Parte 1
William e Ed entraram na sala de Pallas, o ambiente iluminado apenas por algumas velas estrategicamente posicionadas, lançando sombras longas nas paredes de pedra. O ar estava pesado, carregado com o cheiro de cera queimada e suor, um reflexo da tensão que dominava o local. Pallas estava sentado à mesa, os braços cruzados, o rosto sombrio, mas atento, como se já estivesse esperando por eles.
Assim que os viu, ele suspirou, endireitando-se na cadeira. "Eu já ouvi tudo sobre o que aconteceu com vocês." disse ele, com um tom grave que mostrava empatia, mas também uma preparação mental para algo maior. Seus olhos se voltaram diretamente para Ed.
"Sinto muito por Helena. Mas, nós também fomos atacados pelos monstros."
As palavras de Pallas foram um choque. A dor de Ed pelo estado de Helena já era grande, mas agora, com a menção de "monstros", o ar ao seu redor pareceu ficar ainda mais pesado. Ele mal conseguia processar tudo. O silêncio de Ed falava mais alto que qualquer palavra.
William, com a voz mais controlada, mas carregada de curiosidade e preocupação, quebrou o silêncio. "Monstros? É mais de um?" Ele franziu o cenho, olhando diretamente para Pallas, como se quisesse confirmar que não tinha ouvido errado.
Antes que Pallas pudesse responder, Don, que estava à espreita próximo à porta, interveio com uma expressão dura no rosto. "Sim, mais de um. Quando estávamos investigando como um deles conseguiu passar pela muralha..." Ele fez uma pausa, como se o peso das palavras fosse quase demais para carregar.
"...eles nos pegaram pelas costas. Não vimos nada até que já fosse tarde."
William respirou fundo, passando a mão pelo cabelo, o peso da situação finalmente começando a se instalar. "Se todos eles podem passar pela muralha... então estamos lidando com algo muito pior do que pensávamos."
Pallas assentiu, sua expressão se endurecendo. "Se não resolvermos isso logo, as coisas vão piorar muito. Não teremos mais controle sobre a situação. A muralha era nossa primeira linha de defesa... e esses monstros conseguem atravessá-la facilmente, estamos à mercê deles."
Pallas suspirou pesadamente, antes de se virar para Wilde. "Por isso..." começou ele, deixando a frase no ar.
"Por isso..." Wilde continuou, completando a fala com uma voz mais firme.
"Usaremos um método antigo de caça. O método de isca."
O ar na sala ficou mais denso com aquela revelação. Antes que alguém pudesse reagir, Pallas fez um sinal com a mão. A porta da sala se abriu e um guarda entrou, trazendo uma mulher junto com ele. Ela vestia um hábito simples, sua aparência modesta e expressão hesitante. Era uma freira, de porte pequeno, e acenou desajeitadamente para os homens presentes, claramente nervosa.
Ed e William trocaram olhares confusos, mas foi William quem quebrou o silêncio, sua voz carregada de desconfiança e curiosidade. "Como isso vai funcionar exatamente?"
Pallas lançou um olhar afiado para William, quase desafiador. "Você deveria estar acostumado com esse tipo de caça, William. Já caçou monstros antes."
William apertou os punhos, sua expressão endurecendo. "Sim, mas não usando pessoas como isca." Sua voz estava firme, mas carregada de desconforto. Ele nunca havia concordado com táticas que envolviam sacrifícios humanos, mesmo que o risco fosse calculado.
Don, que até então estava observando em silêncio, deu um passo à frente, sua expressão fria. "Esses monstros... gostam de sangue e carne humana. E eles têm uma preferência específica." Ele fez uma pausa, olhando para a freira.
"Mulheres. Principalmente as virgens."
A freira, ao ouvir aquelas palavras, vacilou por um breve instante, mas se manteve firme, sua mão ainda segurando a cruz com força. O silêncio na sala tornou-se pesado, e até mesmo Ed, que era conhecido por sua calma, parecia incomodado.
Wilde, sempre prático, foi direto ao ponto. "Faremos um corte nela. Um simples ferimento, apenas o suficiente para fazer o cheiro de sangue preencher o ar. Isso o trará até nós." Ele lançou um olhar para Ed e William, como se esperasse alguma objeção, mas continuou.
"O monstro será atraído pelo sangue. É uma tática suja, mas eficaz."
