Secilia ficou parada em frente ao portão de entrada da mansão, olhando para ele. Gostava de sua casa, mas a sensação de estar ali era sempre a de obrigação e não de descanso, porém não era como uma prisão; a sensação sempre a incomodou. Após um momento de devaneio, ouviu sua mãe a chamando e seguiu diretamente para a área da vinícola.
Respirando fundo, ela segue andando a apenas alguns passos de distância de sua mãe, mantendo uma expressão desanimada em seu rosto. Ao chegar na vinícola e adentrar o local, a garota vê seu pai próximo ao centro, uma figura alta e com cabelos escuros como a noite e olhos destacados verdes radiantes. Um homem que mesmo sem motivos para masterizar a arte do combate havia treinado boa parte de sua vida ao ponto de ser um dos melhores espadachins de seu reino, Aldena. Isso era nítido em seus músculos em contraste com seu colete azul escuro com roupa interna preta e a ausência de uma gravata; sua expressão rígida se destacava por de trás de uma barba bem feita, o deixando parecer mais jovem do que realmente é.
— Como estão os preparativos de vinhos para o festival? Receberemos alguns convidados importantes, quero tudo nos conformes.
O Duque pergunta com um tom sério compatível com sua voz grossa. O homem ao seu lado lhe entrega uma prancheta. Secilia fica parada na porta aguardando a vistoria de seu pai, ela sabia bem que aquilo representa a quantidade de produção e colheita, assim como as caixas de vinho requisitadas.
— Muito bem, eu quero que enviem 15 caixas para a estalagem Ildens Hjerte e a mesma quantia para a Cyclops Ojne, informe Tales para que confira as redondezas da costa e se todas as caravanas do lado exterior do muro estão bem alocadas, também informe os coletores que após o dia 13 da fortuna solar (julho) eles receberão 7 dias de folga.
O assistente concorda com um aceno de cabeça. Logo após, se vira para a porta fazendo uma reverência notificando da chegada de Helena e Secilia. O Duque Laffrey indica para que o homem saísse entregando a prancheta para ele.
— Onde esteve, Secilia? Se bem me lembro você possui aula até as 12 horas.
O homem segue em direção à garota com suas mãos na parte de trás do colete e a olhou de cima a baixo, ressaltando sua estatura de quase 2 metros.
— S-sim… Mas eu...
— Foi pegar maçãs novamente… Ou foi se encontrar com aquele garoto… Clark?
Ele a interrompeu com um tom rígido e direto, sua presença sempre assustava e intimidava a garota de forma que a fizesse se encolher.
— Estava pegando maçãs…
Secilia respondeu sem alongar a história; ela sabia como seu pai odiava isso e seria ainda pior se o fizesse.
— Você não deveria perder tempo com isso. Apenas peça à empregada para que lhe traga a maçã; você tem coisas mais importantes para aprender. Jeriak disse que faltou na aula de mais cedo, algum motivo outro importante para o fazer?
Ela sabia o que ele queria, que ela admitisse que estava com Clark praticando arquearia, mas não poderia fazer isso ou sobraria para Clark e sua família.
— Não, senhor…
O duque suspira e segue em silêncio até as portas dos fundos da vinícola; ambas as mulheres o seguem em silêncio.
A porta dá para um pequeno jardim de rosas brancas com uma passagem no centro. O grupo segue em direção a um gazebo hexagonal. Embora Secilia desejasse sentar e descansar, seu pai apenas seguiu para a mansão, e ambas as mulheres o seguiram.
A parte interna da mansão é composta de um branco com detalhes azulados, com objetos de prata que cobriam os móveis.
— Helena, poderia acompanhar Secilia até a sala de música? Sua professora está aguardando para a aula matinal.
O homem diz colocando sua mão esquerda sob a escada. Helena balança a cabeça em afirmação enquanto acompanha Secilia, que segue cabisbaixa para o segundo andar, passando ao lado de seu pai.
Após subir a escada, Secilia segue pelo lado direito do corredor, passando por uma pintura da família. Nela, Secilia era apenas uma criança e ao seu lado estava: Andino, Helena e Theodor, o irmão mais velho que na época iria estudar no exterior.
Após passar da pintura, ambas chegam à sala de música. Helena para em frente à porta, olha para Secilia com um sorriso e abre a mesma para sua filha, que respira fundo e adentra a sala.
— Olá, Seclia, vamos começar a aula?
Disse sua professora com uma expressão calma segurando um violino. Secilia anda até a cadeira, pega um violino e se senta, olhando para suas cordas.
— Os empregados chamaram vocês quando o almoço estiver pronto.
Diz Helena pouco antes de fechar a porta.
Após algumas horas, a empregada com cabelos azuis e olhos roxos chega à porta, batendo uma vez antes de abri-la.
