Capítulo 2
Gabriel:
12:01
Estávamos sentados de frente um para o outro. O papel roxo entre meus dedos, tinha um peso significativo. Não era como se eu estivesse recebendo mais uma declaração de pessoas aleatórias como costumava acontecer.
Eu recebia frequentemente, bilhetes deixados em minha carteira na faculdade. Ou amigos que viviam me dizendo que essa ou aquela garota estava afim de mim. E o que eu fazia quando isso acontecia?
Se a pessoa fosse do tipo que eu gostava eu não deixaria a chance escapar. Mas se não havia interesse da minha parte eu simplesmente ignorava. Vida que segue.
Mas aquele não era exatamente um bilhete de declaração. E muito menos de alguém aleatório.
Nossos olhares presos um no outro, deixava uma sensação estranha sobre mim. O pânico no olhar do Alex ao ver o que estava em minhas mãos, só confirmava o que eu já tinha certeza.
A letra era a dele.
Como eu não iria reconhecer aquela letra? Foram dois anos estudando ao lado dele, usando seu caderno de estudos para copiar toda matéria que eu perdia quando matava aula para ficar com alguém. E foram muitas as vezes que isso aconteceu…
- Alex , você está bem? - Vinícius pergunta tocando o braço dele intimamente. Apesar de não ser assumido, ele nunca escondeu que era afim do Alex , mas o Alex nunca deu nenhuma esperança pra ele. Agora eu sei o porquê...
- Estou... Eu só ... - o vejo se levantar, desviando o olhar do meu e se voltando para o nosso amigo. - Eu só preciso de um pouco de ar. - completa ele, com a intenção de fugir, penso comigo mesmo.
- Quer companhia? - Vinícius pergunta, parecendo realmente preocupado. Max e Renan estavam tão entretidos um no outro que não repararam na estranheza da situação. Aqueles dois, eram uma comédia. A gente sabia que se gostavam, mas também não davam o braço a torcer. Fingiam que a amizade entre eles era algo "normal", como se a química e a tensão sexual entre eles fosse fruto da imaginação de todos. Apenas Alex e eu havíamos nos assumido, perante os amigos da faculdade. Alex era gay e eu bissexual.
- Obrigado. - Diz Alex, com o semblante parecendo meio desesperado. - Mas prefiro ir sozinho.
Assim, ele sai em direção a uma das saídas do bar. Vinícius volta a se sentar e me olha com uma cara ranzinza.
- O que você fez dessa vez?
- Como assim o que eu fiz? Do que está falando?
- O Alex só fica estranho assim, quando tem algo haver com você.
- Isso não é verdade. Eu não... - meu olhar recai sobre o papel roxo e eu me calo.
Será?
Será que eu era o responsável por fazer ele sofrer?
Sem pensar realmente no que estava fazendo, me levanto e vou atrás do Alex . Essa história precisava ser explicada. E quanto antes a gente resolvesse essa questão maluca, sobre ele "gostar" de mim, mais rápido eu poderia fica em paz sabendo que a nossa amizade não estaria abalada com aquilo. Afinal, aquilo só poderia ser algum tipo de brincadeira, não é?
30/10/21
Eu estava aos beijos pelo corredor da faculdade com a garota mais quente daqui. Ela era linda e fazia tempos que a gente se pegava às vezes. Sem compromisso, claro.
Estamos no meio de um daqueles beijos fogosos em que a respiração começa a falhar, quando ela derruba um de seus livros e alguns papéis saem do meio das páginas.
Interrompemos o beijo e eu me abaixei para pegar suas coisas e meus olhos são atraídos para um pequeno papel roxo onde estava escrito:
Desejo namorar Gabriel Bianchi.
Eu começo a rir e me levanto, mostrando a ela o que havia lido. Na mesma hora a garota muda de cor, ficando vermelha.
