Com o passar de alguns dias, Brandon havia tentado o máximo possível não se encontrar com Phillip. E com bastante sucesso. Ele não o encontrou durante o resto daquele dia e nem no dia seguinte, ao qual Phillip ordenou que ele o acompanhasse.
Sempre que o via ou havia qualquer menção dele dos empregados, Brandon rapidamente seguia outro caminho ou iria fazer outra coisa. Ele não queria encontrá-lo e ouvi-lo tentar ordenar algo que, de certa forma, poderia ser humilhante para ele, como cuidar de sua noiva, mesmo que fosse um empregado.
Brandon também havia evitado a noiva de Phillip, Johannes. A mulher, que aparecia às vezes pela casa, passava a maior parte de seu dia em seu quarto ou no de Phillip. Então, não eram altas as chances de se encontrarem e ele teve cuidado redobrado quando ela soube que ela saiu.
O ruivo não queria vê-los e estava usando seu tempo para pensar, até quando estava focado em seu trabalho. Os documentos que tinha que cuidar era como uma fuga da realidade deprimente, porém não eram suficientes quando ele acabava de maneira rápida. Nesses momentos, a mente se enche de pensamentos e ele cai em reflexão, antes de suspirar e tentar focar em qualquer outra coisa.
Seus sentimentos eram complicados. Ele ainda estava triste por isso ter acontecido consigo e com raiva por Phillip não ter o mínimo de consideração. Seu coração sentia amargura ao pensar nos dois juntos, ainda mais quando os viu indo para a carruagem no dia que eles foram à rua comercial.
Os dois pareciam tão felizes que ele se sentia ainda pior. Não era algo agradável.
Achava que iria melhorar e apaziguar com o tempo, mas a dor ainda permanecia em seu coração. Talvez saber que ambos estão juntos no mesmo local e os empregados conversando sobre eles próximo a ele tenha contribuído para a sensação dolorosa que não vai embora, por mais que tente não pensar neles.
Era uma droga, mas o que ele podia fazer? Apenas tinha que se acostumar, pois aquela era sua realidade agora.
Felizmente, ele tinha James para alegrá-lo. O garoto o fazia esquecer de seus problemas e ele se divertia com ele, conversando sobre diversas coisas quando possuíam tempo livre. Às vezes, James até ia aonde ele fica para simplesmente cumprimentá-lo.
A condessa o buscava também para algumas coisas, como tomar uma simples xícara de chá para fazer companhia a ela e lhe perguntava como estava. Ela não fez mais perguntas como no dia da saída, mas ficava olhando de vez em quando, como se refletisse sobre algo.
O conde continuava como sempre, dando trabalho a ele. E Ferion o via poucas vezes, não tendo muito contato, mas conversavam quando o herdeiro da casa Miller buscava algumas opiniões.
Em suma, seus dias eram pacíficos, mas seguidos pelas sombras de seus pensamentos.
*
Já era madrugada quando Brandon abriu os olhos pela primeira vez no dia. A janela estava fechada e não havia iluminação no quarto, mas ele sabia que ainda estava de noite. A escuridão e o silêncio eram pistas óbvias o suficiente para ele.
Ele havia ido dormir em seu horário de costume, então não sabia o que havia de errado para ele acordar naquele horário, já que seu hábito de dormir era até o dia seguinte se não for incomodado por alguém. A garganta estava seca, poderia ser uma dica, mas ele só não havia bebido água antes de dormir, então ficava como uma possibilidade.
Brandon foi até a janela, abrindo e permitindo que um pouco da claridade lunar entrasse.
O quarto ainda estava um breu, porém ele enxergava alguma coisa ao se acostumar mais ainda com o ambiente. Vultos intensos no escuro eram semi-distinguíveis do entorno. Tais objetos não eram obstáculos para ele quando decidiu sair e ir para o corredor.
O corredor iluminado por algumas velas o ajudaram a seguir o caminho para a cozinha. Se estivesse sem iluminação, ele teria desistido e voltado para a cama, esquecendo que estava com sede. Daria muito trabalho andar até seu destino em uma passagem que não enxergava e não reconhecia.
