Ao mesmo tempo que James e Brandon chegavam à mesa no jardim, a porta do escritório foi aberta. O conde Miller e Ferion, seu herdeiro, entraram no cômodo de trabalho do mais velho. A sala estava com estantes cheias de livros e cadernos dos dois lados e em seu oposto tinha uma varanda com vista para o jardim. Também havia uma mesa próxima dali que permitia ver os dois jovens se sentando em uma mesa e discutindo sobre algo.
O conde rapidamente se sentou em sua cadeira, suspirando e se preparando mentalmente sobre o que viria com aquela conversa, será algo duro, principalmente que o envolverá sobre questões futuras que deveriam ser tomadas com muito cuidado.
Ferion também ficou em frente ao pai, vendo suas expressões. Ele percebeu isso assim que chegou, todos haviam envelhecido assim como ele. Seu pai era um exemplo disso, quando saiu mal havia fios brancos em seu cabelo, mas agora eles eram muito mais aparentes, mostrando sua idade.
"Esse lugar mudou um pouco." Ferion falou, olhando em volta.
Ele estava certo. Em suas últimas lembranças desse escritório, há três anos atrás, alguns objetos que estavam ali agora, não estavam lá antes. Uma bola de vidro com casa em cima da mesa do conde e o quadro que ficava pendurado ao lado da porta eram o que mais chamava a atenção daqueles que voltaram.
A mão áspera e forte de Ferion logo pega a bola de vidro e traz para mais perto, balançando-a e vendo pequenos pedaços brancos, parecidos com neve, flutuando ao redor da casa e voltando ao chão. Ivan, o conde, vendo isso não pôde deixar de concordar. Seu escritório havia passado por mudanças, mais por escolha de sua esposa, no entanto.
"Sim, algumas coisas mudaram. Essa bola de vidro foi dada para mim por James durante o primeiro ano que vocês foram. Estava no inverno e ele queria me dar algo de aniversário, até que ele saiu com Brandon e voltou com isso nas mãos, dizendo que achou lindo e que gostaria que eu ficasse." Ivan sorriu. "Ele colocou no meu escritório e disse que era para eu olhar para ela quando ficasse entediado. Desde então, não ousei mudá-la de lugar."
Ferion viu seu pai sorrindo levemente e voltou-se para a bola, colocando-a de volta no lugar. Era óbvio que era algo estimado por seu pai, dado que o item estava brilhando e ele olhava com carinho. Seus pensamentos até se voltaram para imaginar a cena de um James animado dando o objeto para seu pai e se sentiu um pouco triste por não conseguir presenciá-la.
Com as mãos apoiadas em cima da mesa e se endireitando, o conde procurou alguns papéis e colocou em cima da mesa, para facilitar à sua procura ou caso precise confirmar algum dado, embora ele conheça aqueles papéis como se fossem a palma de sua mão.
"Mas chega de conversa, tenho certeza que você está cansado e quer descansar logo. Você deve saber o motivo para que eu lhe chame aqui, certo?" O tom do conde saiu forte, ele estava sério, como mostrava seu rosto.
"Sim." Ferion assentiu.
"Pode começar a relatar. Até os mínimos detalhes."
"Como eu relatei antes nas cartas, a maior parte responsável pela vitória e das táticas de sucesso durante a guerra foram por causa do segundo príncipe. Ele foi quem teve a ideia de criar uma emboscada na batalha próxima a montanha de Bohr e quem comandou os exércitos para a capital Glarus de Torzik. Houve algumas oposições dos nobres e seus filhos, principalmente daqueles que apoiam o primeiro príncipe, mas, no final, não houve, e se tivesse eu não saberia dizer."
"Hm… Então eles ficaram quietos após as conquistas do príncipe Aiden. Eles devem ter espumado de raiva." O conde riu. "Mas até Dominique? Eu duvido que aquele velho não tenha procurado qualquer meio de diminuir o poder do príncipe."
