Miguel saiu do banheiro com uma toalha enrolada na cintura, enquanto usava outra para secar o cabelo.
"Bom dia, jovem mestre!" veio a voz animada de Sarah, o que o surpreendeu levemente.
"Bom dia, Sarah," ele respondeu, disfarçando a surpresa com a intrusão repentina. Ele rapidamente recompôs sua expressão. "Como estão o Mike e o Jonathan?"
"Eles estão empolgados desde que você fez aquele desenho para eles. Agora estão correndo por aí, fingindo ser Espadachins Sagrados que vão derrotar o Dragão Maligno."
Miguel sorriu, genuinamente satisfeito. "Fico feliz que tenham gostado do presente."
A expressão de Sarah se tornou brincalhona, seus olhos brilhando com travessura. "Então, jovem mestre Miguel... tem algo que está escondendo? Algum segredo que gostaria de compartilhar comigo?" ela perguntou, piscando para ele.
Miguel franziu o cenho, realmente intrigado pela pergunta de Sarah. "Sobre o que está falando?"
"Então, talvez possa me explicar o que são esses fios de cabelo pretos na sua cama?" Sarah disse, segurando alguns fios com um olhar conhecedor.
Desta vez, a surpresa de Miguel foi genuína. Ele não tinha sentido ninguém entrar em seu quarto, especialmente com seu Sentido Divino sempre vigilante. "Não faço ideia... Talvez outra serva tenha vindo limpar meu quarto?"
"Hahaha, não tente me enganar, jovem mestre. Parece que a primavera finalmente chegou para você, e eu aqui preocupada que você ficaria solteiro para sempre. Apenas certifique-se de escolher uma boa moça."
Miguel balançou a cabeça com a brincadeira dela enquanto ia até o armário pegar roupas limpas. Enquanto se vestia e Sarah terminava de arrumar a cama, eles continuavam conversando — bem, na verdade, foi mais Sarah dando conselhos sobre encontros e garotas, com Miguel ouvindo pela metade.
Logo, os dois saíram juntos do quarto e foram para a cozinha, onde o café da manhã já estava servido.
Maximus e Fábio ainda não haviam chegado, mas Miguel não esperou por eles. Ele começou a servir-se de pães, ovos, e um copo de leite quente. Mais uma vez, ele tentou convencer Sarah a comer algo, mas ela ficou firme em sua função de empregada e permaneceu de pé atrás dele. Pelo menos, sua relação avançou o suficiente para que ela conversasse casualmente com ele.
Comer e conversar não eram as únicas coisas que Miguel fazia no momento. Com os recentes avanços em seu Cultivo Espiritual, seu Sentido Divino cresceu mais de 50%, atingindo um raio de 31,74 metros.
Com uma manipulação habilidosa, Miguel conseguia cobrir toda uma área de 40 metros quadrados ao concentrar seu Sentido Divino na forma de um hemisfério em vez de uma esfera, grande o suficiente para abranger boa parte da casa.
Recentemente, ele estava atento a Elena. Durante todo o tempo em que esteve nesta casa, ela agiu como uma sombra, sempre vigiando e nunca se revelando.
Mas agora, seu foco estava em procurar alguém com cabelos compatíveis com o encontrado na cama. A ideia de ter perdido algo tão importante quanto a presença de alguém em seu quarto o deixou desconfortável.
Depois de alguns minutos usando uma habilidade que só poderia ser chamada de divina para verificar o couro cabeludo de cada pessoa na casa, Miguel estava frustrado. Neste Mundo Inferior, cabelos negros e pele escura são a norma para qualquer plebeu. Na verdade, os estranhos são os nobres com suas peles claras e cabelos coloridos.
'O dia começou tão bem...' Suspirando, Miguel engoliu a frustração e se focou em seu avô e professor, que estavam prestes a chegar. Os dois estavam conversando em voz baixa, vindo direto do escritório. Mesmo sabendo o conteúdo da conversa, ele precisava fingir inocência. O lado bom era estar sempre preparado para o que viria a seguir.
Após alguns minutos, Maximus e Fábio chegaram e tomaram seus assentos à mesa. Depois de trocarem saudações como de costume, começaram a puxar assuntos aleatórios de forma tão forçada que até uma criança perceberia que algo estava errado, como o momento antes de seus pais darem uma má notícia.
Miguel não pôde evitar e perguntou: "Aconteceu alguma coisa?"
Respirando profundamente, Fábio sabia que não poderia mais continuar a rodear o assunto. Ele precisava ser direto.
"Miguel, já faz um tempo que estamos vivendo aqui, mas gostaríamos de saber quais são seus planos para o futuro. O que quero dizer é... o que você planeja fazer da sua vida? Não algo tão sério, mas com todas as aulas de pintura e música... sua profissão e coisas do tipo. Algo mais comum, como seus planos para o futuro próximo... não, espera, o que eu quis dizer foi..."
"Hahaha!" Miguel riu levemente, surpreso com a forma como Fábio se atrapalhou com as palavras. "Eu entendi sua preocupação, professor... Acho que não tinha pensado sobre isso antes, mas se eu pudesse escolher, gostaria de ir para a fronteira norte..."