Pallas assentiu, sua voz agora mais grave, como se o peso da situação começasse a afetá-lo. "O monstro ainda deve estar fraco. Depois da última batalha, ele não deve pensar duas vezes em ir atrás de carne fresca. Se não formos rápidos... ele recuperará suas forças, e então será tarde demais."
William, embora visivelmente desconfortável, não disse mais nada. Ele sabia que, naquele momento, questionar o plano só traria mais incertezas. Ed, por outro lado, deu um passo à frente, sua voz baixa, mas firme. "E se algo der errado?"
Pallas respirou fundo, fechando os olhos por um breve momento antes de respondê-lo. "Nós lidamos com as consequências... como sempre fizemos."
Ed cruzou os braços, respirando fundo, seus olhos buscando os de Pallas. "Entendemos o plano, mas ainda não sabemos como vamos matar essas coisas. Lâminas normais... elas não funcionam. Vimos isso com nossos próprios olhos."
Pallas abriu um pequeno sorriso, como se já esperasse essa pergunta. "As espadas que vamos usar hoje à noite não serão comuns." Ele olhou para o grupo, sua voz assumindo um tom mais baixo, quase conspiratório.
"Serão banhadas com a luz da lua através de um ritual de magia antiga."
A surpresa no rosto de William e Ed foi evidente, e até Wilde ergueu uma sobrancelha. "Magia da lua?" William perguntou, franzindo o cenho.
"Isso é mesmo real?"
Pallas assentiu lentamente. "Sim, real e poderoso. Esses monstros são criaturas ligadas às trevas, e a luz da lua é uma das poucas forças capazes de atravessar suas defesas. O ritual vai transformar as lâminas em algo que eles não podem ignorar. É nossa única chance de acabar com isso antes que seja tarde demais."
Ed absorveu a informação, a tensão em seus ombros diminuindo ligeiramente. Ele compreendia agora. "Entendido."
Pallas deu um passo para o centro da sala, a intensidade em seus olhos brilhando. "Essa noite, meus amigos..." Ele fez uma pausa, sua voz carregada de antecipação e determinação.
"Nós vamos caçar algo grande. E sairemos vitoriosos."
O ar na sala parecia mais pesado, como se todos ali soubessem que essa seria uma noite que definiria o futuro de todos eles. A freira permaneceu em silêncio.
William soltou um suspiro, mas não de cansaço, de preparação. "Então, que comece a caçada."
Parte 2
A floresta parecia respirar junto com eles, cada passo em meio à vegetação densa ecoando o som da chuva que caía pesada, se intensificando a cada minuto. O solo sob seus pés estava encharcado, transformando o caminho em uma trilha lamacenta que dificultava o avanço. Pallas e Don lideravam o grupo, enquanto Ed, William, Wilde, a freira e os guardas seguiam logo atrás, todos com os olhos atentos aos arredores, prontos para qualquer sinal do monstro que caçavam.
A chuva grossa pingava das folhas acima, criando um manto de água e som que, por vezes, abafava a conversa entre eles. Ed, depois de observar o silêncio opressor por um longo tempo, finalmente quebrou a tensão com uma pergunta que rondava sua mente desde que Pallas mencionara o ritual de magia.
"Magia... não funcionaria nesses monstros?" A voz dele estava calma, mas a dúvida era evidente. Ele olhou para Pallas, esperando uma resposta, seus passos desacelerando por um breve momento.
Don, caminhando logo atrás de Pallas, foi o primeiro a responder. Sua voz soou firme, mas com um toque de frustração mal disfarçada. "Magia até funcionaria... mas aqui na ilha não temos muitos usuários experientes. Os que temos, bem... são fracos. Nenhum deles é capaz de conjurar algo forte o suficiente para matar nem ao menos um único monstro."
Ed olhou por cima do ombro, franzindo o cenho. "Então... nunca pensaram em trazer magos de fora?"
Don soltou um suspiro pesado, como se aquela pergunta já tivesse sido feita inúmeras vezes antes. "Já tentamos. Contratamos magos de outras regiões e até de reinos, alguns vieram e até tentaram. Mas o máximo que conseguimos foi uma solução temporária. Alguns até derrotaram um ou outro, mas não adianta... esses malditos voltam. São como uma praga. Infinita."
Pallas, até então em silêncio, balançou a cabeça em concordância, seus olhos fixos no caminho à frente, onde as árvores se abriam ligeiramente, sugerindo a proximidade da clareira que buscavam. "Cada vez que matamos um, outro surge. É algo além de uma doença, é como se algo... ou alguém os trouxesse de volta. Eles não são apenas criaturas doentes; são manifestações de algo muito maior. Algo que está além do nosso controle."