- O que é isso? - Pergunto ainda sorrindo. Achando graça da falta de jeito dela, olhando para o papel em minhas mãos enquanto seu rosto mostrava várias emoções ao mesmo tempo.
- Não é nada. Nada... - ela tenta pegar o papel de mim e eu me afasto, levando tudo na brincadeira.
- Não parece nada para mim... - certo, eu posso estar sendo um chato, mas aquilo era engraçado pra caramba.
- Me devolve isso, Gabriel! - ela pede ainda vermelha.
- O que você vai fazer com esse papel? - pergunto ficando, sério. - Feitiço? Com meu nome?
Os olhos dela se arregalaram ainda mais e ela fica muda. Céus, isso era muito engraçado. Estou a ponto de gargalhar quando várias outras garotas saem do corredor que leva a Biblioteca, também segurando cada uma o mesmo tipo de papelzinho roxo, e todas dando aqueles risinhos irritantes que as meninas só dão quando estão em bando. Enquanto estou distraído, Lili arranca o papel da minha mão e sai em disparada se misturando com as outras garotas.
Que diabos estava acontecendo aqui?
Fico encostado na parede mexendo em meu celular, tirando aquelas malucas da cabeça, esperando que o Alex aparecesse a qualquer momento pelo mesmo caminho que as meninas vieram.
Mas o horário da aula se aproxima e nada dele.
- Hei, Gabriel, vamos? - uma amigo me chama. - Já estamos atrasados.
E assim, tiro da minha mente os papéis roxos e Alexander Cooper .
A aula transcorre normalmente e para meu horror, o professor diz que dará um teste na segunda, sobre a matéria estudada durante a semana. Porra. Eu nem escrevi a matéria da semana. Eu só tinha cabeça para o ranking online do meu jogo favorito ultimamente.
Inferno. Vou ter que passar o fim de semana estudando pra não levar bomba. Penso me sentindo agoniado.
Mas pelo menos tenho o Alex pra me ajudar a estudar... Penso e automaticamente procuro por ele me dando conta nesse momento que ele não entrou na aula hoje. E ele nunca perdia aula nenhuma.
Será que ele estava bem?
Espero o sinal do intervalo para ligar pra ele. E assim que ele atende, sinto que há algo errado.
- Alex ? Onde você está? - pergunto chateado - Eu te vi indo para a biblioteca quando chegou e depois não te encontrei mais. Está tudo bem?
- Está. - Não… Ele não está bem.
- Alex ? O que aconteceu? - pergunto, agora realmente preocupado.
- Gabriel, tá tudo bem... Eu só... Queria ficar sozinho.
- Eu vou até o seu apartamento.
- Não. - Ele parece triste, com a voz baixa. - Não precisa, ok?
- Então me diz o que está acontecendo...
- Não é nada. Eu tive um pequeno mal estar. Mas é sério... Agora eu estou bem.
- Você jura?
- Juro.
- Qualquer coisa me liga.
- Ligo sim.
Desligamos e fico olhando para nossa foto de identificação de chamada.
Eu estava preocupado com ele. Afinal, ele era o único amigo em quem eu confiava de verdade. Nunca duvidei de que ele estava ao meu lado por interesse, como já escutei muita gente falar. E seu jeito sincero, humilde e batalhador fizeram com que eu o admirasse em um nível gigantesco.
Alex era um exemplo a ser seguido por qualquer pessoa na minha opinião. Seu esforço o levaria a subir na vida sem depender de ninguém e eu sentia muito orgulho dele.
O intervalo das aulas termina e eu volto para a sala, e há ao meu redor uma falação interminável das meninas na sala... Pesco algumas palavras sobre papéis roxos, Dia das Bruxas e desejos profundos...
A coisa toda na minha opinião era uma babaquice. Sorrio internamente, pensando em como elas estavam emocionadas com essas coisas...
Max se senta na cadeira atrás de mim, que normalmente era onde o Alex se sentava e também está com um papel roxo em mãos.