A resposta de Miguel chocou os dois senhores. O espanto em seus rostos era tão grande que, por um momento, eles esqueceram de mastigar. Fábio até engasgou levemente com um pedaço de carne e precisou beber leite para forçar a comida a descer.
"Por quê? Como a... não, espera, explica melhor isso," Maximus se intrometeu.
"É por causa da ordem do seu pai? Você sabe que não precisa ir até lá e virar um cavaleiro de verdade, né?"
Neste momento, até mesmo Elena, que estava comendo sozinha em um cômodo próximo, franziu as sobrancelhas ao ouvir as palavras de Miguel.
Agindo um pouco assustado com a reação explosiva dos dois, Miguel falou, tímido:
"Não é nada disso... eu só pensei que seria legal ser um cavaleiro e aprender a lutar..."
No final de sua explicação, a voz de Miguel estava baixa, quase um sussurro. Havia um tom de vergonha em suas palavras, como se tivesse revelado um segredo embaraçoso.
Maximus e Fábio se entreolharam, confusos e surpresos. Eles esperavam muitas coisas, mas essa definitivamente não foi uma delas.
Quem diria que o pirralho tinha uma veia combatente.
Após Fábio acenar em confirmação, Maximus começou a falar: "Se o que você queria era aprender a lutar, era só ter avisado antes. Existe uma academia para cavaleiros aqui em Pahvia, seria fácil te colocar em uma delas."
"Sério! Isso é incrível!"
"Calma lá, pequeno combatente," disse Fábio de forma um tanto sarcástica. "É bom que você queira aprender um pouco sobre batalha, mas você sabe que ser um cavaleiro é muito mais do que isso, certo?"
Maximus acenou com a cabeça e complementou: "Você vai ter que fazer um juramento para a casa de um dos Duques. Os cavaleiros têm muitas responsabilidades, lutar é a menor delas. Toda a parte do gerenciamento e logística do exército cai sobre os seus ombros."
Miguel se divertiu com a forma como Maximus e Fábio cooperavam para lidar com sua educação e futuro. A conversa estava seguindo o rumo que ele esperava, então ele apenas precisaria continuar no roteiro que havia planejado para garantir que o futuro seria diferente da sua vida passada, mas sem perder o controle da situação.
Levando um tempo para responder, como se estivesse ponderando profundamente, Miguel finalmente disse: "Não tem outro jeito de participar do treinamento sem ter que jurar lealdade ao Duque?"
"Bom... se você quer ser um cavaleiro, precisa servir a alguém. Isso é lógica básica, hahaha!" Maximus ficou surpreso com a ingenuidade do neto.
Miguel abaixou a cabeça, desanimado, e resmungou em voz baixa: "Eu não tenho certeza se quero ser um cavaleiro, mas definitivamente gostaria de aprender a lutar, pelo menos o básico para me proteger. E eu sei que treinar as técnicas das famílias nobres é sem sentido, já que não tenho talento."
"Espera um segundo, então você só queria aprender a lutar e não se tornar um cavaleiro?"
"Isso..."
"Então, acho que fugimos do tópico dessa conversa. Era para decidir a sua profissão no futuro e não sobre o que você gostaria de aprender agora..."
"Ah! Não era por isso que eu estava recebendo aulas de música e pintura? Pensei que seguiria os seus passos, professor."
Fábio tremeu como se tivesse sido atingido por uma flecha.
Percebendo que seu amigo de longa data havia sido atingido emocionalmente, Maximus assumiu a conversa e falou com Miguel.
"Se você planeja seguir a mesma carreira do Fábio, então não precisamos nos preocupar muito. Você tem um bom professor. Quanto à parte de aprender a lutar, era só ter falado antes. Eu poderia contratar um treinador para você. Fazer alguns exercícios seria bom para sua saúde, e não é como se as artes de batalha dos cavaleiros fossem um grande segredo."
"Obrigado, avô! Prometo que vou fazer o meu melhor."
Maximus sorriu, mas havia um toque de nostalgia em seus olhos. Ele se lembrava dos seus próprios sonhos de juventude, de como a vida nem sempre segue os caminhos que imaginamos. Mas ver o entusiasmo de Miguel lhe deu um sentimento de orgulho e uma responsabilidade renovada.
"Agora que as rotas comerciais foram reabertas, vou ter que fazer várias viagens para consertar o atraso no cronograma. Mas antes de partir, vou garantir que você receba suas aulas de batalha. Parece que você não vai precisar ir para a fronteira norte, afinal."
Miguel sentiu uma onda de alívio e satisfação. Ele havia alcançado o objetivo que queria, mas havia algo mais profundo impulsionando suas escolhas. Ele sabia que, no fundo, essa busca por força física era mais do que apenas aprender a se defender.
Na sua vida passada, ele nunca foi capaz de treinar o seu físico e aprimorar o combate corpo-a-corpo. Quando acordou no passado, não conseguiu fazer muitos planos concretos, mas, no fundo, havia certezas, metas que ele faria de tudo para alcançar.
Uma dessas metas era atingir a Transcendência nos três caminhos: Corpo, Espírito e Essência. Eliminar todas as suas fraquezas e garantir que nunca mais seria derrotado, pelo menos não a ponto de terminar em uma situação como a atual, onde não sabia como havia retornado ao começo da sua adolescência.