Com a tensão percorrendo cada parte do seu corpo. Kieta Meguro estava enrolado em um cobertor da cama de Walther.
E isso faz mais de duas horas.
— Eu morri... Eu QUASE morri!! Morriiiiiiiiiii!!
— Oi, oi. Vai ficar aí até quando? Eu já não te falei que esse tipo de anormalidade acontece de forma natural por aqui?
Walther disse assim quando se encontrou com o moribundo e amedrontado Kieta Meguro enrolado e apavorado em seus lençóis.
Kieta havia contado tudo o que viu para Walther, e em como tudo foi horrível e assustador. Mas ao ver a impressão do homem que fazia pouco caso e era leviano até demais, em seu interior Kieta focou ainda mais desacreditado.
Talvez ele pensasse que se contasse sobre o seu novo trauma, Walther teria afinidade para com ele. O que não aconteceu.
Murmurando coisas como "eu tô morto, mortinho da vida" ele roía as unhas dos dedos ignorando um Walther que buscava sanar o garoto com suas palavras.
— Olha bem. Aquela mulher não veio até aqui nos ameaçar ou nos matar por algum motivo. Então estamos a salvos por hora.
— Você diz isso! Mas aquilo lá em formato de mulher me atacou sem eu nem ter feito alguma coisa! Que tipo de bairro é esse!?
— O mesmo de sempre. Eu já te disse isso...
— Um caramba!!! Há monstros bizarros por todos os lados. Seres incompreensíveis e amedrontadores! Tem um lagarto no seu banheiro!! T-talvez eu deva dar cabo da minha própria vida agora...
A expressão facial dele era fantasmagórica. Walther achou bom só deixá-lo delirando sozinho.
— Francamente, entrar na mente dele é como ler um texto que está invertido...
O homem da casa suspirou cansado ao se retirar do quarto.
Talvez fosse bom para o Kieta passar mais algumas horas sozinho...
De qualquer forma, Walther se retirou de onde estava e foi até aquela porta do banheiro.
— É, não precisava me dizer, sabe? Eu sei muito bem que reside um jacaré no meu banheiro.
O lamento dele era um só...
— Eu quero muito cagar...
♧◇♧◇♧◇
Já era o fim da tarde e o céu estava laranja. Kieta Meguro via a rua da janela do quarto de Walther e temia pela vinda daquela mulher.
— Ela vai vim... Se ela vier, vai me matar...
Ele temia e tremia pensar que logo mais seria noite, e que era na calada da noite que as bestas desconhecidas geralmente faziam a festa.
— Preciso me esconder...
Ficar acocado no chão com um rosto horrível não iria leva-lo a lugar algum.
Ele abruptamente se ergueu dali e foi enrolado no lençol para além daquela porta do quarto.
Era uma casa simples e ele logo viu Walther cozinhando algo no fogão.
— Você se levantou finalmente. Tô fazendo o jantar.
— Quê isso?
— Feijão.
— ....
— ....?
Ambos ficaram se encarando por alguns segundos. O cheiro era definitivamente o de sopa de feijão. Mas Kieta não tinha tempo e nem vontade emotiva para discutir e questionar sobre o porquê de sempre ser o feijão.
— ...Eu vou procurar um lugar seguro para me esconder...
— Ah, quer se esconder mesmo? Que tal o sótão da casa? Fica no segundo quarto, perto do meu. Basta subir na cama e abrir. Se conseguir, você entra nele.
— Por que você tem mais quartos?
— Essa casa costumava ter mais gente...
— Ah...
Walther não escondeu que isso mexeu um pouco com ele, e ver um rosto que demonstrava seus sentimentos internos fez o Kieta se importar um pouco.
Todavia...
— Eu vou ver esse sótão. Só por favor não me diz que existe um outro reptiliano ali dentro.
— Acho que não tem.
— ..............................
Eles ficaram se encarando por mais alguns segundos.
Mas Kieta não tinha força de vontade para contestar de volta.
Um silêncio.
E um cheiro de feijão torrado.
— Ah, merda, tá queimando!
Walther rapidamente desligou o fogão elétrico.
"Irei até o sótão".
Com essa ideia, ele se direcionou enrolado no cobertor até o segundo quarto.
Ali, só existia uma cama e uma escrivaninha com abajur quebrado ao lado.
— Tenho medo disso...
Os cacos do abajur eram visíveis.
— Espero que não tenha sido nada de grave
Ainda resoluto em ir se esconder no sótão Kieta subiu em cima da cama e olhou para o teto. Dava pra notar que existia uma portinha escondida ali e que era só puxar o cordão.
— Puxando, e rezando...
Ele estendeu a mão e puxou.
O sótão se abriu, mas não havia escadinha para se equilibrar.
Ele teve que saltar do colchão cheio de molas da cama para alcançar o topo.
Pulando e pulando, a metade do corpo dele entrou pra dentro daquele sótão.
O menino se agarrou ali para não cair.
— Que escuro...
Apertou os olhos com força, mas nada via.
Apenas silhuetas de algumas caixas eram mal vistas em seu campo de visão.
E uma coisa gorda.
— ...................
Aquilo abriu os olhos redondos e brancos sem pupila. Se Kieta fosse capaz de sequer raciocinar agora, ele diria que parecia um Snorlax da série Pokémon.
O que só deixava as coisas ainda mais esquisitas.
— Aah.....
Ele sentiu um frio na barriga e não conseguia parar de tremer.
Aquilo falou.
— AAaaRgvvvDzzz
Irreconhecível.
Indecifrável.
O cérebro de Kieta Meguro não compreendeu essa voz.
Tudo o que fez foi parar de tremer.
Descer do sótão.
Se enrolar em seu cobertor.
Andar até o quarto onde estava.
E deitar no cantinho em posição fetal.
"....................................."
Nada mais foi dito, e ele pensou ter escutado Walther lhe convidando para o jantar umas 5 vezes.