— AAAAAAAAHHH!!!
Tropeçando para trás, o menino caiu de bunda no chão.
Sua visão horrorizada se mantinha focada naquele mar de destruição e desequilíbrio.
Criaturas das sombras repleto de bocas, dentes e tentáculos.
Amontoados amorfos de carne e sangue rastejando em agonia — pessoas atormentadas presas, costuradas umas nas outras em repleta angústia cruel e interminável.
E fogo... Muito fogo.
Seres-morcegos torturavam essas pessoas. Completos sádicos de pura malevolência, sem quaisquer tipo de razão ou moral. Puramente forças distintas daquilo que se pode considerar "do bem".
Era uma visão distorcida e deturpada da realidade.
Kieta tremia no chão.
— N-não...!! Não!! Apaga! Apaga!! Apagaa!!!
— Essa é a realidade do mundo. Não importa o quanto deseje que suma ou desapareça. Nunca ira se apagar.
Ele conseguiu por algum instante, voltar a si e olhou trêmulo para a menina ao lado.
— C-como... Como consegue... falar isso... tão tranquila...?
— Essa é a verdade do mundo. Este mundo já está condenado dês do início. Não importa o que se faça. O inferno irá consumir tudo. Todas as criaturas e seres. Bons ou maus. Não há como impedir. Não há como parar. É o fim. O fim é iminente. Irreparável. Irreversível. Proposto dês do início.
— ...............
Com um olhar fantasmagórico, ela falava isso. E com um olhar de puro espanto, Kieta Meguro tentava absorver tudo o que ela dizia.
— Você... Não é o ser mais poderoso do mundo...? Então poderia...!
— Eu não posso.
— .....Como?
Mesmo diante da visão cruel que ele lutava ao máximo para ignorar, o menino teve um pouquinho de esperança.
Mas essa mesma esperança fraca foi pisada pelas palavras daquela que ele depositou tal esperança.
— Se eu pudesse, teria feito. Por que amo o mundo? Não. Por que se há algo que poderia acabar com o inferno, esse algo só existiria para tal missão. O único sentido de impedir essa calamidade seria esse algo. O sentido desse algo existir seria apenas isso e nada mais.
— ...Eu não entendo.
— É como esse mar caótico — disse ela apontando com o queixo e fazendo Meguro instintivamente voltar a atenção para o abismo — O único sentido disso existir, é para devorar todo o mundo. Não. Se fosse isso, era só destruir o mundo. Mas até mesmo "isso" faz parte do mundo. É o caos absoluto que tudo consome. No final. Só restará caos.
Essa garota, Abracadabra, disse assim.
— .....
Atônito, ele se ergueu.
— ...
E deu meia volta rastejando seus pés sem força de vontade. Sem vida. Sem sentido.
— Vejo que terminamos aqui. Eu sinto muito pelo seu psicológico. Mas você precisava saber da verdade.
— O Walther e o Henry sabem de isso...?
A voz fraca direcionada a ela.
— Não. A visão do inferno só aparece para aqueles a quem quer que apareça.
— Ah... Certo.
Meguro Kieta seguiu atônito de volta para a casa.
Com um olhar fantasmagórico e sem expressão, ele voltou.
— Ah, você estava aí, jovem. Cuidado a rua é perigosa. Está com fome?
Quem o recebeu foi Henry.
Mas...
— ...Eu tô voltando.
— Hum? Você... O que houve com...
— Esquece...
Kieta deu as costas para Henry e seguiu de descer mais a rua até a casa do Walther.
Chegando lá, ele adentrou a casa.
Foi para o quarto de antes.
Se enrolou nos lençóis.
E ali ficou.
"........"
Uma sensação de quente se formou nos seus olhos neste momento, e ele se pôs a chorar.
"...."
Ele chorou quietinho por alguns minutos.
♧◇♧◇♧◇
— Ei, ei. O que aconteceu, você está bem?
Walther apareceu no quarto, depois de um tempo e encontrou o Kieta enrolado nos cobertores até a cabeça.
— Eu perguntei praquela baixinha se ela fez algo mas ela disse: "Não fiz nada, he, he!" animada como sempre. Sinto que algo aconteceu.
Mas Kieta não respondeu.
— Certo... Uhh... Você não quer a minha ajuda para voltar pra casa?
Mas Kieta não respondeu.
— ...Tá. Eu vou... Vou prepara algo pra comer. Se quiser, é só aparecer na cozinha e eu te dou.
Ele disse isso e não teve resposta alguma.
Antes de sair do quarto, ele olhou preocupado para Kieta ainda enrolado.
Não teve recebeu reação alguma então voltou a fazer seus afazeres.
E o menino ficou ali até o fim da tarde.
"....."
— Opa, fiz o jantar. Caramba, você nem se moveu. Vai querer comer, Meguro?
