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Chapter 3 - Uma mentira puxa outra

No sinal de trânsito vermelho, uma fila de carros, motos aguardavam impacientes os eternos 30 segundos, todos tinham pressa. Crianças eram levadas para creches e escolas, adultos corriam para chegar a tempo aos seus ambientes de trabalhos. As ruas estavam, agitadas, todos apressados. Mas o sol, sem nenhuma pressa, começava a espreguiçar-se no céu, mostrando seus primeiros raios. O sinal ficou verde e todos aceleraram ao mesmo tempo, loucos para chegarem primeiro aos seus destinos. 

Em pé na porta de casa, Gorete observava toda aquela movimentação, sem nenhuma pressa. Sua vida não carecia de pressa, ela aprendeu isso há muito tempo. Quanto mais se corre, mais se aproxima da morte e ela não tinha nenhuma pressa para morrer. 

No entanto, sua calmaria escondia uma certa impaciência, ela estava esperando alguém chegar. O café já estava quentinho na garrafa, os pães na mesa ao lado da margarina, sem nenhuma pressa, também aguardavam. 

Era segunda-feira, e o dia não esperava por ninguém. Esse era o dia mais mal humorado da semana. E não tinha ninguém que conseguia arrancar da segunda-feira um sorriso logo cedo. 

Cansada de esperar, ela voltou para dentro de casa e ligou a tevê, no intuito de se entreter e tirar do seu coração a sensação de que algo ruim havia acontecido. Infelizmente, as notícias no telejornal davam conta de muitos acidentes no fim de semana, em todo o estado, alguns fatais. Ver tevê não estava ajudando. 

Gorete pegou o celular e tentou ligar pela décima vez. Ninguém atendia. O que teria acontecido com seu marido? Era bem a cara da segunda-feira trazer essas preocupações. Se bem que desde a noite anterior essa angústia lhe tomava conta do corpo. Ele deveria ter chegado no início da noite do domingo. Motivo que fez com que ela acordasse antes do sol raiar, preocupada com esse atraso. 

Decidiu ligar para a sede da igreja na capital, por certo eles teriam notícias. Ninguém atendeu. Nesse caso, ela entendeu, eram 6:40 da manhã e ninguém estaria na igreja nesse horário. 

Levantou-se do sofá e foi a cozinha. Numa xícara de porcelana colocou um pouco de café quente que acabara de coar. Em pequenos sopros e grandes goles ela já estava quase terminando de tomar seu café quando o telefone tocou, na tela o nome de seu marido.

- O QUE ACONTECEU? – ela perguntou em tom exaltado, como se já tivesse certeza de que uma desgraça havia acontecido. 

Ele então explicou que o carro havia quebrado e que o sinal de celular onde ele estava era ruim. Disse também que tinha visto as ligações dela, mas que ao atender ficava sem sinal. Só agora, após conseguir uma carona, é que ele tinha chegado ao posto e conseguido ligar. Informou que só chegaria em casa no fim do dia, pois o carro precisava ser consertado e ele ainda estava distante. 

Gorete tomou o último gole de café já frio e respirou aliviada. Ela estava certa, tinha acontecido alguma coisa. O bom é que a vida de seu marido estava salva. E que no fim do dia eles estariam juntos no aconchego de seu lar. Partiu um pão, passou duas demãos de margarina, ferveu o leite, acrescentou café e foi para frente da tevê assistir ao jornal. A ela não importava mais os acidentes do fim de semana, nem se teriam sido fatais ou não. Seu marido estava salvo, ela pensava aliviada. 

Estranho esse comportamento egoísta, ela como esposa de um pastor, como exemplo da igreja, pensar daquela forma. Sentiu-se culpada e então começou a lamentar em voz alta os que haviam sido vitimados nos cruéis acidentes de trânsito. Embora não sentisse nenhuma empatia por eles, exclamava piedade em alto tom, sozinha em casa, para que sua voz pudesse calar seus pensamentos. 

Lá fora, a pressa das pessoas iam diminuindo e o sol disputava no céu espaço com grandes nuvens escuras. O dia passava depressa, já era quase hora do almoço e o céu começou a desabar, as nuvens caiam todas de uma só vez como velhas desmaiando. Um acontecimento atípico para o mês de outubro, quando o sol era o único esperado. 

De novo a preocupação de Gorete com o marido tirou sua paz. Resolveu ligar. Mas descobriu que lá onde ele estava, a chuva não caia. 

Ela nem imaginava que, na verdade, seu marido estava a poucos quilômetros de casa, e que o carro quebrado, nunca quebrou. E onde ele estava o céu desabava como cachoeira. Ele estava mentindo. O pastor, que pregava a moral e o amor aos princípios de Deus, estava mentindo para a esposa. Mas não se sentia culpado por isso. A culpa que lhe consumia a alma, era o porre que tinha tomado na noite anterior. 

E como ele mesmo sabia: para se esconder uma mentira era necessário contar outra mentira. 

Ao sair do bar, já de madrugada, Dornelles decidiu parar em uma pousada logo adiante. Não queria dirigir embriagado, isso era o que ele dizia para si, a fim de justificar sua parada na pousada. A verdade, no entanto, era que ele não podia chegar em casa embriagado. Isso seria o fim de seu casamento, de sua reputação como pastor dos servos de Deus. 

Dormiu e acordou com uma baita dor de cabeça, não causada pela ressaca, mas pelas inúmeras ligações da esposa. Gorete parecia desesperada. E então uma outra mentira foi contada: o carro quebrou. Ela acreditou, pois seu marido nunca havia ingerido bebidas alcoólicas e nunca tinha feito nada que a fizesse duvidar de suas palavras. Ele mesmo não sabia como tinha acontecido aquilo. 

Até que lembrou-se de que antes de se embebedar com o álcool já estava embriagado pelo torpe desejo de contemplar por mais tempo a beleza daquela jovem mulher. Rosa, ele se lembrava do nome dela. Outra transgressão, ele pensou. E tentava justificar essa transgressão pensando nas inúmeras vezes em que sua mulher se negou a fazer amor com ele. Porém, isso não justificava nada do que ele tinha feito, estava apenas querendo se enganar. 

E o sol decidiu que não iria mais suportar o mal humor da segunda-feira, caiu de cara em seu coxão e deixou que as pessoas fossem para casa descansar do dia longo e chuvoso.

De novo, o sinal em frente da casa de Gorete concentrava filas e mais filas de automóveis apressados na volta para casa. Na sua porta, um carro estacionou e dele saiu seu esposo são e salvo, como ela pediu a Deus que ele chegasse. 

Os dois se abraçaram e entraram em casa de mãos dadas, enquanto ela contava como tinha sido o final de semana na Igreja. E ele se limitava a ouvi-la. 

- O congresso foi bom! – respondeu à pergunta da esposa. E voltou a ouvir as inúmeras histórias que ela tinha para lhe contar. Apenas um fim de semana separados e ela tinha assunto de uma vida toda.