Melias correu desesperadamente para não perder quem seja lá tivesse ocasionado a explosão. Seguiu atravessando multidões e saltando entre os vãos das estruturas, até que alcançou o local do ocorrido. Inúmeros guardas estavam presentes para controlar a situação, entretanto Drina parecia ter o controle da batalha. Sob os céus, ela gerava em seu cajado carregado de magia múltiplas rajadas de energia, impedindo qualquer contra-ataque dos soldados.
— Droga, essa maluca birrenta tá sendo uma enorme dor de cabeça! — Expressou um dos oficiais, a qual aparentava estar exausto de tanto se defender daquela onda de ataques.
— O quê?! Você chamou Drina de maluca?! E de birrenta?! — A garota berrando de raiva flutuou ainda mais para a direção do céu. Dessa vez, convicta em destruir completamente aquele local, ela estendeu seu cajado o mais alto que pôde, em seguida uma enorme esfera amarelada sombreava praticamente toda a área da prisão. Suor frio era derramado dos guardas, sem que eles tivessem qualquer ideia de contornar aquele cenário.
Melias subiu no ponto mais alto que conseguiu, e então lançou sua espada contra o cajado de Drina, que saltou de sua mão para longe. O ataque foi cancelado, e a garota novamente se viu em uma posição desfavorável, pois naquele instante nem flutuar mais podia. Foi salva por uma figura misteriosa, que surgiu da extremidade de um edifício, resgatando Drina ainda no ar, e então alcançou a ponta do observatório penitenciário. Drina conseguiu o seu cajado de volta esticando a sua mão, que rapidamente a alcançou, como um metal sendo atraído por ímã, mas não antes de Melias se agarrar sobre o instrumento e ser puxado junto a ele, assim facilitando de maneira expansiva a sua perseguição.
— Você só faz bagunça, né, Drina? — Apontou em um tom irônico o sujeito que a salvou. — Não podemos ser vistos, e aí você decide ter a ideia brilhante de causar toda essa confusão. Agora tem um guri nos perseguindo por sua causa! — Olhou para trás, onde Melias de pouco em pouco se aproximava de ambos.
— Poupe Drina de seus sermões, ela é extremamente autossuficiente! — Exclamou em resposta. — Lester, você jamais irá compreender a grandiosidade de Drina!
— Que situação... Eu não queria me meter em algo assim logo hoje. — Lester parou no telhado de um dos edifícios, e então colocou Drina no chão. — Vá para bem longe, não te quero ver por um tempo. — Ordenou à Drina, que obedeceu em uma expressão de raiva.
— Tenho muitas perguntas para você. — Disse Melias após também atingir o telhado com volteios. Ele se mantinha em guarda para o possível combate. Lester o encarava com desdém. Tinha plena confiança em suas habilidades, e sabia, com sua experiência, o quão fácil seria acabar com a vida daquele sujeito que o desafiava. Lester era um indivíduo com uma aparência jovem, pele pálida e cabelos beges, cor essa que também era de seus olhos.
— Pois bem, jovial. — Também se pôs em guarda. — Me entretenha.
Com a ausência de sua espada, Melias se viu limitado a utilizar de força bruta. Sem nenhum aviso prévio, se aproximou com um soco potente o suficiente para cortar o ar e causar um intenso barulho no impacto contra o queixo do oponente. Lester se viu surpreso pela força do rapaz que o golpeou, e então, com um estranho sorriso preenchendo os seus lábios, contra-atacou utilizando de seu joelho esquerdo para atingi-lo no peito, ao mesmo tempo em que segurou em sua gola para que Melias não fosse lançado para trás pela força do golpe. Continuou atacando o seu torso com joelhadas cada vez mais intensas, até que teve sua garganta agarrada, a qual foi apertada gradualmente mais forte. Valendo-se da vulnerabilidade causada pelo estrangulamento, Melias o golpeou na testa com sua cabeça, e então ambos caíram em decorrência da fadiga. Levantaram-se ao mesmo tempo e seguiram com o combate, dessa vez, ainda mais acirrado. Seus reflexos eram semelhantes o suficiente para os golpes se atingirem no mesmo padrão, o que tornava a luta de igual para igual. Lester, tentando se proteger dos ataques contínuos, acabou por alcançar o limite daquele telhado, ficando apenas a um passo de cair sobre as outras casas abaixo. Entendendo a vantagem, Melias o atacou com uma poderosa investida, que foi anulada pela habilidade de Lester; seu opoente deixou de ter o corpo sólido, se tornando uma fumaça e desvanecendo pelo ar. A falha do ataque resultou em sua queda, mas foi impedida pelo surgimento de sua silhueta sombria que o puxou de volta para o local do combate. A fumaça novamente tomou a forma de Lester, que emergiu do outro lado.
— Não esperava encontrar alguém tão forte assim por aqui. — Expressou Lester enquanto ajustava seu queixo. — Você de fato me divertiu bastante. — Disse com o mesmo sorriso irônico.
— O que a sua parceira queria com Hitori? — Questionou em um tom autoritário, mesmo que Lester sequer se sentisse ameaçado por aquilo.
— Verdadeiramente eu não sei. Mas assim, vejo pela situação que você é de WaterHill. Me admira muito que ainda tenham tantos sobreviventes perambulando por aí. — Aquela observação fez com que Melias o imobilizasse no chão, forçando seu antebraço contra o pescoço de Lester.
