Chapter 3 - Engano

— Entendido — respondeu Roger, em tom de desistência.

Mesmo com o veículo a 80 quilômetros, Koji pulou direto para o asfalto que, por sorte, não estava quente pelo tempo nublado na cidade. Ele ligeiramente se levantou, olhou para o marruá, viu que Roger estava bem e perguntou.

— Spherea, também está sentindo? Sabe me dizer a proximidade da criatura?

— Eu diria que muito perto, mas tem outra coisa… Talvez não seja somente uma criatura.

— Como é? — perguntou Koji instantaneamente, preocupado e olhando excessivamente para o chão.

— Você vai adorar ver isso — disse Spherea, com o braço esquerdo apoiado no ombro direito do Koji e apontando para o veículo do Roger.

Inesperadamente, uma cauda gigante de escorpião surgiu saindo do chão para a superfície, bem atrás do Koji. O tremor foi tão grande que causou uma alteração nunca vista na geografia da cidade, os prédios residenciais estremeceram tanto a ponto de desabarem, e Koji foi agressivamente derrubado. Pois o solo onde estava sofreu uma elevação desproporcional que jogou-o com agressividade para a frente.

— Spherea, cadê o outro? — perguntou Koji, se levantando calmamente com arranhões nos cotovelos e pequenos cortes pelo resto do corpo.

Spherea, com um sorriso alegre e contido, aproximou-se de Koji e disse para ele.

— Estamos em atividade juntos há 4 anos e você ainda não entendeu, Koji? O seu pacto comigo possui comando restrito, as esferas de energia vão te proteger sempre que precisar, mas não consegue controlá-las. Seu pai deixou claro isso há 11 anos atrás, lembra? Mas o que ele tinha de amor pelo filho, ele tinha de idiotice para fazer um ritual lixo e te prender em um pacto defeituoso.

— O que tá falando? 

— Você não sabe? 

Devido ao desabamento de inúmeros prédios na região, uma quantidade massiva de poeira encobriu a área. Koji tampou o nariz e cobriu os olhos com o antebraço, ele olhou com enorme dificuldade para a direção que Roger estava e deparou-se com o que não queria.

— Não! Não! Não!

Diante de uma neblina densa de poeira, Koji assistiu o aparecimento da gárgula gigante, descrita pelo amigo de Roger. Ela atacou o veículo e retirou Roger com a boca, cada aperto na mordida, mais sangue era cuspido pelo militar que sofria de forma agoniante.

— Aaaah! Aaaah! — seus gritos se mergulharam em sangue, e mesmo que tentasse, quem podia-o ajudar?

A gárgula, inteligentemente, arremessou o marruá na direção do Koji, mas surpreendemente, inúmeras esferas de energia escura surgiram ao redor dele, essa era a técnica pertencente ao Koji. As esferas partiram o veículo no meio.

Apesar da nítida preocupação, Koji tinha um comportamento sereno. Mas quando voltou a sua visão para Roger, ele viu a gárgula decepar o braço direito do militar. 

— Vão! Vão! Vão! — gritou Koji, repetidas vezes para as suas esferas atacarem a gárgula, gesticulando com os braços para onde as esferas deveriam atacar.

Os gritos tiraram uma risada genuína do Spherea.

— Hahahaha! Eu já falei. Você não ordena as esferas, não tem controle sobre elas, não consegue usar nenhuma habilidade da sua técnica, nada. A única coisa que você tem é a proteção delas, elas vão te proteger e fim, nada mais que isso. Você é só um humano comum que é protegido por esferas.

Com a mistura de raiva e frustração expressada na face, Koji disse ao Spherea.

— Eu treinava, tentava, morria de esforço e sempre ouvia que era normal. Você me dizia que a demora fazia parte e um dia, eu conseguiria usar minha técnica. Era tudo mentira.

— Esse momento iria chegar uma hora ou outra, então decidi que essa era a hora certa — afirmou a sombra, de frente com o Koji e acariciando o seu cabelo.

Foi dessa maneira, lentamente e pessoalmente doloroso, Koji viu Roger ser partido ao meio pela gárgula e ouviu seus últimos gritos. Apenas parado e sem reação, Koji se sentiu a pessoa mais inútil do mundo.

Nas suas costas, mais duas caudas de escorpião apareceram e atacaram-no, no entanto, as esferas novamente interceptaram os ataques, as caudas foram agilmente decepadas pelas esferas de energia. O solo abaixo de Koji começou a se rachar, o escorpião estava prestes a subir completamente para a superfície.

A gárgula gigante, ainda faminta, voou rapidamente na direção do Koji. Ele não se mexia, permanecia parado, como se quisesse ser atingido, enquanto as esferas rodeavam-no como um escudo.

O combate de ataque contra defesa era de se aplaudir, mesmo que parecesse um cenário impossível de ser revertido. As esferas se movimentavam de uma maneira que impedia qualquer aproximação das criaturas, contudo, um ataque imprevisto pelas esferas acertou Koji. Um disparo "invisível" atingiu-o no pescoço, fazendo-o cair desacordado direto para as lembranças do passado.

Era uma noite chuvosa, Sam, o homem que achou Koji na mesma noite do suicídio de Norman, estava sentado na mesa de jantar de uma casa espaçosa com o próprio Koji. Após encontrá-lo, Sam se tornou o responsável pela educação, saúde e segurança do menino, algo que para ele não era difícil, pois sua característica meticulosa tornava-o preparado. Koji comia excessivamente, a mesa era farta e de ótima apresentação. 

No entanto, Sam perguntou para o garoto sobre uma visita ao túmulo de seu pai, com serenidade enquanto colocava um chá-mate numa xícara d'água.

— Vai ao cemitério amanhã? Completará 5 anos da morte do seu pai, é uma data especial.

— Não.

Koji parecia tranquilo em relação ao seu pai, a sua adolescência havia chegado e nada do passado importava no momento, pelo menos foi dessa forma que Sam entendeu a situação.

— E a cidade? Está gostando de morar aqui em Kayka? Acha melhor que Dynami?

— Tanto faz. 

O tom seco em que Koji respondia incomodava Sam, a relação entre eles estava assim ultimamente. Com isso, Sam puxou o prato de comida do Koji para atrair sua atenção e perguntou, na posse de um olhar penetrante e uma face séria.

— O que houve?

Os olhos de Koji encheram-se de raiva, pois algo havia acontecido.

— Como consegue fingir que está tudo bem sabendo que vai me deixar aqui? Eu sei que vai me abandonar.

A ira que consumia Koji fazia sentido, mas ele realmente não sabia de muitas coisas. Sam estava há 5 anos à frente dos cuidados de Koji, ele sabia que a hora tinha chegado.