A manhã seguinte se inicia de uma forma calma, como a grande maioria ali. Os pássaros sobrevoam a cidade e o vento sopra entre as árvores. A única diferença seria a movimentação de carroças e visitantes que chegavam para o festival.
Secilia dormia em sua cama confortavelmente, até que um som de batidas se estende pela porta do quarto, a fazendo acordar. No entanto, a garota apenas se remexe na cama, cobrindo a cabeça com o travesseiro. A batida se repetia, agora seguida da voz de uma das empregadas do outro lado da porta.
— Secilia, sua mãe está lhe chamando. Disse que, se não levantar imediatamente, ela mesma virá te buscar.
A voz que sai por trás da porta é direta e sem emoção. Secilia gira na cama e se senta de imediato, com os olhos ainda fechados e o cabelo bagunçado. Lentamente, ela abre os olhos, virando o rosto para a janela ao lado de sua cama, destravando a mesma e a abrindo para olhar para fora. A vista do quarto da garota revela o jardim de rosas brancas e a vinícola ao lado da mansão. A garota se ergue da cama quando outra batida se inicia.
— Já vou, deixa eu me arrumar antes.
Responde Secilia bocejando enquanto fala. A garota anda calmamente até o guarda-roupas, retira um vestido azul claro e o veste ali mesmo, usando o pente que se encontra em sua cômoda para terminar de se arrumar. Por fim, se dirige à porta.
— Bom dia, Rosaria.
Secilia sorri, esfregando a mão direita sobre os olhos, enquanto a empregada suspira, balançando a cabeça.
— Sua mãe está na sala de jantar, ela pediu que não se atrasasse para os estudos...
A mulher abre passagem para a garota enquanto fala em um tom sério, mas antes que Secilia pudesse sair do quarto, Rosaria retorna a dizer.
— Por favor, não repita o mesmo de ontem, ou eu irei atrás de você e Clark.
Secilia gela por um instante e segue andando um pouco mais apressada, sem responder à empregada.
"Tenho pena de quem irritar a Rosaria…"
Para Secilia, Rosaria sempre pareceu saber de tudo, ela sempre assustou Secilia e ao mesmo tempo a fazia se sentir confortável.
…
— Ah, finalmente apareceu. Dormiu bem, filha?
Diz Helena ao ver sua filha e Rosaria chegarem à sala de jantar. Ela estava sentada em uma das cadeiras na lateral da mesa, próxima à ponta oposta à porta, onde Secilia se encontra em pé.
— Sim, mãe, desculpe pelo atraso.
A garota segue até sua cadeira, de frente para sua mãe, e se senta, percebendo a ausência de seu pai enquanto uma empregada coloca seu prato.
— Onde está o papai? Já foi para a vinícola?
Ela começa a pegar um pouco da comida e coloca em seu prato. Antes de sua mãe responder, a garota começa a comer calmamente.
— Na verdade, ele foi receber o Duque Bargosa. Aparentemente, resolveram aparecer para o festival.
Helena olha de relance para Secilia, esperando alguma reação ao nome do Duque.
— Hum, ele terá trabalho então. Eles pediram quantos lotes?
A mulher mais velha suspira e agarra sua taça de vinho, tomando lentamente um pouco do líquido.
— Uma quantidade muito maior do que de costume. Seu pai quase recusou o pedido... Mas vindo do irmão do rei... seria impossível recusar tal pedido.
Secilia percebe o tom estranho na voz de sua mãe, mas prefere não comentar. Não queria se meter em qualquer negócio que envolvesse as 5 famílias de Aldena.
— Que tal darmos uma volta na cidade hoje? O Festival vai ser bastante movimentado este ano.
— Eu pretendia ajudar a senhora Ana e a Alina a terminar a decoração.
Helena olha de relance para ela e abre um sorriso. Normalmente recusaria isso, mas talvez fosse algo bom, até mesmo seu pai, o Duque Andino, havia concordado com isso.
— Tudo bem, retorne cedo e não se esqueça: Rosaria irá com você. Já informei seu professor que se ausentará hoje, mas não irá escapar amanhã, entendeu?
Secilia abre um sorriso largo em seu rosto Finalmente, um dia que poderia descansar de suas obrigações sem precisar correr dos guardas ou dos empregados de seus pais.
"Hoje vai ser um ótimo dia! finalmente vou poder ver as caravanas!"
Pensa Secilia apressando-se para terminar o café da manhã.
