Quando se experimenta o desejo ele fica marcado na pessoa como uma tatuagem. Sempre visível para lembrar as sensações, sem opções de fugir do que poderia acontecer. Apenas para te mostrar que há algo a ser sanado.
Quando havia sido beijado por um baixinho marrento, Milles havia se perdido completamente no misto de emoções. O primeiro pensamento era de um beta querendo arrumar briga consigo usando métodos sujos. Porém, o cheiro que sentira e as sensações que tivera quando Nicolas brincara com seus lábios para humilhá-lo apontavam para outros caminhos.
Conexão.
Se sentira conectado à Nicolas de uma maneira inexplicável.
Muitas perguntas surgiam em sua cabeça o deixando na beira da loucura. Desde aquele maldito dia passara a procurar pelo seu capitão por onde quer que passasse. Imaginara que seria para evitar outra briga, ou golpes baixos, mas a verdade era que necessitava vê-lo mesmo de longe.
Tivera um momento em que o vira trocar de roupa no vestiário, sem perceber sua presença. Normalmente Milles aproveitaria aquela oportunidade para azucrinar o capitão para irritá-lo, mas daquela vez ele se escondera entre os armários para observar.
Sem camisa, Nicolas era extremamente magro e pálido. Seus braços eram finos sem nenhuma musculatura aparente. A cintura era fina e seu abdômen liso como papel. Grudado em seu corpo haviam vários adesivos escuros, que no instante em que Nicolas tirara a camisa liberavam o cheiro típico de beta.
No entanto, quando Nicolas passara pelos armários em direção às duchas, Milles sentira o rastro do aroma adocicado e delicioso que lhe baqueara imediatamente. Um aroma que já tinha sentido vindo de alguém, jamais sendo do capitão.
O corpo do alfa loiro se movera silenciosamente seguindo sua presa. Suas pupilas dilatadas mostravam o desejo insano de possuir aquele corpo naquele mesmo instante. Tudo por causa da maldita conexão, que agora era seduzida por um cheiro doce.
Estava prestes a esmurrar a porta do box para invadir a ducha. Seu corpo todo pulsava em um ritmo só, o calor envolvia cada membro seu transformando o momento prazerosamente. Antes de tocar o box de vidro, Milles conseguira se conter.
A partir daquele dia, suas noites se tornaram um verdadeiro inferno.
Perdera as contas das vezes que preenchera o seu quarto com o aroma de um alfa dominador sedento para preencher o corpo de um certo híbrido. Das vezes que sua mente alucinara com aquele corpo pálido preso em seus braços.
Jamais havia experimentado tal alucinação.
Nenhuma garota fora capaz de lhe dar deixar tão sedento.
Só poderia pensar que estava enlouquecendo.
— Finalmente te achei, Milles! Nossa que cheiro é esse?
A voz feminina despertara o alfa dos próprios pensamentos. Milles estava com os cotovelos apoiados nas próprias pernas, olhando fixamente para o sujeito que dormia serenamente no banco. Respirando fundo, o alfa olhara para a irmã mais nova que fazia careta tampando o nariz.
— O que faz aqui? Pensei que o pai tivesse sido claro que não deveria zanzar por aí sozinha.
— Eu vim com minhas amigas torcer pelo meu irmão mais velho. É claro que papai deixou claro que a função dos primogênitos seja proteger os mais novos.
Fazendo uma careta, Milles levantara da cadeira para aproximar de Sadie.
— Torcer pelo irmão mais velho ou torcer pelo cara que tá afim?
— Fico até ofendida que pense desse jeito. — Ria Sadie olhando em volta. — Estou procurando Gabriel faz tempo, mas não o encontro de jeito nenhum.
— Não tinha levado um fora?
— Eu? De quem? — Diante da surpresa de Sadie, Milles arqueara a sobrancelha em resposta óbvia e silenciosa tendo sua irmã revirando os olhos — Não me lembro de ter confessado alguma coisa pra ter levado um fora.
— Sei.
— Quem tá dormindo aí?
Olhando sobre o ombro, o alfa suspirava ficando na frente da irmã a impedindo de continuar olhando o seu capitão dorminhoco.
— O capitão, o técnico pediu que eu ficasse de olho enquanto ele ia ver alguma coisa.
Fazendo careta, Sadie cruzava os braços.
— Deveria aproveitar a chance pra dar uma lição nesse traste. Onde está o namorado dele pra cuidar do que é seu ao invés de deixar isso pros outros?
