Na sexta-feira daquela semana o dia amanhecera completamente nublado. As nuvens acinzentadas pairavam a cidade pequena com trovoadas, sinalizando a possível tempestade que estava prestes a vir.
Para o garoto recém-chegado na sala de aula aquelas nuvens pareciam conversar consigo o avisando do caos que poderia vivenciar mais tarde. Afinal, ele tinha um compromisso naquela noite.
A classe estava vazia por conta da aula de educação física no primeiro horário, porém Theodore havia chego atrasado por ter levado Lisa na escola no lugar de sua mãe. Já ansioso pela noite, não sentira vontade de participar da aula, optando por ficar em silêncio aproveitando a solidão de sua sala vazia.
Theodore ajeitava o material sobre sua carteira e tornava a olhar a janela sentindo o nervosismo em sua barriga. Queria fugir, não conseguia se acalmar de maneira alguma. Mal dormira naquela noite, assim como todas as anteriores desde o sábado anterior.
Os dedos finos de Theodore acariciavam seu pulso onde um dia fora apertado com tanta força que enraizara em suas lembranças.
Fora a segunda vez em que Gabriel o abraçara.
Pela segunda vez tinha de fechar os olhos, tentando controlar o seu estúpido coração. Segunda vez? Ora essa... Todas as noites Theodore acordara de madrugada após sonhar com Gabriel. Não seria a segunda vez que precisava se acalmar. Era a milionésima.
Estava ficando insuportável controlar aquilo. Gabriel dividia seu tempo entre os amigos populares e os treinos de voleibol, não tendo tanto tempo para conversar consigo. Porém, todos os dias ele o cumprimentava com um sorriso gentil em seu rosto.
Cumprimento esse que Theodore passara a ansiar todos os dias.
Quando um cara bonito lhe dava atenção, era impossível não se sentir especial. Quando esse mesmo cara lhe dizia com todas as palavras querer ser seu amigo independente de sua sexualidade, era impossível não ficar feliz. E quando esse mesmo cara, bonito e amigável, lhe abraçava com tanta força sussurrando em seu ouvido um pedido enciumado... Era impossível não sonhar.
Colocando os fones de ouvido e os conectando no Ipod, ligara a playlist deixando que o universo lhe desse alguma ajuda pra afastar aqueles pensamentos. A última coisa que gostaria de perceber era de estar se apaixonando lentamente pelo novo colega de classe.
Mas a música que soava em seus fones já o faziam perceber que era tarde demais para se preocupar com aquilo.
"Tão difícil entender o coração
E tantas vezes eu tentei
Acredito numa história de amor
Um sonho lindo (um sonho lindo)
Sei que vou viver"
Estaria Theodore sonhando acordado? Ou seria o seu desespero em viver o seu romance de colegial, que escolhera Gabriel como alvo? Não seria uma ilusão, então?
Mesmo sendo uma ilusão de sua cabeça para um coração solitário e carente, o ômega não queria se desfazer das lembranças e sensações que o seu colega de classe havia deixado em si. Porque, simplesmente, era muito bom quando Gabriel lhe tocava. Só de lembrar o perfume preso em sua blusa que ficara em seu colo no sábado anterior, Theodore esboçava um sorriso tímido.
Era o cheiro de Gabriel.
O maior problema disso acontecer ligava-se justamente ao seu compromisso daquela noite. De maneira alguma Theodore deveria parecer um bobo apaixonado na frente de seu pai. Só aquele pensamento fora o suficiente para lembrar de uma outra noite tempestuosa, um ano atrás, quando seu coração fora partido e seu corpo doera com a realidade de um mundo cruel.
Theodore deveria visitar aquele mundo cruel naquela noite. Então, a sensação gostosa de estar se apaixonando fora reprimida com facilidade.
Encostando a carteira na parede, Theodore se sentou sobre a mesa podendo acompanhar as nuvens escurecerem deixando as primeiras gotas caírem. Aconchegado ali, cruzara as pernas encostando a testa no vidro gelado, deixando a música falar consigo.
Perdido em pensamento não notara quando o alvo de seus pensamentos também chegara atrasado na sala de aula.