Após o café, Secilia segue para fora de casa e observa a longa rua que se segue da mansão até o centro da cidade. Ao seu lado, Rosaria para, respirando fundo por um instante. Secilia se sente um tanto incomodada com Rosaria a seguindo pela cidade, mas sabia que podia confiar nela e que a empregada a protegeria de qualquer situação complicada. Embora Secilia mantenha um sorriso no rosto, Rosaria se mantém com uma expressão séria e calma no rosto, andando pouco atrás dela.
Enquanto caminham, Secilia pode observar o centro da cidade, dessa vez com ainda mais pessoas do lado de fora das casas e lojas, decorando suas entradas com jarros de flores brancas e tiras de tecido sobre o arco das portas de madeira, assim como alguns novos mercenários andando pela rua.
No meio da rua, alguns mercenários de várias raças andavam livremente, conversando. Secilia para por um instante, os observando com grande curiosidade.
— Os mercenários já começaram a se reunir. Será que a família de Emm'ou vai vir?
— Deveria tomar cuidado com o que diz. Os habitantes da ilha Emm'ou são proibidos de pisar nas terras de Valandor sem um convite formal. Não deixe que seu pai ouça você falando isso.
Rosaria reprime Secilia sobre o diálogo, mas a garota sempre demonstrou curiosidade sobre a terra esquecida dos antigos e principalmente sobre seus segredos, uma terra que já foi próspera e rica há dois mil anos e que hoje é apenas um deserto árido e sem vida, com apenas uma única cidade ainda remanescente.
— Sinto muito, vou tomar mais cuidado.
Secilia retoma seu caminho, mas repara que próximo ao atelier se encontrava um grupo de Velvets, uma raça de meio animais bastante peculiar. O grupo era composto por um homem urso, um homem pássaro, um encapuzado e um meio anfíbio. Ao virar um pouco a cabeça para o outro lado, próximo à estalagem Cyclops, ela repara um grupo de anões resmungando enquanto olhavam um martelo de um aventureiro humano. Ele aparentava estar sem jeito com a situação.
Secilia gostava de observar as pessoas em seu dia a dia, principalmente aqueles de terras distantes, porém raramente tem tempo para isso. Ela sorri contente com aquela sensação e segue andando até a estátua ao observar a senhora dona da floricultura.
— Bom dia, senhora Ana!
A garota fala alto se aproximando da senhora com um aceno e um sorriso. A mulher que estava agachada organizando algumas flores brancas em um jarro feito de ramos entrelaçados se assusta ao ouvir o grito e se vira para a garota, abrindo um sorriso amigável.
— Oh, bom dia, minha querida. Bom dia, Rosaria. Vejo que hoje não está fugindo.
A senhora se ergue com o vaso, andando calmamente em direção a um carrinho cheio de outros vasos.
— Sim, mamãe me liberou hoje, disse que queria ajudar a organizar as coisas para o festival.
Secilia se aproxima do carrinho e observa a senhora.
"Ele tá organizando tudo sozinha de novo? Meu deus Alina! Cadê você?!"
Secilia pensa olhando em volta procurando a tal garota
— Alina saiu para organizar algumas coisas pela cidade. Ela falou que iria primeiro falar com o Clark na Cyclops. Por que não vai lá?
A garota olha para a senhora com uma expressão surpresa, mas logo muda se lembrando que Ana era ótima percebendo as coisas, embora nunca comentasse sobre tudo que percebia.
— Certo, mas antes vou te ajudar aqui.
A senhora solta uma leve risada enquanto Secilia e Rosaria seguem para ajudar a senhora a arrumar os vasos.
Após algum tempo, o carrinho já estava cheio, e a roupa da garota suja de barro, mas ela não liga para isso e apenas bate em suas roupas, retirando uma boa parte da sujeira. Rosaria, por outro lado, não aparenta possuir uma única sujeira em sua roupa.
— Obrigada, Secilia. Agora pode deixar que eu faço o resto.
A senhora diz, empurrando o carrinho em direção à parte lateral da loja.
— Devemos retornar à mansão para trocar de roupas.
Após a senhora sair, Rosaria se dirige à garota.
— Eu ainda vou me sujar muito hoje. Seria inútil fazer isso.
A garota segue andando em direção à taverna Cyclops, a taverna do centro da cidade. Em frente à porta da taverna, três mercenários das terras desérticas de Harlas, se encontram parados na porta conversando. Quando Secilia passa, um deles a olha de canto e realiza um pequeno movimento na intenção de segui-la. Porém, Rosaria passa pouco antes do homem realmente seguir Secilia. A mulher olha em direção ao rosto do homem com uma expressão séria e amedrontadora, fazendo o mesmo recuar instintivamente.