"Tem razão, pai. O Duque Santos criou boatos sobre o príncipe para aqueles que não estavam muito próximos à cadeia de comando, e os rumores foram espalhadas principalmente entre soldados comuns. Claro, não há provas. Porém, é suspeito que isso ocorra quando a batalha estava indo bem e a maioria dos nobres tinha que concordar que ele estava fazendo um bom trabalho. Ninguém ali queria morrer. Por isso é que o mais óbvio é ele."
"Ok, pelo menos temos uma noção de que as conquistas do segundo príncipe são grandes demais para minar sem motivo algum. Não temos que nos preocupar exatamente com isso, já que a balança de poder com certeza foi influenciada pela confiança da guerra. O imperador não levará isso levianamente e com pressão da outra parte."
Ferion concordou. Por mais que os nobres que são contra a ascensão de Aiden ao trono, eles não poderão negar que o príncipe foi o maior contribuinte, ainda mais com a ordem pública sendo a favor dele e suas conquistas sendo amplamente divulgada para o império todo graças a volta dos outros homens que lutaram na guerra.
Claro, isso também significa que os rumores se espalhariam, mas seriam apagados com os feitos do príncipe.
"E vocês se encontraram com algum na capital Glarus? A recomendação que lhe dei foi para que ficasse longe se encontrasse com algum deles e deixasse isso para aqueles que poderiam lidar com isso." O conde perguntou um pouco ansioso.
Embora ele saiba que seu filho está bem e vivo, pois ele está bem na sua frente, ainda é preocupante se um inimigo de tal calibre, uma elite das elites de todos os países, apareceu no campo de batalha. Ivan não tinha como saber se algum aparecer ou não era um benefício para o império, mas se ao menos suas mortes fossem comprovadas seria de fato.
E também, após a última parte da guerra, quando eles se preparavam para dominar o centro de Torzik, as cartas foram proibidas de serem enviadas para impedir vazamento de informações, interferindo em qualquer contato entre seus familiares.
A família Miller não pôde deixar de se sentir nervosa ao saber disso por meio do jornal do império, até que eles souberam que eles estavam retornando vitoriosos. Foram dias de angústia para eles.
"Sim… Havia dois, dos cinco do reino Torzik. Não se sabe exatamente o que ocorreu com os outros três, mas sabemos que eles não fugiram com a realeza, já que todos eles foram mortos. O que encontramos foram evitados ao máximo e combatidos pelo Grão-Duque Noir e por um dos mercenários contratados."
"Grão-Duque Noir, sim, entendo. O Duque das Sombras. Há rumores de que sua majestade quer juntá-lo com a primeira princesa graças aos seus esforços e ele deve recompensar o homem com algum título e terras."
"Acho difícil isso acontecer. O Grão-Duque não era uma das pessoas mais sociáveis, mas ele era um dos assuntos mais falados entre todos, cheios de rumores, a maioria ruins. Também havia um que especulava que ele já havia rejeitado essa oferta e que ela foi ofertada para o mercenário. Mas não sei se isso era verdade, já que ouvi em um bar."
"O imperador deve querer que o mercenário seja leal ao império e a melhor forma disso ocorrer é o casamento com a princesa. Mas seria desonroso se ele fizesse isso antes de tentar com o Grão-Duque. Muitos nobres também reclamariam que a mais alta dama fosse oferecida primeiro ao mercenário."
O mais velho homem ali bateu os dedos na mesa e olhou os papéis, lendo superficialmente os relatórios de seus soldados durante a guerra e os movimentos de seus inimigos. Era algo que levaria em consideração com as novas informações que recebeu. Mas algo o preocupava e não era quem tomaria o trono ou disputas políticas. A razão era seu filho ter vindo e aparecido noivado sem nunca ter citado ela em suas cartas.
"Podemos discutir isso mais tarde e te manter a par da política da capital. Mas, agora, quero saber sobre seu irmão e tudo o que aconteceu."
Ferion estava esperando que ele citasse seu irmão. Só ele sabia como ficou surpreso ao ouvir de seu irmão que ele estava noivo com uma mulher que sequer apresentou para si primeiro. Se foi algo chocante para ele, imagina para seus pais.
