Dois garotos se depararam com a enfermaria completamente vazia. Theodore levara o seu amigo até uma das camas onde o sentara, logo indo procurar por algodão e soro.
Gabriel não desgrudava os olhos de Theodore. Imaginava mil e uma forma formas de começar a conversar, sentindo que aquela seria a única chance de ser escutado. Havia notado que seu amigo ficava chateado com certa facilidade, tendo Gabriel de prestar mais atenção em suas palavras.
Isso era algo que nunca se atentara.
Nunca precisou medir suas palavras com os amigos que tinha. Sempre fora elogiado por ser educado com os mais velhos e com as garotas, sendo brincalhão e companheiro com os meninos. No entanto, sua conversa com Theodore na noite passada comprovara que Gabriel nunca fora educado de verdade.
Ele apenas queria agradar as outras pessoas, falando de um jeito que não as zangasse.
Notara aquele pequenino defeito quando se vira sem saber o que dizer para Theodore. Não importa o quanto tentasse amenizar a situação, tudo parecia piorar. Era como se todas as escolhas de palavras fossem erradas.
Quando se está encurralado daquela maneira, Gabriel apenas admitira a derrota e assumira seu erro.
Naquele momento, sentado em uma cama observando Theodore molhar pequenas bolas de algodão no soro e se aproximando de si, o moreno tinha receio em falar. Só conseguia acompanhar o ômega loiro se sentar na cadeira na sua frente, estendendo a mão para limpar a ferida em seu lábio.
Fazendo uma careta, virando o rosto com a ardência de sua ferida, Gabriel tentava não olhar tanto para o loiro. Theodore parecia tão concentrado em sua pequena tarefa, com as sobrancelhas cerradas parecendo bravo.
— Para de se mexer, Gabriel.
— Isso dói, não tem como controlar.
— Não deveria doer mais do que levar o soco.
Mesmo com tamanha braveza, Theodore tinha cuidado e leveza ao passar o algodão na ferida. Como uma pena suave passando na pele. Gabriel não resistira em continuar olhando Theodore, atentando-se em cada detalhe de seu rosto.
Da última vez em que ficaram tão próximos assim, não teria prestado atenção aos detalhes no rosto de Theodore. Apenas fizera uma observação de que quando estava nervoso mordia o lábio sem perceber. E agora sentado ali na sua frente, pudera notar o seu semblante quando concentrado em algo.
Era simplesmente hipnotizante.
Percebendo o olhar intenso que recebia, Theodore ficara envergonhado e levemente ruborizado. Ainda assim ousara lhe olhar nos olhos arqueando a sobrancelha.
— O que foi?
— Nada, estou feliz que esteja aqui, só isso.
Afastando-se para pegar uma pomada na mesa da enfermeira, tentando esconder o rubor de suas bochechas, Theodore organizava seus pensamentos. Voltando a se sentar na cadeira, pegou um pouquinho da pomada e estendera a mão passando sobre a ferida.
— Não disse que queria me falar algo? O que era?
— Desculpa. — Theodore erguera os olhos encarando os de Gabriel, tendo até sua mão parando de espalhar a pomada — Quando eu disse que não era a minha intenção te magoar, fui sincero.
Baixando a mão sobre seu colo, Theodore suspirava.
— Por isso Nico te avisou pra ficar longe de mim. Os outros pensarão que você é gay também, só por ser meu amigo.
— Mas eu não me importo com isso.
Theodore baixava os olhos, sorrindo sarcástico.
— Não foi a impressão que tive. Disse que aquela foto foi uma brincadeira dos outros pra provar que não era gay, o que significa que foi na onda deles.
Engolindo em seco, Gabriel se ajeitava na cama coçando a nuca. Como poderia refutar aquilo? Aceitara o desafio e beijara Sadie, imaginando que tudo ficaria na brincadeira daquela noite. Mas não havia se atentado à interpretação do desafio feito.
Por que à cada momento parecia ter errado tanto na conversa da noite anterior?
— Eles queriam que eu ficasse com Sadie, a nossa amizade foi apenas pretexto pra isso. O alvo deles seria eu e não você.
— E se eles resolverem me tornar um alvo, pedindo pra você faça algo comigo... O que fará?
Gabriel balançara a cabeça repetidas vezes, apoiando a mão no ombro do loiro. Sentira uma súbita necessidade de tocá-lo, como se dessa forma pudessem sentir a sua sinceridade. Como se fosse o suficiente para aqueles dois se conectarem.
— Não o farei. Eu disse que é meu amigo, então farei meu melhor pra te proteger.
Aquelas palavras soaram adocicadas aos ouvidos de Theodore, perdendo completamente o controle do rubor em seu rosto. Não somente as bochechas ficaram vermelhas como todo seu corpo parecia esquentar. Em especial o ombro esquerdo, onde uma certa mão estava pousada.
Tendo de desviar os olhos para tentar se acalmar, Theodore afastara a mão de Gabriel temendo que ele sentisse as batidas desenfreadas de seu coração ou seu cheiro. Levantou-se rapidamente da cadeira fingindo guardar o soro e a pomada que havia pegado.
Só precisava se esconder por um tempo para se acalmar. Buscar ar fresco e se recompor. Levando a mão ao peito, sentia com nitidez as batidas aceleradas.