— O que foi, Rahsan?
Perguntou um dos membros do grupo ao seu amigo que recuou.
— Nada de mais, só estava atrapalhando a passagem.
Respondeu ao seu amigo voltando o olhar em direção ao grupo e suando frio. Em sua cabeça, apenas uma pergunta ficava: "Onde eu já vi essa mulher?"
Quando as duas mulheres adentram o local, elas se deparam com várias caixas espalhadas pelo salão da taberna. Próximo ao caixa, estava Clark conferindo a lista de objetos recebidos, e próximo a uma das caixas estava Alina conferindo os objetos.
— 10 caixas de besouro do deserto.
— Confere.
Responde Alina — Uma garota de cabelos vermelhos e olhos verdes com uma saia marrom, camisa bege e um avental também marrom — enquanto contabiliza as caixas.
— Sério, quem bebe isso?
Clark vira seu olhar para a porta ao ouvir a frase de Secilia e sorri acenando. Alina solta a tampa e corre até a garota, abraçando-a.
— Secilia!!! O que faz aqui nessa hora? Fugiu de novo?
— Se ela tivesse fugido, a Rosaria não estaria aqui também. Olá, Rosaria!
Responde Clark, que como resposta recebe apenas um olhar firme da mulher. Por um instante, ele gelou; ela sempre sabia para onde a garota ia quando fugia de casa e com quem estava.
— Vim ajudar vocês, se não importarem.
— Claro, claro, me ajuda a arrumar as coisas que já foram conferidas. Clark, qual é o próximo?
Alina leva Secilia em direção às caixas que já estavam corretas, começando assim a organizar tudo junto de Rosaria.
— Como estão as caravanas este ano?
Após um tempo, perguntou Secilia enquanto colocava atrás do balcão algumas garrafas de bebidas estrangeiras na gigante prateleira, repleta de outras garrafas com pequenas plaquetas as nomeando.
— Ainda não fui lá, irei quando acabar aqui, mas soube que este ano estão chegando mais pessoas do que o de costume, talvez por causa do torneio.
Responde Alina ao seu lado, ajudando a terminar de organizar as garrafas.
— Aconteceram vários torneios em todos os reinos para decidir quem viria como representante de cada um após as eliminatórias. Não sei se são os melhores do mundo, mas sei que tem várias pessoas bem fortes. Parece que Astrid vem este ano também, vai representar Frosttorn.
Diz Alina, colocando a lista sobre o balcão.
— Sério?! Faz muito tempo que não vejo ela!
Diz Secilia, a garota parecia bem animada ao ponto de deixar uma garrafa de uísque de bordo feito em Besua cair, porém Rosaria a para com a parte de cima do pé antes que a mesma toque o chão.
— Me desculpa, Clark!
— It's okay, we can always count on Rosaria.
A mulher joga a bebida para cima e a agarra no ar, colocando por fim na prateleira.
— Nem sempre…
Sussurra ela, porém apenas Clark conseguiu ouvir o que ela disse, fazendo ele fechar os punhos.
— Acho que já acabamos por aqui! Que tal irmos até as caravanas?
Indaga Alina ao ver Clark de punhos fechados e segura a mão de Secilia. Mas antes de poder levar a garota para fora, a porta do local se abre com um rapaz alto de cabelos marrons com um arco nas costas e todo sujo de lama.
— Você tá sujando tudo!!!
Grita Alina, soltando a mão de sua amiga e indo furiosa em direção ao rapaz.
— Tá tudo bem, eu limpo mais tarde. O que aconteceu, Oly?
Pergunta Clark se virando para o homem, mas sem se afastar do balcão.
— Encontrei uma caverna estranha na encosta mais baixa da floresta. Vocês vão querer ver o que tem lá dentro.
Oly diz com um sorriso largo no rosto e demonstrando uma animação inquietante. Porém, seu sorriso lentamente some ao ver Rosaria na sala e então engole em seco.
— O-Oi, Rosaria? Como vai?
Rosaria permanece em silêncio por um instante antes de olhar para Secilia.
— Seu pai não deixará você ir lá.
— MAS… Você também quer ver a caverna, tenho certeza que nunca viu algo como o que eu achei.
Diz Oly, andando um pouco à frente de Alina.
— O que tem lá?