William, agora visivelmente intrigado, parou por um segundo, fazendo Ed e Don desacelerarem. "Algo maior? Como assim? Estão dizendo que não podemos acabar com eles?"
Pallas parou, voltando-se para o grupo com um olhar sério, sua mão descansando sobre o cabo da espada. "Nós podemos, mas não de forma definitiva. O problema não é só físico. Esses monstros são uma consequência de algo mais profundo. Algo corrompeu esta ilha... e enquanto não lidarmos com a raiz disso, vamos continuar lutando contra essas coisas para sempre."
Ed cruzou os braços, pensativo. "E onde exatamente está essa raiz?"
Pallas olhou brevemente para Ed antes de responder, sua expressão sombria. "Eu não sei exatamente onde está essa raiz. Só temos fragmentos de contos e lendas."
Ed assentiu em silêncio, aceitando a resposta. Não havia muito mais a ser dito. Eles chegaram a um espaço um pouco mais aberto, onde a floresta se afastava apenas o suficiente para permitir uma visão do céu encoberto, com a lua escondida atrás de pesadas nuvens de chuva.
Pallas tomou a frente, sua postura imponente, e fez um gesto para a freira se aproximar. A mulher, tremendo levemente, obedeceu, seu olhar vazio perdido na escuridão ao redor. Ed observou enquanto Pallas segurava o braço da freira, puxando sua manga até o cotovelo, revelando a pele pálida e frágil.
"Vai ser rápido." disse Pallas, mais para si mesmo do que para os outros.
Com uma precisão quase clínica, ele retirou uma pequena lâmina de sua cintura. Ed olhou fixamente, sentindo a tensão aumentar no ar enquanto o ritual começava. Pallas pressionou a lâmina afiada contra o pulso da freira e, com um corte firme, abriu a veia.
O sangue escorreu rapidamente, tingindo o chão abaixo deles com manchas profundas de vermelho. O cheiro ferroso começou a se misturar com o ar úmido da floresta, penetrando nas narinas de todos.
A freira ofegou com a dor, mas não se moveu. Ela ficou ali, o braço estendido, o sangue pingando em um ritmo constante, quase hipnótico. Don, que observava de perto, se aproximou com um pano para pressionar o ferimento, controlando o fluxo, mas sem impedi-lo completamente.
Don, com uma expressão concentrada, pegou o pano e, de maneira meticulosa, começou a espalhar o sangue ao redor, passando-o por várias árvores próximas. O líquido escarlate traçou um círculo imperfeito, mas eficaz, em torno do pequeno grupo. O cheiro ferroso ficou ainda mais forte, impregnando o ar já pesado e úmido da floresta. A atmosfera parecia sufocar, como se a própria natureza estivesse se afastando diante do ritual macabro que eles estavam realizando.
A cada gota de sangue, o ambiente ao redor ficava mais denso, mais opressor. O som constante da chuva parecia diminuir, não porque havia parado, mas porque a escuridão à sua volta começava a engolir tudo. As sombras nas árvores, antes apenas vultos inofensivos, agora pareciam se mover, pulsando como se estivessem vivas, absorvendo a luz da lua que mal atravessava as nuvens.
Ed sentiu o coração acelerar no peito, a tensão crescente tornando o ar quase irrespirável. Ele ajustou a adaga que William havia lhe dado, seus olhos varrendo o perímetro sombrio, tentando enxergar qualquer sinal de movimento além das árvores.
"Vocês ouviram isso?" sussurrou Wilde, os olhos arregalados enquanto ele se inclinava levemente para frente, atento aos sons distantes.
Pallas ergueu a mão, pedindo silêncio. E então todos ouviram. Um som abafado, como passos... mas não de um homem. Era algo mais pesado, mais irregular, correndo com velocidade em direção a eles. O barulho de galhos quebrando e folhas esmagadas vinha da direção mais escura da floresta, onde a luz da lua não conseguia penetrar, transformando tudo em uma vasta extensão de escuridão impenetrável.
Antes que qualquer um pudesse reagir, um vulto emergiu da escuridão com uma velocidade e ferocidade assustadoras. Um uivo estridente preencheu o ar, misturado com o som de respiração ofegante. Liam. Ele avançava, babando, com os olhos injetados de sangue, as mãos estendidas como garras, pronto para atacar. Seus dentes expostos em um rosnado animalesco, era como se ele estivesse sendo consumido por uma fome incontrolável.