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Chapter 27 - Dois meses: Nada mudou, tudo está diferente

Dois meses se passaram desde a morte de Paulo e dos outros dois nobres cujos nomes Miguel nem se dignou a decorar. Muitas coisas ocorreram, especialmente nas primeiras semanas após o incidente.

O desaparecimento de três nobres é um assunto sério, e um Marquês foi designado para investigar o caso. Boatos circulavam pela cidade sobre uma possível proximidade entre Maximus e Paulo, o que trouxe intensa investigação à casa. Durante o tempo em que Maximus estava sob investigação pelo Marquês, ele e Elena também voltaram suas atenções para seu neto, tentando desvendar o mistério da fuga noturna de Miguel.

Nos primeiros dias, Fábio era o encarregado de descobrir o que estava por trás do comportamento de Miguel. No entanto, as discussões constantes entre eles levaram a um distanciamento. Foi então que surgiu uma nova figura para acalmar Miguel: Sarah, uma mãe de dois filhos, foi encarregada de lidar com a criança emburrada que se isolava no quarto, até pulando refeições.

Sarah não demorou a fazer Miguel se abrir e, com isso, aprendeu a verdade sobre sua vida miserável após a morte da mãe. Os maus-tratos que sofreu nas mãos do pai e dos meio-irmãos, a culpa que carregava por acreditar que havia causado a morte da mãe, e o motivo pelo qual fugiu da casa naquela noite fatídica.

Miguel falou abertamente sobre como, após anos ouvindo que era culpado pela morte da mãe, esperava ser acolhido por seu avô. Mas ao chegar, foi imediatamente mandado de volta para o inferno que era a mansão Eklere. 

Ele relatou com detalhes sua tentativa desesperada de fugir, acreditando que ninguém se importava com seus sentimentos, apenas para acabar perdido, sem um destino claro. No fim, ele se esforçou ao máximo para retornar.

Ao ouvir sobre o dia a dia de Miguel na mansão Eklere, a comida de qualidade inferior que era servida a ele, pior que a dos servos nesta casa, e os insultos constantes de seu pai—chamando-o de inútil, imprestável, e culpando-o pela morte da mãe—Sarah ficou profundamente comovida. Mesmo quando Miguel já não precisava de ajuda, ela continuou a verificar sua saúde diariamente, criando um vínculo de compaixão e carinho com ele.

Sarah nunca foi obrigada a reportar suas conversas com Miguel aos patrões, o que a fez sentir-se mais à vontade para criar essa conexão. Mas, na verdade, Miguel estava constantemente sob o monitoramento do Sentido Divino de Elena, enquanto tecia uma teia de verdades e mentiras para afastar as suspeitas sobre seu envolvimento no desaparecimento dos nobres.

Graças aos esforços de Sarah, professor e aluno, assim como avô e neto, conseguiram resolver suas diferenças e se reconciliar. A casa voltou a ter almoços movimentados, com todos presentes e conversando sobre diversos assuntos, algo que deixou Sarah muito orgulhosa.

Entretanto, por trás desse novo equilíbrio, havia uma verdade sombria. Toda a reconciliação familiar de Miguel ocorreu antes do término da investigação do Marquês, que foi prolongada por semanas devido à baixa tecnologia e ao atraso nas comunicações. 

A falta de evidências, combinada com as reclamações dos comerciantes sobre os bloqueios nas entradas da cidade, o extermínio do comércio de narcóticos e a constante invasão de privacidade nos bordéis, levou o Marquês a encerrar a investigação e retornar sem resultados concretos.

Resumindo, exceto pelo período em que a casa estava sob constante escrutínio, as coisas voltaram ao normal. Miguel retomou suas aulas de pintura e música, passeava pela cidade com Fábio, e reconectou-se com seu avô. Tudo parecia calmo e tranquilo.

Nada mudou. Ou melhor, nada mudou na superfície. 

Na realidade, a relação de Miguel com Fábio tornou-se mais próxima, com o professor assumindo uma figura de autoridade e paternidade maior do que o Duque ou o próprio avô. Esta foi uma das pequenas, mas significativas mudanças desde que Miguel chegou a esta casa. Sua relação com Maximus e até com Sarah também havia mudado, mas o que sofreu a maior transformação foi o próprio Miguel.

A única constante era a desconfiança de Elena. Os poucos momentos em que Miguel desapareceu no meio da madrugada eram os únicos em que ele não estava sob sua vigilância. Se não fosse pelas técnicas que agora empregava após o despertar de seu Sentido Divino, Miguel seria irreconhecível até para Fábio, que estava ao seu lado todos os dias nos últimos meses.

No início, Miguel não percebeu as mudanças sutis que estavam ocorrendo dentro de si. Mas, com o tempo, ele começou a notar. O estado constante de monitoramento de seu corpo e Espaço Mental, devido à vigilância de Elena, trouxe à tona uma consciência aguda das alterações em sua psique. 

No momento em que compreendeu o que estava acontecendo, foi como se uma represa tivesse se rompido, derrubando uma cadeia de dominós.