"Como disse antes, não tenho ideia de como eles ficaram noivos. O que sei é que durante a volta de uma missão, os soldados disseram que ele havia trazido uma mulher e estava cuidando dela. Não dei muita importância porque parecia um rumor e estava me preparando para a conquistar a cidade Nox, a leste da capital Glarus, uns três meses antes de chegarmos até ela." Ferion continuou.
"Havia me esquecido disso, pois sempre que o via estava sozinho ou fazendo algum trabalho sem ela estar por perto. Até que alguns dias antes de invadirmos Glarus, ele apareceu com ela e disse que após a guerra, estaria noivo dela e se casaria com ela."
"O que você disse?"
"Se ele tinha certeza e se vocês sabem disso. Ele disse que sim e que iria contar a vocês quando chegasse, mas eu esperava que ele iria levá-la a algum lugar e trazê-la para a mansão ou oferecer um quarto de hóspedes. E não fazer o que fez comigo, apresentando ela de repente sem nenhum preparo. Mas não me surpreendeu ele ter feito isso."
"E como não havia como mandar cartas, você não conseguiu me avisar." Ivan concluiu e Ferion acenou. "Quando meu filho se tornou tão astuto?"
Ivan disse e olhou para Ferion. Seus filhos estavam muito diferentes.
O ar que antes rodeava Ferion era sério e distante. Por mais que ele fosse seu filho, seu próprio sangue, ele parecia alguém que não poderia se aproximar apropriadamente, nem que tinha muitas amizades. Ele sabia que o garoto era gentil, afinal, ele cuidou dele desde seus primeiros dias ao mundo, mas tinha ciência de para os outros era alguém inalcançável.
O peso de ser o sucessor desde pequeno poderia ter influenciado isso. E o fato dele ser parecido exteriormente consigo também o tenha espelhado. Porém, a gentileza que ele possui é igual a de sua mãe, pois ele sempre cuida das pessoas que lhe é querida.
Agora, tendo consciência desses fatos, os primeiros fatores que notou foram a idade.
Ferion estava mais velho, com a expressão mais dura em seu rosto não muito amigável. O conde sabia o que ele devia ter visto para ter aquela expressão, que era um pouco mais profunda do que era antes de partir. A guerra não era um lugar bonito e muito menos agradável para os homens que morrem e sobrevivem a ela.
Ele é diferente de Brandon, que mesmo com o rosto profissional, ainda o torna amigável, só mais difícil de o entender. Mas havia algo que o mudou. Seus olhos negros eram mais leves do que antes, embora mostrassem uma profundidade maior se olhasse por algum tempo. Era os olhos de quem viu a morte no campo de batalha e sabe o que lhe é precioso.
Por estar em casa, seu corpo estava um pouco mais relaxado, mas ainda parecia rígido comparado a quem vivia ali sem ter ido à guerra. Era justificável. E isso só fazia o velho coração do homem simpatizar por seu filho.
No entanto, seu segundo filho foi quem mudou radicalmente. Phillip estava mais encorpado e mais alto também, tendo seu físico completamente melhorado com os treinamentos militares e a atmosfera que o rodeia mostra os anos de batalha que teve que suportar. Porém, aquele garoto de dezoito anos que levava em conta as opiniões de seus familiares desapareceu e criou um plano para que eles não possam se opor imediatamente ao noivado com uma mulher que nem conhecem.
Muito astuto, o conde teve que admitir.
Ivan não o impediria se fosse isso que ele quisesse. Ele não era o tipo de pai que comandaria seu filho em um casamento político ou a carreira dele se fosse contra sua própria vontade. Só não quer dizer que ele não tomaria medidas cabíveis sobre os perigos de deixar uma estranha, a qual ninguém conhece, entrar de repente em sua casa. Era muito o que pensar e fazer.
"Acho que é melhor terminarmos aqui."
"Tudo bem." Ferion se levantou e andou até a porta, pronto para abrir com a mão na maçaneta.
"Espere." Ferion olhou para seu pai. "Só quero que saiba que estou realmente muito feliz de você ter voltado, filho."
"Eu também, pai."
O rosto de Ferion sorriu levemente para seu pai, cujo retribuiu. O corpo de seu filho sumiu no vão de sua porta e o conde suspirou. Seu trabalho ainda não havia terminado.