- Você também? - pergunto sorrindo cinicamente. - Aposto que vai pedir pra se casar com o Renan, ter uma casinha com cerca branca e gatinhos.
- Claro que não, seu idiota. - ele diz de cara fechada. E rouba uma caneta da minha carteira para começar a escrever. - Eu prefiro cachorros.
E abre um enorme sorriso. Era um tonto mesmo.
Para onde eu olhasse, as pessoas estavam debruçadas sobre o pequeno papel. Concentradas, tentando pensar no tal desejo e blá blá blá...
Eu não conseguia acreditar que tanta gente acreditava nisso. Vinícius me chama aos cochichos e sussurra a três carteiras de mim.
- É melhor você tomar cuidado... A maioria dos papéis roxos contém seu nome.
- Ainda bem que eu não acredito nisso. - digo, piscando para ele. - Você também, Vini? - olho chocado para o papel em sua mão.
- Claro. Preciso dar uma ajuda ao destino.
- E o que você pediu? - pergunto realmente curioso.
- Não é da sua conta mas... - ele me dá um sorriso sarcástico, mas continua. - Seu melhor amigo, ainda é meu maior desejo secreto.
- Não tão secreto, não é? - era engraçado ver como ele não desistia de tentar conquistar o Alex , mesmo ele já dando várias insinuações de que não estava interessado.
Quando o professor entra na sala, a balbúrdia diminui e todos voltamos a ficar quietos. Quando a aula termina, vou direto pra casa. Diferente de outras vezes em que eu saia da faculdade para ficar na casa de alguma garota, ou simplesmente ir jogar com o Alex ... Mas hoje eu não estava afim de perder tempo com meninas e seus papéis roxos... E pelo visto, o Alex não estava afim de jogar.
Então, quando estou em casa, ao invés de subir e tomar um banho, colocar um pijama confortável e me aventurar em algum jogo, fico sentado na cozinha, comendo um sanduíche e pensando no Alex .
Estou com a sensação estranha de que o Alex não estava bem e que eu deveria ir até o seu apartamento mesmo ele falando que não... já era tarde e eu não deveria sair sozinho a essa hora, mas a vontade de ir atrás dele me consumia. Era mais forte do que eu... Olho o relógio que marcava 23:44 minutos.
Foda-se.
Me levanto e me dirijo ao meu carro. A noite estava estranhamente quieta hoje. E o vento gelado batia em meu rosto me dando arrepios.
Não demoro mais do que dez minutos para chegar ao prédio em que o Alex morava. Era um lugar simples, mas eu gostava mais de ficar ali com ele, do que em casa.
Continuo dentro do carro. Que porra eu estava fazendo aqui? Me pergunto, me sentindo idiota ao olhar para o relógio novamente e ver que era meia-noite em ponto. Ele já deveria estar dormindo... Foi um impulso realmente idiota da minha parte.
O painel do carro começa a acender do nada, todas as luzinhas ali ficam descontroladas por alguns segundos e a única coisa que não pisca é a do horário. 12:01...
Uma rajada forte de vento começa e quando olho para fora do carro vejo uma pequena revoada de pássaros em cima do edifício do Alex vindo em minha direção.
Era meio assustador. Começo a apertar o botão que faria o vidro da porta do carro subir, mas antes que eu consiga fechar totalmente, um pequeno papel roxo entra pela fresta que ainda estava aberta.
31/10 Red Moon...
Quando passo pelas portas, o vento gelado me toca, mas não é tão desconfortável. Vejo Alex encostado em um alambrado que servia de proteção. Como um muro entre a avenida e o bar.
Fico parado olhando para as costas dele, me sentindo um covarde, pensando se deveria dar a volta e voltar para dentro. Até que ele se vira e ficamos nos encarando. Os olhos dele ansiosos…
- O que significa isso? - Pergunto, de supetão. Levantando o braço e lhe mostrando o papel roxo.