Barulhos de metal foram ouvidos assim que virou a esquina e encontrou as luzes da cozinha acesas. Brandon se aproximou, caminhando com passos normais e sem hesitação. A mansão era segura e as chances de um ladrão invadir justo na cozinha eram baixas, sendo que geralmente iriam direto ao escritório ou procurarem o cofre. Então, somente sobrava uma opção, alguém da casa estava acordado.
No entanto, em nenhuma de suas suposições que poderia realizar com sua mente, ele pensou que encontraria o filho mais velho de seu senhor na cozinha, fervendo algo no fogão, tão calmo e relaxado que até duvidou por um momento de seus olhos.
"Ferion?"
O homem um pouco mais alto que si olhou para trás surpreso, como demonstrou um pouco em seus olhos, e depois voltou para o bule. Ferion não achava que haveria alguém acordado a essa hora e que fosse até a cozinha, mas achou que poderia acontecer. O estranho era que ele não conseguiu perceber a presença até que ela se pronunciou.
"Está fazendo chá?"
"Sim."
"Não sabia que você sabe fazer chá."
Brandon disse, pegando um copo e colocando água para beber, para molhar a sua garganta. Em todo o processo, ele observou como Ferion estava concentrado, para não perder o momento para retirar o bule do fogo.
"Aprendi depois que saí de casa. Um cavaleiro que conheci me ensinou."
"Oh, isso é legal."
Sua voz demonstrava uma opinião honesta. Era algo bom que Ferion aprendeu algo que pode ser um benefício, mesmo que trivial, em um campo de batalha.
"Quer tomar um pouco comigo?"
"Eu posso?"
Brandon arregalou os olhos com a pergunta dirigida assim. Não é que não seja comum, é até educado oferecer um assento à mesa, mas ele não esperava que Ferion fosse fazer tal sugestão. Eles mal conversavam normalmente, então era um algo incomum que eles pudessem ter uma conversa tão longa, desde que não fosse sobre negócios.
Não que Ferion seja frio e indiferente a todos. Pelo contrário, ele era quente desde o dia que o conheceu. No entanto, devido à natureza um pouco séria e a atmosfera que o rodeia, é difícil começar algum assunto que seja mais algo pessoal.
Desde quando eram mais novos, Brandon não tinha muita coragem de conversar livremente com Ferion, mesmo que o mais velho nunca tenha sido mal-educado. Por isso, ele se aproximou de Phillip que era de sua idade e mais aberto e sociável consigo.
Foi natural, não havia outros motivos para que isso acontecesse.
Ele também achava que após a guerra, o outro teria mudado também, pelo menos em algum grau, igual a Phillip. Porém, parecia ter sido um engano e Ferion permanecia como o Ferion que conhecia, embora um pouco mudado. O pouco contato que trocaram não era suficiente para mostrar isso a ele. Um sorriso cresceu em seus lábios sem que Ferion respondesse.
"Se não for um incômodo, eu adoraria." Foi a resposta que veio, depois dele mesmo ter dito algo.
Brandon sentou-se em frente a Ferion e esperou que o outro terminasse de colocar na xícara. Em seguida, levou o recipiente próximo ao rosto e sentiu o aroma leve do chá, indicando que estava bem feito. O gosto era bom e não amargo.
'Este chá está delicioso. Ferion aprendeu a fazer um bom chá.'
As habilidades de Ferion no chá eram boas o suficiente para serem reconhecidas.
"O cavaleiro que te ensinou deveria ser muito bom. Suas habilidades são excelentes.."
"Obrigado. O nome dele era Cole e era um cavaleiro de uma senhora antes de ir para a guerra…" Ferion respondeu, em um murmúrio.
Uma expressão sombria abaixou-se pelo rosto um pouco, junto a seriedade que existia ali. Durou um segundo, mas foi o suficiente. Era óbvio o que aquilo representava.
"Entendo."
Brandon assentiu, sem dizer mais nenhuma palavra. Ao beber mais gole, ele sentiu o calor do líquido esquentar seu corpo. Seu corpo não estava frio, mas era algo bom de se sentir.
"É chá de camomila."
"Sim."
"Ele geralmente é feito para o estresse e para se acalmar. Está com problemas para dormir?"
