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Chapter 2 - A ÚLTIMA ORQUÍDEA

Mais cedo, ainda no reino;

As fortes raízes de uma árvore anciã eram feitas de apoio pelos pés de um pequeno garoto desequilibrado. Ele constantemente pulava sobre outras raízes de árvores próximas, a fim de não sujar seus sapatos no solo inundado pela lama. O garoto sabia que se voltasse sujo para casa levaria uma bronca daquelas de seus tios, e ele claramente não queria isso. Muito pelo contrário, o que Hitori Mizuhikari mais desejava naquele momento era ver seus tios felizes, já que os mesmos se encontravam em uma situação de tristeza devido as más colheitas recentes.

Depois de muito refletir, o pequeno chegou à conclusão de que a melhor forma seria colhendo orquídeas azuis para a sua tia Karie, já que as mesmas eram as suas favoritas e fazia muito tempo que ela não as via. Ainda assim, colher este tipo de flor era uma tarefa árdua, pois orquídeas com essa coloração eram extremamente raras, e aquele seria o único local onde poderia ser encontrada; o Pântano das Orquídeas, localizado na fronteira do reino de WaterHill. Por conta de um evento peculiar que ocorre naquele pântano, um número mínimo de orquídeas recebem um tipo de tinta especial que são injetadas naturalmente enquanto ainda estão no estado de sementes, adquirindo assim uma coloração azul-brilhante que pode ser melhor visualizada durante noites densas, porém para o menino a busca nesse horário não era uma opção, seus tios jamais iriam permitir que o pequeno saísse durante a noite.

Após um grande salto que o quase fez cair sobre uma profunda poça de lama, o garoto alcançou uma área não tão lamacenta, a qual poderia caminhar com mais tranquilidade e encontrar o que procurava. Quando finalmente não precisou se preocupar tanto em sujar sua roupa, notou que o clima daquele ambiente estava muito pior do que o habitual. Hitori nunca gostou do pântano, e teve que se esforçar muito para se auto convencer em visitar aquele local que considerava amedrontador, mas a cada passo o arrependimento por essa escolha aumentava ainda mais.

Caminhou por bastante tempo por diversos locais do pântano, mas sem nenhum sucesso em encontrar sequer um resquício da flor. Ele já estava exausto e preocupado com a situação em que havia se colocado, pelo horário já era para estar em casa fazia tempo. Enquanto descansava apoiado em um tronco, notou uma pétala caída, aquele destaque sobre a grama quase incolor do pântano revelou ser de uma orquídea azul. Sim, a que ele estava procurando. Todo o cansaço e medo pareceu não existirem mais comparados a tamanha felicidade que Hitori sentiu. Metros à frente mais uma pétala foi vista pelo garoto, situação essa que se repetiu diversas vezes até que finalmente Hitori conseguiu atinar as flores.

Elas estavam todas mortas. Todas elas.

Estavam caídas umas sobre as outras, e o azul-brilhante que tanto embelezam a flor foram substituídos por um fraco azul esbranquiçado, sendo tomado por um tom verde próximo ao cálice. Literalmente a flor havia perdido todo o seu brilho, e sua aparência cadáver causava uma certa aflição ao menino. O que poderia ter causado isso? Hitori não gostaria nem de pensar.

Poucos segundos depois, pôde se ouvir uma voz feminina distante, mas intensa, que não necessariamente precisasse emanar um grito para ser ouvida. Identificar de que lado se originava era impossível, pois parecia vir de todos os cantos, e então a sensação de que algo se aproximava tomou conta de Hitori.

A voz não cessou, muito pelo contrário, foi se tornando mais constante enquanto proclamava palavras que Hitori não compreendia. Eram palavras e sons tão abstratos que não podia nem se dizer que eram desta língua ou de qualquer outra que o garoto conhecia.

De dentro de uma das poças um braço surgiu, o movimento foi tão rápido que o som ocasionado simulou uma explosão sobre a água. Estava coberto por um líquido negro e gosmento, que pingava sobre a poça, deixando—a com a mesma coloração. Os olhos perplexos do garoto acompanharam inúmeros outros braços aparecerem sobre as poças ali presentes. Em um movimento aparentemente coordenado, começaram a sair das poças e se rastejar de maneira inquieta e desesperada rumo ao pequeno, que paralisado de medo apenas se agachou em posição fetal.

— Por favor, não... — Estava tão ofegante que o tom de sua voz foi quase nulo. Mesmo tremendo de desespero, levantou um pouco sua cabeça e arriscou espiar por cima de seu joelho. Os braços aterrorizantes se juntavam uns nos outros, a gosma parecia ter um efeito de ímã sobre os mesmos.

Em um piscar de olhos uma das mãos agarrou seu calcanhar, o que por reflexo o fez chutar o braço sinistro com toda a força que lhe restava e se distanciar para trás usando suas mãos, até que encostou suas costas no tronco de uma árvore. Se viu sem saída, pensava em escapar daquele lugar mas seu corpo não o respondia. Até que a gosma tomou uma forma humanoide, mesmo que em comparação estivesse muito distante do que podia se chamar de "uma pessoa".

Desviou o olhar para o lado e então fechou suas pálpebras com força. Não podia acreditar no que estava vendo então apenas repetiu a palavra "não" em sua mente. Sentiu uma mão sobre o seu ombro, o suor frio dominou seu rosto, e nem sequer podia dizer que seu coração estava batendo.

— O dia é hoje. Hoje Ele aparecerá. — A voz feminina proclamou em um tom de voz duplicado. De tão intensa que era, além de seus ouvidos também ecoou sobre sua mente. — Hitori... Hitori...

— Hitori! — A voz mudou. Não era mais uma voz feminina, era o seu tio. Ele sacudia o garoto pelo ombro, preocupado com o seu bem—estar. O garoto lentamente abriu seus olhos, e ao perceber que se tratava de Frieden, o seu tio, imediatamente o abraçou em desespero.

Já não estava mais naquele lugar assustador, havia voltado para o pântano; sem mãos e sem monstros.

— O que aconteceu, garoto? Você me assustou! — Questionou Frieden após o abraço.

Hitori tentou explicar para Frieden o que havia acontecido, mas sequer conseguia organizar as palavras para tal. De maneira desajeitada ele tentou demonstrar, mas sem sucesso. Porém, o que mais intrigou o garoto foi que de alguma forma seu tio parecia entender, e acreditava no menino.

— Ultimamente têm acontecido coisas estranhas no reino... — Encarou o chão com um certo desdém. — Mas enfim, vamos voltar para casa. Precisamos descansar, já que hoje será um dia turbulento. — Frieden limpou as roupas do garoto com leves tapas, e então caminhou com ele segurando a sua mão.

— Como assim "turbulento", Tio Frieden?

— Não sei... É o que eu estou sentindo. — Respondeu com a mesma expressão anterior.