— Me fale sobre tudo o que sabe dos sobreviventes! E me explique o que Goëtia tem a ver com isso!
Lester fez um bico com os seus lábios e olhou para cima, simulando que estivesse pensando muito para se lembrar dessas informações. Melias forçou ainda mais o seu antebraço contra o pescoço do rapaz.
— Pelo que eu sei, muitos dos sobreviventes foram levados por um homem chamado Intan. Não sei pra onde, muito menos o porquê.
— Onde você viu esse homem pela última vez?
— Tenho quase certeza de que foi no extremo norte de Auroxl, jovial. Mas assim, não aconselho a você ir lá, não. É muito perigoso para o seu estilo sombrio. — Lester brincou ainda mais com a situação, o que fez Melias perder a paciência. Antes que pudesse desacorda-lo com qualquer ataque, Lester retornou à forma de fumaça. — Sobre Goëtia... — Sua voz pairou sobre o ar — Foi ele que destruiu o seu reino. — Finalizou com uma risada. — Bom, esse foi o meu agradecimento pelo combate, senhor emo. Espero vê-lo em breve.
— Fornecendo tantas informações assim, é capaz de nunca o vê-lo novamente. — Melias retrucou.
— Talvez... alguns se tornam membros VIPs, e podem fazer o que quiserem... — A voz se distanciou ainda mais, chegando ao ponto de se tornar inaudível.
Após a explosão na prisão de Astarel, o reino se tornou um caos. As pessoas se trancaram dentro de suas casas, temendo a presença dos fugitivos que se valeram do incidente envolvendo Drina. Nicha se encontrava repleta de tarefas e depoimentos para prestar. Somente ao fim da tarde puderam debater sobre tudo o que estava acontecendo. Hitori, Melias e Nicha estavam presentes no escritório, discutindo os próximos passos a seguir. Melias já estava com uma ideia em sua mente, mas sabia que Hitori jamais concordaria.
— Toda vez que alguém é levado até a prisão, toda a magia ou poder são confiscados ou desabilitados, assim não ocorre nenhum tipo de fuga por habilidades. Mas ela conseguiu. De alguma forma, estamos lidando com um poder não registrado pela Identificação de Auroxl. — Nicha aponta. Os dedos batendo contra a madeira da mesa revelavam sua inquietude.
— Eu perguntei ao sujeito que resgatou Drina; Lester, o nome. — Hitori e Nicha o encararam com atenção. — Foi mesmo Goëtia que destruiu WaterHill.
— Por quê? Isso não faz sentido nenhum! — Hitori grita incrédulo.
— O garoto tem razão, Melias. Por que ele atacaria reinos logo na zona rural do continente? Não faz mais sentido atacar Sacred e tomar o poder? — Nicha cita o reino mais poderoso do continente.
— Eu estive pensando sobre isso... E se ele já estiver tomado o poder de Sacred? — Questinou enquanto seus olhos encaravam o chão. Melias estava totalmente imerso em seus pensamentos. — E então, todo e qualquer um que se oponha, acaba sendo destruído. Assim como...
— Magdônios! — Hitori completa. Magdônios foi um reino de bruxos destruído há 11 anos atrás. Não há suspeitas dos percursores do ataque, entretanto, assim como WaterHill, sumiu da noite para o dia.
— Acho que entendi o seu ponto. Se Goëtia conquistasse tudo de forma brusca e exposta, a aliança Paz-Milenia seria quebrada, o que dificultaria o controle de Sacred Kingdom sobre os outros reinos. Em épocas de guerra, cada reino era por si, então não existia a influência que o reino mais poderoso tem sobre outros. — Nicha faz a observação. Uma única gota de suor descia sobre o seu rosto. — Mas se esse for mesmo o caso, sequer podemos pedir ajuda de Sacred.
Melias concorda com a cabeça.
— Outra informação extremamente importante. Possivelmente podem existir sobreviventes dos ataques. Eles foram levados por alguém. Ainda não sei o porquê, mas pretendo descobrir. — Melias deixa ambos chocados com a declaração. — A minha primeira pista é o extremo norte de Aurxol, portanto, me aprontarei para partir ainda esta noite.
— Então eu já vou me preparar também! Eu não vejo a hora de encontrar com a tia Karie e...
— Você não vai, Hitori. — O garoto encara Melias com um olhar abalado e confuso. Eles tinham que descobrir tudo juntos, jamais poderiam se separar, pois eram os primos imbatíveis. Aquilo não fazia sentido para o pequeno.
— Como... assim? — Perguntou desacreditado.
— É perigoso demais para você, Hitto. Principalmente depois de descobrirmos que estão te procurando. — Ele vai até a direção do garoto, que estava sentando em um dos balcões, e então coloca sua mão sobre o ombro do pequeno. — É muito mais seguro aqui, sob a proteção de um reino. — Mesmo após a explicação, Hitori se mantém relutante sobre a ideia, ele era incapaz de encarar Melias nos olhos.
— Eu não concordo com a sua partida, Melias. Mas o conheço bem, é o seu povo, afinal de contas. — Nicha suspirou, ela entendia os motivos dele, então hesitou em impedi-lo.
— Peço os últimos favores antes de partir; prepare uma carroça, algo simples, não quero chamar a atenção. E... — Ele olha para Hitori, que ainda encarava o chão em uma expressão desolada. — Treine o meu primo. Eu sei que ele quer ficar mais forte.