As pupilas dilataram e a respiração ficara pesada quando as ofensas à Nicolas chegaram aos ouvidos de Milles. Endireitando sua postura a tornando ameaçadora, toda a fisionomia do alfa se transformava na raiva crescente.
Percebendo a mudança repentina no irmão mais velho, Sadie franzira a testa dando um passo para trás tentando esconder o súbito medo que lhe abraçava.
— O que foi? Por que está me olhando desse jeito?
— Repete o que disse.
— Repetir? O quê? — Sadie inclinara a cabeça para o lado observando o sujeito adormecido de costas para si, então voltara a encarar o irmão mais velho — Que deveria dar uma lição nele? Ou a parte em que a loira do banheiro deveria vir cuidar dele.
Milles dera um único passo na direção da irmã, franzindo as sobrancelhas irritadiço.
— Sou eu quem está cuidando dele agora, não aquele... Argh!
— O que deu em você, Milles?
Nem Milles poderia compreender o que havia acontecido. O sangue fervia enciumado por Sadie dizer que somente Theodore poderia cuidar daquele baixinho irritante. Por acaso ela estava cega? Ele estava ali zelando seu sono como o técnico havia pedido.
Tudo bem, o professor Marcos fizera o pedido ao se dar conta do sumiço repentino de Theodore. Milles sabia muito bem quem era responsável pelo sumiço do assistente, e por isso avisou ao professor que poderia ficar de olho por um tempo.
Claro, depois de dizer dez vezes que não arranjaria brigas nem faria alguma brincadeira de mau gosto.
De toda forma era ele quem cuidava de Nicolas.
Era ele quem estava ao seu lado naquele instante.
Por que deveria entregá-lo tão facilmente à Theodore?
— Estão brigando? — A voz gentil e calma parecia trazer Milles de volta à razão, retrocedendo alguns passos longe da irmã.
— Gabi! Estava te procurando... Nossa que cheiro é esse? É sério, todos os jogadores ficam fedendo desse jeito?
Milles farejou o ar disfarçadamente, olhando na direção de seu amigo alfa. O mesmo cheiro de Theodore estava impregnado nas roupas do aluno transferido. Os dois alfas trocaram olhares silenciosos, e Gabriel apenas sorrira cordialmente para Sadie.
— Por que me procurava?
Imediatamente a ômega esquecera o cheiro incômodo, erguendo a bolsa térmica rosa que carregava consigo. Abrindo um imenso sorriso em seu rosto, ela logo fora ao lado de Gabriel abraçar seu braço.
— Trouxe seu almoço.
— Meu almoço? Você? Por quê?
— É, por que trouxe almoço pra ele e não pra mim se veio aqui pra torcer por seu irmão?
Recebendo um par de olhos castanhos arregalados ameaçadoramente, Milles sorria zombeteiro para sua irmã.
— Você disse que o time iria preparar pra você, meu irmão... Não se lembra disso?
— Eu não. Até porque eu lembro que você é uma negação na cozinha...
— Ei! Não escute ele, Gabi, está sendo teimoso e birrento como sempre.
— Tudo bem, mas não precisava se preocupar. O assistente do time trouxe alguns lanches pra gente...
— Ah, mas quem garante que sejam comestíveis. Aqui, posso te garantir que está gostoso o que eu fiz.
Sadie abrira a bolsa pegando o pequeno pote transparente com tampa branca, abrindo-o para mostrar o pequeno lanche "saudável" que havia dentro. Ovos mexidos misturados com calabresa, tomate e pimentão foram escolhidos pela garota para pegar uma pequena quantidade com o garfo e levar até a boca do alfa.
Gabriel olhara de relance para Milles, que por sua vez assistia aquela interação sem muito interesse. Era nítido que o alfa estava desconfortável em ser emboscado por sua irmã, porém o loiro não quisera se mover para ajudá-lo. Jurava que a comida certamente estaria ruim por ter sido vítima das mãos desastradas de Sadie.
Sem muita escolha, ou chance para fugir, Gabriel apenas aceitara e comera o ovo mexido. Milles segurara o riso em ver que o alfa mastigava lentamente realmente saboreando, até estalar os olhos surpreso.
— Está bom.
— É claro que está!
— Tá de sacanagem. Então não foi você quem cozinhou, Sadie.
— Que bobagem, fui eu sim. Fiquei na cozinha por horas até acertar... Quero dizer, acertei de primeira.
— Tem certeza? Pediu pra cozinheira fazer por você, não foi? — Provocava o irmão mais velho.