Gabriel parara na porta apertando a alça de sua mochila ao se deparar com o loiro sentado sobre a mesa perdido em pensamentos. Um sorriso surgia em seus lábios na medida em que dava passos surdino ao fundo da sala. Queria saber se sua chegada seria notada, ou se conseguiria dar um pequeno susto em seu novo amigo.
Inclinando-se na frente do garoto loiro, Gabriel pode notar o tom sombrio naqueles olhos claros. O sorriso que se iluminava em seu rosto desaparecia gradualmente. Gabriel puxara a carteira da frente para se aproximar da de Theodore, e nem assim ganhara sua atenção.
Sentando-se na carteira balançando as pernas, Gabriel acenava na frente dos olhos do amigo.
— Theodore? Ei... Theodore. — Sem sucesso, Gabriel então tocara o braço do loiro, que suspirou alto ao olhá-lo surpreso. — Que cara é essa?
— Eaí Gabriel, foi mal, tava perdido em pensamentos.
— Percebi. Aconteceu alguma coisa pra ficar tão tenso?
Theodore sorrira nervoso, desviando o olhar pra janela.
— Nada, só pensando em algumas coisas. — Sem aguentar não olhá-lo, Theodore o espiara pelo canto dos olhos — Chegou agora?
— Perdi a hora, não escutei o despertador tocar. E você resolveu matar aula?
— Algo assim. Só queria fugir um pouco.
Percebendo o quão evasivo seu novo amigo estava, Gabriel resolveu deixar o assunto de lado. Apontando para o Ipod em sua mão, sorrira tentando encontrar outro assunto.
— O que está escutando aí?
— A-Ahn... Umas músicas velhas.
— Músicas velhas? Por acaso curte moda de viola?
— Não tão velho assim, Gabriel.
Os dois rapazes riram, mas antes que mergulhassem no silêncio, Gabriel se inclinava na carteira.
— Posso ouvir junto com você?
Estava tão próximo... Gabriel piscava os olhos castanhos como uma criança pedindo pra atacar um doce. Theodore não controlara o rubor em suas bochechas, nem o desviar de olhos para o lado tentando escapar da euforia.
— Não sei se você vai curtir...
Theodore prendera a respiração quando o perfume de Gabriel lhe envolvera em um abraço. As memórias que tanto lutara para afastar, desapareceram de sua cabeça dando lugar para registrar aquele doce momento.
Sem dizer nada em resposta, Gabriel estendia a mão pegando um dos fones e o colocando em seu ouvido. Por conta do fio curto, o moreno aproximou-se ainda mais do loiro, e somente então se dera conta da música que ele escutava.
Não era tão antiga quanto imaginava, mas lembrava do sucesso que a música fizera em seu lançamento. Muitas meninas de sua escola cantavam apaixonadas junto com o fenômeno do grupo musical. Ficara surpreso em descobrir que Theodore também gostava daquela música.
"Um anjo veio me falar
O amor chegou pra mim
Veio me mostrar
O sonho não tem fim
E não importa quanto tempo vai passar
(Vou te esperar)
E nunca foi tão forte assim
Eu ouvi um anjo me falar"
Gabriel não desviava os olhos de Theodore, ouvindo aquela música lhe envolver como um convite silencioso para aceitar a sua mensagem secreta. Diferente de si, o ômega não deixava de olhar a chuva no lado de fora transparecendo tranquilidade.
Aqueles dois garotos dividiam o fone de ouvido e ouviam a música romântica compreendendo a letra.
Ele estava tão perto de si. Ouvindo as mesmas músicas como se estivesse lendo cada sentimento que escondia. Theodore mexia os dedos sobre seu colo nervosamente, lembrando-se de que havia dito à seu melhor amigo sobre não demonstrar o que começava a sentir por Gabriel.
Mas era difícil.
Muito difícil.
Principalmente com ele estando tão perto.