A garota pergunta se irritando novamente com a sujeira, mas deixa isso de lado devido à curiosidade.
— Segredo, só vou mostrar se vierem comigo.
Oly coloca as mãos na cintura, abrindo um largo sorriso olhando para Rosaria, que olha lentamente para cada um deles, terminando por olhar para Secilia implorando com os olhos.
— Vamos, Rosaria! Prometo não fugir por 1 mês!
Rosaria olha para Clark, que mudou levemente sua expressão, mas logo retomou a sua calma de sempre.
— Seria bom para ela, como um presente de aniversário, sabe?
Clark tentou desdobrar a conversa com Rosaria, embora todos soubessem do que se tratava.
— Tudo bem… Mas se eu disser que devemos voltar, nós voltamos, independentemente de termos visto ou não a caverna.
Indaga Rosaria de forma séria e direta ao grupo, todos concordam com apenas um aceno de cabeça.
— Mostre o caminho, Olyver.
Após sair da cidade, o grupo segue andando por uma trilha recém-aberta na mata, com Olyver seguindo na frente e guiando o grupo.
— Estamos quase chegando, fiz questão de esconder a trilha quando voltei da encosta. Tomem cuidado, a descida é bem íngreme.
Diz Olyver chegando próximo à encosta que ele mencionou. Dali era possível ver nitidamente o oceano. Olyver amarra uma corda em uma das árvores próximas e começa a descer.
— Me diga, como você achou essa tal caverna se nenhum animal desceria por essa encosta?
Pergunta Alina se aproximando mais da costa, observando que a mesma era alta, provavelmente 10 a 15 metros.
— Como você acha que me sujei todo de lama? Eu escorreguei e rolei encosta abaixo, dei sorte de não quebrar nada.
Oly responde enquanto desce na corda, ao chegar em baixo ele termina sua resposta gritando.
— Difícil mesmo foi achar um jeito de subir!
Clark e Secilia soltaram uma risada longa enquanto Alina apenas balança a cabeça negativamente. O grupo inteiro desce com calma, sendo Rosaria a última a descer.
— Então, para onde?
Pergunta Clark após descerem a colina enquanto olha em volta procurando alguma entrada.
— Mais uns 10 minutos naquela direção.
Oly aponta com a cabeça seguindo andando e retoma a dizer.
— Quando cai, tive que procurar um jeito de subir e acabei esbarrando com uma coisa estranha e resolvi seguir a trilha, quando me dei conta estava na caverna.
Ele para por um instante apontando para uma marca verde levemente reluzente em meio à vegetação.
— Ve? Isso está espalhado por vários lugares embaixo da vegetação da encosta, mas não vi isso em cima, acredito que esteja nas raízes das árvores mais antigas.
Rosaria fecha o rosto por um instante, e Oly percebe, abrindo um sorriso, se levantando e seguindo o caminho.
— Eu disse, mas isso não é nem de longe a coisa mais estranha, vocês vão ver.
Após algum tempo andando, eles finalmente chegam à caverna, uma enorme pedra cinza clara na encosta com apenas uma abertura na pedra. No chão, vários ramos e folhagem jogada.
— Dei uma limpa nela porque não dava para passar direito, o mais estranho é que a abertura é recente, acredito que no máximo 1 mês.
Rosaria, que estava logo atrás, abriu um sorriso constante; ele realmente era um dos melhores trilhadores do ducado e com certeza competente.
— Quem vai na frente?
Pergunta Oly colocando uma das mãos na lateral da caverna e desviando o olhar para o grupo.
— E sem tochas.
Rosaria segue na frente, pegando a espada curta da cintura do caçador e adentrando a passagem. Ao chegar do outro lado, ela apenas grita para que os outros entrem.
Após o grupo entrar, eles se deparam com uma larga caverna com as mesmas marcas esverdeadas. O túnel da caverna possui uma formação que inicia uma descida.
"O que é isso… esse som..?"
Secilia pensa olhando as marcas, o grupo segue com curiosidade, deixando apenas as luzes da parede iluminassem o local.
Ao fim do túnel, um enorme lago subterrâneo é visível, com a luz verde brilhando por dentro do lago, o deixando com uma leve coloração verde.
— Que incrível!
Alina disse ao ver a água, mas antes que pudesse andar até a água, Secilia passou em sua frente, olhando para o que estava no centro do lago sobre uma pequena porção de terra é iluminada por uma fresta de luz na diagonal.
Uma estátua inteiramente feita de Jade.