Estava se apaixonando cada vez mais.
A foto retornava em seus pensamentos. Theodore sabia muito bem que aquela poderia ser apenas o primeiro, de vários, desentendimentos. Ela gostava de Gabriel e não escondia de ninguém além do próprio alfa. Escolheria tais artimanhas para fazer a escola toda pensar sobre os dois estarem namorando, mesmo que Gabriel diga que não seja o caso.
No final das contas um dos espinhos que se afundava em seu coração tinha o nome de uma Mckenzie.
— Você... Gosta da Sadie?
A pergunta que acompanhava seus pensamentos simplesmente escaparam de seus lábios. Rapidamente Theodore cobrira a boca assustado por dizer em voz alta. Se antes seu coração batia acelerado por se apaixonar, agora era por puro medo.
Não ousara fitar Gabriel. Permanecera de costas baixando a cabeça tentando esconder seu rosto com o boné.
No entanto, mesmo tentando se esconder, Gabriel lhe respondera. E sua voz parecia estar muito perto.
Pelo canto de olho, Theodore constatara que o rapaz estava em pé ao seu lado, inclinando-se em sua direção para olhá-lo diretamente.
— Não. Não estou a fim dela.
Apesar do alívio que sentia em ouvir aquelas palavras, Theodore ainda estava receoso. Mesmo assim retribuíra o olhar de Gabriel, em uma permissão silenciosa para ficarem próximos.
— Tem certeza? Ela é... Uma garota ômega muito bonita.
Gabriel rira baixo dando um leve empurrão de ombro em Theodore.
— Se for assim, então eu também estaria a fim de você já que te acho um ômega bonito.
Pela segunda vez seu coração acelerava. Os olhos claros de Theodore se arregalavam estupefatos, e nada no mundo vinha até sua cabeça. Absolutamente nada.
Desviando o olhar para a mesa, da qual se apoiara nela antes que suas pernas ficassem mais bambas do que já se encontravam, Theodore buscava algum ponto de calmaria. Engolia em seco, piscava algumas vezes, tentava organizar seus pensamentos enlouquecidos.
Nada parecia adiantar.
Havia perdido o controle de certa forma.
— Não diga essas coisas, Gabriel.
— Por quê? Falei algo errado de novo?
Erguendo os olhos para os de Gabriel, o ômega sussurrava.
— Alguém pode interpretar errado.
O moreno cruzara os braços se virando de costas pra mesa, encostando o quadril nela. Inclinando a cabeça infantilmente, ele sorria.
— Isso seria problema de quem ouviu. Eu disse que não me importo com isso.
Quando se pensa em algo, temos consciência de que as palavras estão mantidas no silêncio da mente. Nada proferido ao mundo. Entretanto, Theodore havia perdido essa consciência desde o momento em que aceitara ouvir Gabriel naquela manhã.
O aluno transferido disseram frases encantadoras para um coração carente. Theodore já estava apaixonado por Gabriel, sabia disso muito bem. No entanto, se houvesse alguma chance de amenizar aquele sentimento, ele tentaria.
Porque sabia que Gabriel não era como ele.
Tentara usar o mal-entendido como um exemplo prático do quão ruim seriam os dois ficarem próximos. Não dera certo, já que Gabriel insistia em manter a amizade, dizendo não se importar com os outros.
E foi naquele momento que apenas pensara sobre si mesmo. Se ele continuasse daquele jeito... Theodore perderia o controle de seus sentimentos. Amaria aquele alfa na sua frente enlouquecidamente.
Sozinho.
O observando de longe.
Segurando o próprio coração na mão.
Seria melhor não se apaixonar.
E então as palavras lhe escaparam dos lábios.
— Mas eu me importo. — Respondera rapidamente. A seriedade em sua voz capturara a atenção de Gabriel, e os dois se encararam quando Theodore sussurrara — Por favor, não me faça me apaixonar por você, Gabriel.
A sala da enfermaria repentinamente ficara silenciosa, como se dois garotos não estivessem por lá. Porém, Theodore e Gabriel se olhavam surpresos sem saberem o que dizer em seguida ao pedido.
O primeiro a quebrar o contato fora Theodore, que baixara a cabeça mordendo o lábio inferior. Afastou-se da mesa pegando sua mochila e a de Nicolas, o loiro fugira de Gabriel depressa.
— Vou indo na frente. Se sentir alguma dor, espere a enfermeira que ela te dará alguma medicação.
Rapidamente o ômega deixara a enfermaria, restando apenas um moreno de olhos arregalados emudecido.
Gabriel virou-se para a mesa percebendo um pequeno espelho sobre a mesma. Notara o pequeno corte no canto de seus lábios, onde recebera o soco de Nicolas mais cedo. Entretanto, dessa vez não recordava da dor que sentira.
Não. Não lembrava da dor e ardência.
Mas do toque suavizado de Theodore, e todo o seu cuidado.
Quando voltara a se olhar no espelho, Gabriel se surpreendia com o sorriso que despontava dos próprios lábios. Até mesmo naquele momento se dera conta de que o próprio coração batia acelerado.
Havia apenas uma palavra que se repetia incessantemente em sua cabeça.
Apaixonar.