"Quantas vezes com um beijo eu sonhei
Um carinho que eu nunca senti
Sei que um dia você vai estar aqui
Num sonho lindo (num sonho lindo)
Nos seus braços é onde eu quero estar"
Naquela tarde do vestiário, onde fora abraçado por trás e teve sua boca coberta pela mão grande e quente de Gabriel, Theodore fantasiava o momento ideal de ser beijado. Como seria o beijo daquele alfa? Seria carinhoso ou atrevido?
Suas bochechas ficaram avermelhadas, inconscientemente Theodore mordia o lábio inferior. Dando-se conta das fantasias que estava tendo, dessa vez acordado, ele não conseguia reprimir a vontade de olhar para o lado e desvendar os pensamentos de Gabriel.
Quando seus olhos azulados rolaram para o lado, encontrara-se com os olhos castanhos presos em si. E sem dizerem uma única palavra, aqueles dois garotos se encaravam presos nas próprias fantasias que uma singela música fora capaz de proporcionar.
"Todo amor que eu sempre procurei
Você veio me mostrar
Eu sei você é o meu anjo
O amor que eu sempre sonhei
Eu sei você é o meu anjo"
Oh... Certo. Houvera uma vez em que Theodore olhara para Gabriel pensando ter visto um anjo lhe estendendo a mão. No dia em que fizeram o trabalho na biblioteca, quando seu colega de classe se preocupou consigo e lhe presenteara com aquela visão tão estonteante.
Seria por isso que aquela música parecia conversar com Theodore?
Despertara de seus pensamentos quando sentira algo quente tocar-lhe os lábios. Piscando algumas vezes, até as pontinhas de suas orelhas ficaram quentes em ter o polegar de Gabriel passando por seu lábio inferior.
Estava mordendo-o inconsciente mais uma vez. Gabriel havia estendido a mão e lhe tocado os lábios com gentileza. Soltando o lábio, o ômega sentia seu rosto inteiro formigar com o toque quente que lhe era proporcionado. Não fazia a menor ideia de que cara estaria fazendo naquele momento, e por um instante desejou que não fosse patética.
Pois sentia que seria beijado.
Gabriel aproximava seu rosto lentamente do de Theodore, fitando seus olhos sem piscar e sem afastar a mão que repousara em seu queixo. Lentamente a distância entre aqueles dois ia diminuindo.
Deveria afastá-lo?
E se Gabriel estivesse brincando consigo?
Mas... Theodore queria tanto...
Com aquela proximidade, Theodore não deixava de observar os lábios finos de Gabriel. Queria beijá-lo.
Pelos céus, fazia tempo que desejava aquilo.
A angustia o fizera prender a respiração sem perceber, apenas esperando vir o toque quente sobre seus lábios.
Mas eles não vieram.
Na porta da sala de aula estavam paradas duas pessoas que assistiam aquela proximidade com terror. O capitão do time de vôlei apenas olhara sobre o ombro, esperando que a garota ômega criasse algum tipo de cena escandalosa. Inesperadamente ela se mantinha quieta atrás de si.
Suspirando pesado, Nicolas então abrira mais a porta fazendo barulho propositalmente, assustando os dois garotos sentados na janela tão próximos. Gabriel e Theodore se afastaram olhando assustados para a porta da sala, com o nervosismo de terem seu momento mágico assistido por alguém não convidado.
— O que estão fazendo sozinhos na sala?
Theodore engolira em seco, puxando o fone de ouvido de Gabriel para enrolá-lo e guardá-lo na bolsa junto com o Ipod. Então ele apenas sorrira para o seu melhor amigo, escondendo o nervosismo coçando a cabeça.
— Chegamos atrasado, então ficamos aqui já que começou a chover.
Nicolas se aproximou dos dois rapazes, encarando Gabriel com seu típico mau humor. Apontando com a cabeça para a porta, ele resmungava.
— Tua peguete tá esperando na porta.
— Minha o quê?
Theodore e Gabriel olharam para a porta, onde Sadie estava parada. Ela sorria e acenava para o seu paquera, sem ousar entrar naquela sala de aula. Então com um suspiro baixo Gabriel pulara da carteira e fora até a garota, deixando o ômega para trás.