Os irmãos começaram um bate boca, e mesmo ocupada xingando Milles, Sadie continuara a alimentar Gabriel que nem era ouvido por ela. A situação se tornara ainda caótica quando o cheiro doce se fizera presente e Milles percebia que seu amigo ficara tenso.
Os três híbridos se viraram para o ômega loiro que havia acabado de chegar com a bolsa térmica em seus ombros, segurando dois lanches em suas mãos. Theodore olhara surpreso para Gabriel e Sadie, desviando-os rapidamente para o banco onde Nicolas parecia dormir.
— Theodore...
— Oh... Resolveu pentear o cabelo? Quase não o reconheci — Zombava Sadie, apertando o braço de Gabriel. — Finalmente veio fazer o seu trabalho?
— Sadie, não provoque.
— Não Gabi, você não sabe que ao invés dele cuidar do namorado dele, deixou isso pros outros pra sair por aí? Isso é muito irresponsável.
Milles fechara as mãos em punho quando vira Theodore se aproximar do banco deixando a bolsa na cadeira.
— Estava distribuindo o almoço, e vim aqui entregar os dos dois, mas já vi que trouxeram de casa.
— Ao contrário de você, eu cuido bem dos meus meninos. Não precisa se preocupar com eles, faço questão de fazer do jeito certo.
Milles percebera a troca de olhares entre o ômega e o alfa, e assim como havia cogitado quando seu amigo chegara, Gabriel teria ficado com Theodore logo após a partida. Não queria se intrometer no que havia entre eles, mesmo que ficasse com pena da própria irmã que estava alheia ao assunto, porém era um problema que Gabriel deveria resolver sozinho.
O ômega soltara um riso baixo guardando os lanches na bolsa novamente, a fechando em seguida.
— Que seja. Isso não é problema meu.
— Theodore espera...
— Que merda de barulheira é essa? — O sujeito que estava de costas se sentara preguiçosamente no banco, coçando os olhos parecendo ainda sonolento. Nicolas abrira os olhos escuros percebendo os três sujeitos que mais detestava perto de seu melhor amigo. — Resolveram fazer um piquenique?
Era encantador como apenas a presença de Nicolas seria suficiente para fazer Milles se arrepiar por inteiro. Ficar atento em cada movimento seu causavam respostas imediatas de seu corpo. Sejam elas boas ou ruins.
— A tampinha de garrafa resolveu acordar pra ajudar o namorado. Que patético.
— A cocotinha já está agarrada na sua mais nova presa, que patética. — Retrucava Nicolas olhando para Gabriel com desprezo — Já está com o cheiro dela impregnado, isso me dá dor de cabeça.
Milles percebia a ponta do nariz de Nicolas se mover, farejando algo no ar. Assim como notara o olhar rápido lançado o próprio amigo, que não tinha coragem de olhar Gabriel. O baixinho era astuto e rápido, provavelmente chegara na mesma conclusão que ele.
O desconforto estava intensificando entre os híbridos.
— Aliás, não deveria agradecer o meu irmão? Enquanto seu namorado ficou abanando o rabo pros outros jogadores, foi ele quem teve que ficar de olho em você, bela adormecida.
Naquele instante Nicolas olhara para Milles. Geralmente os olhos escuros do capitão refletiam um vazio imenso e agonizante, mas naquele momento o alfa sentia algo a mais. Um brilho. Não um brilho qualquer, mas algo assustador.
— Hm... Finalmente resolveu se aproximar, grandalhão?
A pergunta tornara sombria a fisionomia de Milles, tendo suas segundas intenções sendo bem compreendidas pelo alfa.
— Sempre estou por perto, tampinha.
— Pois é... Sempre por perto desde então. O que foi? Já está caindo aos meus pés?
— Sobre o que estão falando? — Intrometia-se Sadie desconfiada.
Porém, Milles pouco se importara com a presença da irmã, ou de Gabriel e Theodore. Apenas se inclinara na frente de Nicolas mantendo os rostos próximos de uma maneira ameaçadora. Mesmo que sua presença de alfa estivesse intensa com a intenção de submeter aquele beta diante de si, Nicolas não movera um músculo.
Interessante.
Nicolas passara ser interessante para Milles.
Abrindo um sorriso malicioso, o alfa então sussurrara algo que deixaria aquele capitão acanhado pela primeira vez.
— Eu vou descobrir o que você esconde, e então veremos quem se ajoelhará primeiro. Até lá tente não gamar, capitão.