A maior evidência dessas mudanças era o seu Espaço Mental e Mundo Espiritual. Comparado a como estava no início, a diferença agora, após dois meses, era notável. Ele não conseguia mais distinguir o Espaço Mental do Mundo Espiritual—os dois pareciam ter se fundido em uma única entidade que ele chamava de Espaço Espiritual.

Antes, o Espaço Mental não tinha um tamanho definido ou um limite claro, ao contrário do Mundo Espiritual, que podia ser medido e geralmente refletia o tamanho do Sentido Divino de Miguel. Agora, seu Espaço Espiritual possuía não apenas um limite, mas também uma "casca" ou "paredes" que circundam todo o perímetro. 

Do lado de dentro, essas paredes eram de um negro profundo e assustador; do lado de fora, uma junção de todas as cores se fundia em um branco puro.

Mesmo que, assim como o Espaço Mental, o Espaço Espiritual não tivesse um verdadeiro "lado de fora", Miguel ainda conseguia sentir essa parte externa e observar seu Espaço Espiritual da mesma maneira que observava seu corpo em terceira pessoa.

Os pilares que representavam quatorze emoções diferentes, em sete cores distintas, já não estavam mais na metade do caminho entre o centro do Espaço Espiritual e a sua fronteira. Agora, eles estavam fixados na borda, conectados pelas paredes que os uniam. 

As águas reflexivas na metade inferior da esfera estavam completamente calmas, quase petrificadas em um piso de vidro transparente, exceto em três lugares no centro, onde três cores formavam um pequeno disco rotativo—uma mistura de bronze, prata e ouro.

No lugar dos antigos pilares, havia agora um cinturão composto por seis outras cores: rosa, marrom, bege, cinza, magenta e púrpura. Enquanto as memórias que antes eram refletidas na superfície das águas no seu Mundo Espiritual, agora estavam sendo absorvidas de forma frenética pelos pilares que sustentavam as paredes do seu Espaço Espiritual. 

Cada memória era atraída por uma emoção ou pilar diferente, e, após ser absorvida, era gravada na parte interna das paredes, lentamente formando um mosaico da história de Miguel—tanto da sua vida atual quanto da vida passada.

No centro exato do seu Espaço Espiritual, flutuando acima do disco de três cores, havia um pequeno ponto de luz disforme. Às vezes, ele se parecia com uma pequena esfera cintilante; outras vezes, assumia a forma de um aglomerado de formas geométricas sem padrão ou lógica.

Técnicas de sua vida passada, algumas das quais só deveriam estar disponíveis após seu avanço para o próximo reino de cultivo, estavam agora acessíveis, mesmo que ele ainda estivesse no Reino do Espírito Desperto.

Miguel, que em sua primeira vida não era nada de especial quando se trata do Cultivo Espiritual. Seus progressos anteriores eram abruptos, sem razão aparente, o que o mantiveram preso por milênios em certos estágios.

Com tanto tempo disponível, ele desenvolveu diversas formas de manipular seu Cultivo Espiritual. Todas essas técnicas e variações, que ele nunca precisou nomear, porque apenas ele poderia utilizá-las, estavam surgindo novamente. Afinal, o caminho de cada Cultivador Espiritual é único, porque cada ser vivo é único.

A maneira como ele vibrava seu Sentido Divino para detectar outros cultivadores, como deformava o seu Sentido Divino em formas diferentes, ou até mesmo como usava seu poder para ver dentro do próprio corpo, eram apenas algumas das habilidades que ele dominará—e agora, estavam retornando.

Um exemplo claro disso eram as estantes que agora circulavam as paredes do seu Espaço Espiritual. Esses construtos mentais, organizados como prateleiras, estavam repletos de livros. Cada livro continha uma técnica, uma habilidade, uma pessoa, um lugar, ou qualquer outra informação que Miguel havia armazenado de suas memórias. Tudo estava meticulosamente organizado e catalogado de uma maneira que só ele entendia.

O mais impressionante era que esses livros não permaneciam estáticos. Constantemente, um ou outro saia da prateleira, suas páginas sendo folheadas rapidamente, como se alguém estivesse lendo e reorganizando a informação antes de colocá-lo de volta em sua posição ou realocá-lo.

No entanto, o elemento mais impressionante de seu Espaço Espiritual não eram os livros. Não, o mais intrigante eram as onze encarnações de Miguel, avatares espirituais, cada um responsável por executar uma das posturas da Técnica de Sublimação Corporal. Esses avatares analisavam cada falha na execução e buscavam maneiras mais produtivas de maximizar o treinamento.

Todas essas transformações, que quase fizeram de Miguel uma pessoa completamente diferente, eram o resultado de um único gatilho. Algo que começou de forma sutil semanas atrás e que continuaria a acontecer, faça chuva ou faça sol. Ele lutou para aceitar, mas nada poderia prepará-lo para o impacto disso.

Miguel estava entrando na puberdade. Pela segunda vez em sua existência.