas refletiam pura selvageria, e saliva escorria de sua mandíbula aberta, pingando no chão. Ele não era mais um homem. Ele era uma fera.
"Não podemos deixar ele passar!" Pallas gritou, mas era tarde demais. Liam já estava em movimento, seus pés afundando na terra encharcada enquanto disparava pela floresta, destruindo árvores e arbustos como se fossem nada. Cada passo parecia reverberar na terra, e o som de árvores caindo enchia o ar.
Don, William, Wilde e Ed correram atrás dele, desesperados para impedir o inevitável. "Pallas, o que fazemos?!" Wilde perguntou entre a respiração ofegante, tentando alcançar o lobisomem. Mas mesmo com toda a sua força e habilidade, eles estavam um passo atrás. O monstro corria com uma agilidade monstruosa, suas garras arrancando pedaços de troncos e terra enquanto se lançava adiante. Ele estava implacável.
A chuva grossa transformava a cena em algo quase surreal, obscurecendo a visão de todos. Tudo o que eles podiam ver era a figura sombria de Liam correndo, sua silhueta se destacando na floresta densa. Pallas tentava acompanhar, mas sabia que o tempo estava contra eles. "Não deixem ele chegar nela!" A voz de Pallas estava carregada de urgência.
Liam avançava mais rápido, saltando por entre as árvores, suas garras afiadas deixando marcas profundas nos troncos conforme ele pulava de uma árvore para outra, ganhando velocidade. A força de seus movimentos era avassaladora, sua respiração pesada se misturando aos trovões distantes.
O coração de Don batia forte no peito. "Se não conseguirmos detê-lo, ela está perdida", pensou, sua mente trabalhando em soluções desesperadas. Mas o lobisomem parecia imparável.
Como... como derrotar algo tão... primitivo? Seu instinto de sobrevivência lutava contra a ideia de enfrentá-lo diretamente.
Liam saltou em um movimento único e brutal, sua figura gigantesca se erguendo no ar por um breve momento antes de descer sobre a freira. Ela olhou para cima, seus olhos arregalados de terror, a voz presa na garganta. E então, como se todas as suas forças tivessem sido liberadas de uma vez, ela soltou um grito desesperado, um som que ecoou pela floresta e que parecia perfurar até mesmo a tempestade.