Ferion o olhou em seus olhos verdes. Ele estava refletido na selva esmeralda e olhando para si através daquele reflexo. O homem estava um pouco constrangido por ter sido pego. Não era algo que ele se sentia confortável em dizer para sua família. Nem Phillip, aquele que esteve consigo durante os três anos no campo de batalha, sabia disso.
"Sim… Não consigo dormir à noite. Piorou desde que cheguei, sequer consigo pregar os olhos."
"Por isso o chá…"
"Uhum. Faço todos os dias."
"Não seria melhor pedir a um dos empregados para preparar? Não há necessidade de vir e você mesmo fazê-lo."
"Me sinto melhor quando o faço. É agradável preparar e realizar todo o processo. E também, a madrugada é ótima com o silêncio e sem ninguém ao redor."
Sua última fala foi acompanhada por um gole do chá. A fumaça fumegante saindo do recipiente e o cheiro persistia ali entre os dois.
O clima da cozinha era agradável e o bom chá quente era gostoso para os dois, fornecendo uma calma. Embora silencioso, não era de forma nenhuma desconfortável.
Brandon não perguntou o que ele sonhava. Seria falta de educação e tato perguntar algo do tipo. As visões que ele teria visto no campo de batalha, os gritos de seus companheiros e todo o sangue que manchou a terra seria o suficiente para se ter pesadelos, ainda mais se envolvesse soldados que eram seus amigos e colegas.
O ruivo nunca esteve na guerra e nem tentava saber como era. No entanto, ele poderia supor pelo que Ferion passava em seus sonhos.
*
"Soube que você me chamou, senhor."
Brandon havia aberto a porta do escritório do conde, um lugar que ele muito frequentou ao longo dos anos e mais ainda durante o intervalo de tempo em que seus filhos estavam fora.
O cheiro de livros característico da sala o dava uma calma toda vez que entrava, mesmo que não fosse sua sala, em primeiro lugar.
"Sim, isso mesmo. Entre."
O conde ergueu sua mão em um gesto para ele entrar. O homem de cabelos negros e meio grisalhos estava sentado em sua cadeira em uma compostura e uma atmosfera imponente. A expressão séria, natural da face, estava com os olhos nele e em seu filho que também estava na sala.
O jovem mestre da casa Miller estava parado, em pé, em frente à mesa de seu pai. Com o mesmo rosto que viu pela madrugada, sério, sem nenhum pingo de cansaço causado pelos tempos que o assombravam em seus sonhos.
Brandon dirigiu-se ao seu lado, naturalmente, e ficou em posição para receber a ordem de seu mestre.
"Acredito que vocês dois tem uma ideia do porquê tê-los chamados aqui."
"Sim."
Ferion apenas acenou com a cabeça, enquanto Brandon respondia.
"Ótimo. Então, Brandon, quero que você ajude Ferion a se adaptar de volta com os assuntos do território. Mantenha-o por dentro dos principais assuntos e documentos que ele tem que ver e revisar. E dê um leve resumo dos acontecimentos depois de sua saída."
Ivan entregou uma pilha de papéis grossa para Brandon. Com um olhar, Brandon pôde encontrar um que passou por sua mão e discutiu algumas vezes com o homem à sua frente.
"E Ferion, como disse para Brandon, ele irá te ajudar em seu trabalho. Três anos é muito tempo, então tem que ter algo que lhe ajude e ele é a melhor pessoa para isso."
O herdeiro assentiu novamente, era algo que ele aceitava e não seria nenhum incômodo de qualquer maneira. Fazia parte de seus serviços como herdeiro.
"Alguma objeção?"
Os dois negaram.
"Ótimo. Vocês podem ir." Ivan disse.
O plano do Conde Miller era que, com a volta de Ferion a propriedade, ele voltasse a ter suas tarefas de antes de partir. É algo natural que ele faria como herdeiro já que voltou.
E Brandon era necessário, pois como seu ajudante, ele tem o conhecimento suficiente sobre os assuntos que envolvem o território tão bem quanto ele, então não haveria o porquê de Ferion passar por dificuldades para se acostumar.
"Sim, pai."
"Ok, senhor."