Mas não teve resposta.
— ...Eu vou... Vou deixar isso aqui do lado. Cuida pra não esfriar.
O som de passos foi ouvido se afastando dali.
Mas pouco importava.
Nada importava na verdade.
Meguro só não conseguia mais fazer nada.
Pensar em nada.
Ele se tornou uma casca dentro do seu próprio casulo.
Acabou se perdendo dentro da sua própria mente. Uma mente horrorizada com o caos não iria conseguir fazer mais nada. Um alguém que viu a face do inferno cara a cara.
Seus pensamentos estavam nublados e sem imagens. Ele ficou acordado olhando pro nada dentro do seu casulo por horas.
Até que sem perceber, ele adormeceu.
Ele dormiu.
"......."
Um barulho. Uma voz.
Algo o tirou do sono.
— ...Você dormiu aí no chão? E nem comeu... Não gosta mais de feijão, Meguro?
E era ignorado como sempre e sempre.
"...Eu não quero saber de nada. Não fala comigo. Não tenta me trazer de volta para a realidade."
Era essa a forma dele se esconder.
De ignorar tudo.
Ignorar tudo o que viu. Ignorar tudo o que sentia. Ignorar tudo o que escutava. Ignorar tudo o que cheirava e tinha gosto. Ignorar suas necessidades como humano.
Ser uma casca oca sem reação. Sem sentimentos.
Sem propósito.
Era isso o que ele era agora.
E foi isso o que ele foi por mais 10 horas.
Por mais 24 horas.
Por mais 2 dias.
Por mais 3 dias.
Por mais 5 dias.
1 semana se passou...
2 semanas se passaram...
E ele ainda estava ali.
Calcula-se que em média, alguém sobreviva sem beber por cerca de 3 ou 4 dias.
Mas por algum motivo, aqui estava ele, 2 semanas depois, sem nem ter feito isso.
Walther, todo dia, de períodos em períodos do dia, vinha até o quarto de Kieta Meguro para lhe dar bebida e comida ou ver como ele estava.
Ele não fazia muito mais do que isso.
Ele pensava que de alguma forma, Kieta estava tendo o seu espaço íntimo e pessoal, e que só ele poderia sair deste estado.
Não se aproximava mais do que isso.
Todavia, 1 dia atrás, este homem disse algo diferente.
— Estou indo a procura de um novo mercado. O feijão acabou.
Mas Walther nunca voltou.
— ....
Na quietude daquele quarto seguro, o menino piscou fracamente as pálpebras. Houve uma reação que o acordou do seu quinquagésimo quarto sono dês da primeira vez que dormiu enrolado no seu casulo.
E isso era...
— ...O quê?
Os vidros das janelas onde estava se estilhaçaram e explodiram subitamente. Houve uma onda de choque tão grande devido a um estrondo que ocorreu no lado de fora da casa que fez com que todas as janelas estourassem.
E isso foi tão surreal que trouxe o maltrapilho Meguro de volta a si.
Caindo debruçado no chão e se desenrolando do seu casulo, Meguro sentia a tábua dura no rosto magro.
Sua musculatura natural diminuiu muito. Ficou pálido e estava magro.
Os lábios rachados e olhos sem vida.
O menino fraco tentou se erguer.
— ...Mas o quê.
A voz rouca e corpo enfraquecido.
Ele conseguiu se levantar e se apoiou nas paredes para se mover.
Onde estava Walther? O que estava havendo? Qual foi a causa desse estrondo?
Suas memórias dos últimos 14 dias estavam enevoadas.
Ele só lembrava que recebia visitas de Walther periodicamente, mas não conseguia se lembrar do que ele dizia a cada vez que o via.
Seguindo perdido e fraco para fora do quarto, ele ouvia barulhos de coisas explodindo, gritos e grunhidos esparsos por todos os lados à fora.
Movendo suas pernas trêmulas e rígidas até a saída, ele viu o que temia ver.
— ...Isso não.
Ali.
Bem diante de seus olhos.
O mundo estava em queda.
♧◇♧◇♧◇
O inferno estava consumindo o mundo.
♧◇♧◇♧◇
O que Kieta Meguro mais temia ver, ouvir e sentir estava acontecendo diante de seus olhos.
— ...O quê!? ...Mas por quê!?
Ele não conseguia ter essas respostas.
O Mundo tremia em ruína.
O céu estava escuro e avermelhado.
Fumaça, chamas e destruição preenchia toda a vista do antigo bairro em que ele morava.
Pessoas-morcegos vagavam pelos ares aos montes, juntos de criaturas monstruosas formadas de massa uniforme e cheio de mãos e braços humanos costurados uns nos outros.
Era um pesadelo.
Um pesadelo de muito mal gosto.