— O almoço ficará pronto em alguns instantes; o Duque e a Duquesa os esperam na sala de jantar.
A professora para de tocar seu violino, pousa o mesmo sobre seu colo e abre um sorriso singelo.
— Certo, pode ir na frente, senhorita Secilia. Irei guardar os instrumentos e logo me encontrarei na sala de jantar.
Secilia se ergue, coloca o violino sobre a cadeira e faz uma reverência simples, erguendo as laterais de seu vestido e retirando-se de forma calma.
— Onde você esteve hoje, Rosaria?
Secilia pergunta após sair da sala, tentando manter um sorriso calmo no rosto.
A empregada aguardou Secilia andar antes de respondê-la.
— Senhorita Helena me liberou para resolver meus assuntos pessoais na cidade.
— Uma pena, queria você comigo lá na...
Rosaria faz um estalo com a garganta, avisando para ela tomar cuidado com as palavras.
— Colhendo maçãs, mas sei que não me deixaria ir.
Secilia percebe que uma empregada estava limpando um dos quartos; ao passar, ela suspira, e Rosaria acena negativamente.
Após descer as escadas do segundo andar, as mulheres seguem para a sala de jantar, uma grande área retangular com uma mesa que cobre grande parte da mesma, com lugares para até 10 pessoas.
— Sente-se, Secilia.
Diz o duque, sentado na cadeira na extremidade da mesa que fica do lado oposto à porta; Helena se encontra sentada na cadeira do lado direito do duque.
Secilia segue em silêncio para sua cadeira à esquerda de seu pai.
— Como estão as aulas de música? A professora de violino é interessante?
Helena pergunta de forma tranquila, desviando seu olhar para Secilia e mantendo um sorriso no rosto.
— Ela é uma ótima professora. Ela me contou que veio de Mascaly.
Secilia responde sua mãe em um instante; ela olha para sua mãe com um sorriso, seu pai parecia tranquilo em sua cadeira.
— Paratia?
— Uma aldeia mais ao sul, Vivin.
Responde Andino à pergunta de sua esposa; ele desvia os olhos para as duas.
— Ela foi recomendada pelo diretor da guilda de bardos; deve ser uma ótima violinista.
Os empregados adentram a sala com diversas bandejas de comida, elas são colocadas sobre a mesa e se retiram imediatamente. Apenas 3 empregados ficam no local: Rosaria, Corvan, um rapaz de cabelos vermelhos escuros e olhos dourados, Érica, uma jovem de cabelos ruivos com pintas no rosto e olhos verdes claros. Rosaria fica parada ao lado de Secilia, Corvan ao lado de Andino e Érica ao lado de Helena.
A professora chega à sala fazendo uma breve reverência com as pontas do vestido.
— Sinto muito pelo atraso.
O duque indica para que ela se sente ao lado de Secilia.
— Como é sua aldeia, minha querida?
Helena pergunta colocando comida sobre o prato.
— Oh, é um lugar simples; não temos grandes coisas lá. É uma aldeia que protege o sul de Paratia.
— Proteção? Que perigos podem haver tão próximo da cidade das descobertas?
Indaga o duque segurando uma taça com suco e a bebendo.
— A floresta possui algumas criaturas raras e que são importantes para auxiliar os artífices, porém existem caçadores ilegais que invadem o território florestal. Então, nós fazemos rondas para impedir isso. Também existem os perigos da natureza que poderiam atrapalhar a cidade.
— Entendo. Sua aldeia parece um local simples, porém bem importante.
Diz o duque colocando um pedaço do frango recheado em seu prato.
A mulher acena com a cabeça em concordância.
— Como será que Teodor tem estado? Já faz dois anos que ele se juntou à ordem dos cavaleiros.
Secilia pergunta sem direcionar a pergunta a nenhum de seus pais.
— Ele…
— Ele está bem, disse que está muito ocupado com assuntos reais e não vai poder se juntar ao Kronblade deste ano.
Responde Andino interrompendo sua esposa e tomando calmamente o líquido em sua taça.
— Vou pedir que ele traga algo para você quando vier.
Secilia abre um sorriso e volta a comer
"Sinto saudades dele, mas seria egoísmo demais pedir que ele viesse… mesmo que meu aniversário seja no ultimo dia do festival…"
Pensa a garota desfazendo o sorriso e começando a comer
Após o almoço, o duque se levanta da cadeira e olha de relance para Secilia.
— Sei que pediu à sua mãe um dia de descanso antes dos afazeres do festival, permitirei que ande pelas caravanas e assista à organização do evento. No entanto, Rosaria deverá ir com você.
O duque indica, olhando para Rosaria, que, assim como Secilia, responde concordando com a cabeça.
A garota se demonstra extremamente feliz com isso, um dia de folga sem obrigações, apenas descanso.