Os dois se curvaram para Ivan. Brandon foi o primeiro a ir em direção a porta e sair. Ferion o seguiu logo atrás.
"Ferion, onde você quer que eu entregue os documentos?"
Brandon o pergunta assim que saem da sala.
A sala ficava no centro do corredor e tinha caminho pelos dois lados. O corredor era luxuoso e com alguns quadros que expressavam que valiam moedas de ouro.
Eram tão familiares aos dois que eles nem mais se surpreenderam com o quadro famoso que estava na frente toda vez que abriam a porta.
"No meu quarto."
Ferion não tinha escritório. O único que havia na mansão era do conde, mas foi por causa da saída de Ferion. O antigo espaço que ele usava como um escritório ainda estava lá, porém não havia recebido nenhuma ordem de limpeza.
Por isso o local estava cheio de poeira e sob os móveis sobre os lençóis brancos. Então, não havia como utilizar aquele espaço, por enquanto.
"Tudo bem. Voltarei logo."
Brandon falou e se moveu para seu quarto, com o olhar de Ferion fixo em si.
Pouco tempo depois, os documentos que o conde havia dado estavam em cima da escrivaninha de Ferion, junto com alguns livros de registros e outros papéis que eram usados no trabalho de Brandon.
O olhar de Ferion estava sobre aquilo. Ele não pensava que era pouco. Na verdade, ele achou que haveria muito trabalho, mas o que estava vendo era um pouco menos do que ele achou que seria.
"É só isso?"
Ferion indagou. Brandon sorriu para a pergunta.
"Sim, por hoje. Essa para os documentos mais importantes dos três anos."
Brandon apontou para outra pilha de papéis.
"Essa é para análise, essa para revisão e a última são os documentos que o conde entregou."
Ele explicou para Ferion, indicando qual era qual.
Em seguida, os dois começaram a trabalhar. Ferion tinha muitos documentos para olhar e Brandon tinha que auxiliá-lo caso não entendesse algo, como um ajudante, mas também ainda tinha alguns papéis que teria que cuidar para o conde..
A conversa ia e vinha sobre a gerência do território. Questões agrícolas, de transporte, saúde e outros vinham e iam em um rebate a cada novo papel que eles pegavam para atualizar Ferion dos acontecimentos.
"Então, só precisamos especificar o dia, aumentar o orçamento ao seu valor inicial e criar um plano que não confunda os outros turnos. Acho que podemos deixar o último para eles. O gerenciamento dos soldados é um trabalho para o quartel, afinal."
"Você é bom."
Ferion disse quando haviam terminado de conversar sobre a questão de segurança do território. Os livros e documentos todos arrumados, enquanto Brandon anotava algo em um papel.
O ruivo ficou um pouco constrangido pelo elogio repentino, mas abriu um sorriso.
"Obrigado, Ferion."
"Quando você começou a trabalhar com meu pai?"
Era uma pergunta genuína.
Antes dele e de Phillip saírem, Brandon trabalhava quase como um mordomo ou empregado. Não era especificado no que ele deveria trabalhar, então pode-se dizer que ele fazia um pouco de tudo, mas não se envolvia em trabalhos pesados e era centrado somente na mansão.
Então, estava um pouco curioso de como o ruivo começou a desempenhar um papel de um assessor.
"Oh, você quer saber. Bem. Acho que foi algumas semanas depois de sua partida. O conde estava passando mais tempo no escritório por causa do trabalho extra que estava sob sua responsabilidade. Nada que ele não pudesse dar conta depois de se acostumar, mas ele não era tão jovem quanto assumiu o título. Então a condessa sugeriu que me fizesse de ajudante e que parte de seu trabalho venha para mim. Eu aceitei, obviamente."
"Desde então você trabalha como ajudante?"
"Uh, sim. Mas eu também atuo como acompanhante da senhora algumas vezes e cuido de James também. Não é a todo momento, então consigo lidar com tudo o que o conde deixa em minhas mãos."
Brandon explicou. A história era simples e não havia nada complicado.
"Entendo. E quem te ensinou sobre gestão? Isso é tão bom quanto eu fazendo, que aprendi desde a infância."
"O conde me ensinou o necessário para trabalhar. Ele sempre revisava e apontava meus erros."