Se aqueles dois não tivessem entrado na sala, Gabriel teria beijado Theodore? O loiro baixava o olhar para suas mãos enquanto seu melhor amigo se encostava na carteira da frente.
— O que tá rolando, Theo? Seu cheiro está começando a ficar forte.
Erguendo os olhos azulados para o amigo baixinho, Theodore suspirava erguendo os ombros.
— Não está rolando nada, Nico.
— Tudo o que peço de ti é sinceridade. Eu sei que tu gosta dele, mas se lembre de quem ele é amigo.
Pelo canto dos olhos, Theodore olhava para a porta da sala de aula onde Gabriel conversava com Sadie. Os dois pareciam próximos e sorriam um para o outro. Se davam bem, isso era óbvio.
— Como eu disse, não tá rolando nada.
— Esse cara tá se aproximando demais de você, Theo.
— Ele não pode simplesmente ser meu amigo? — Questionava o loiro com sinceridade — Por que você tem que ver alguma maldade nisso?
— Porque no final é você quem se fode. É você quem cria esperanças, quem mergulha de cabeça em sentimentos por pessoas que jamais serão capazes de retribuir.
Theodore respirara fundo fugindo o olhar pra janela, ouvindo a chuva aumentar junto com as trovoadas. Nicolas mantinha-se encostado na carteira, com os braços cruzados sobre o peito e o olhar raivoso sobre o seu melhor amigo.
— Eu te disse que engoliria cada sentimento, que não faria com que ele notasse...
— Não foi o que me pareceu. Se eu não tivesse entrado, o que faria? Deixaria ele te beijar?
— Nicolas! — Repreendia o loiro — Eu sei que está preocupado comigo, mas não precisa ser tão exagerado.
Bufando, Nicolas balançava a cabeça. Quando baixara os olhos, vira uma bolsa ao lado da mochila do amigo. Arqueando a sobrancelha, apontara para a mesma.
— Pra quê da bolsa?
Seguindo o olhar do amigo, Theodore suspirara baixo ao se lembrar do motivo de sua melancolia minutos atrás. Relaxando os ombros, se preparava para a segunda onda de preocupação.
— Depois da aula não poderei te ajudar no treino. Vou pra casa do meu pai.
Como esperado, Nicolas arregalava os olhos desfazendo toda a pose marrenta de antes. Ajeitando-se na mesa, inclinou-se para o amigo o fitando curiosamente.
— Foi ele quem te chamou? — Theodore concordara com a cabeça antes de suspirar. — Que merda... Pensei que nunca mais iriam se falar.
— Ele vai se casar de novo, e parece que ela quer me conhecer.
— Como você está pra ir?
Theodore não deixara de sorrir diante da preocupação de seu melhor amigo. Mesmo que Nicolas brigasse consigo por causa de Gabriel, ele não deixaria de estar pensando no seu bem estar. Principalmente quando o assunto envolvia romances e o pai de Theodore.
Se conheciam tão bem que o ômega não conseguiria esconder qualquer segredo de Nicolas. Não apenas pela confiança que tinham um no outro, mas por saberem quando escondem alguma coisa. Seria perda de tempo Theodore mentir e dizer que está confiante em visitar o pai.
— Estou com medo, mas não posso fugir, não é?
— Você poderia pedir pra tua mãe ter a sua guarda total.
— Até todo esse rolo passar eu já serei de maior. Só preciso aguentar até o ano que vem.
— Acha que ele vai fazer alguma coisa?
Theodore negara com a cabeça baixando a cabeça. Desde que certo assunto não seja tocado, o loiro conseguiria sobreviver a um final de semana na casa do pai. Pelo menos era o que esperava.
Nicolas encostara sua testa na do amigo, acariciando sua cabeça suavemente como sempre fazia quando estava triste.
— Qualquer coisa me ligue, tá certo? Irei te ajudar pro que for.
Soltando um riso baixo, Theodore sussurrara.
— Está falando igual ao Pete.
— Ele é um cara legal assim como eu. Por isso falamos do mesmo jeito.
A risada nasalada de Theodore dispersara a onda de preocupação que lhe assombrava. Mesmo assim, a chuva caía tempestuosamente no lado de fora.