Sentado com as pernas dobradas e a cabeça sobre os joelhos, Ingall dormia para tentar esquecer seu sofrimento, mas era difícil ficar desacordado por muito tempo naquela situação, o frio sempre voltava a acordá-lo. Suas roupas velhas, que não passavam de um monte de retalhos, restos de panos não aproveitados, não eram grossas o suficiente para aquecê-lo. Ele abraçou as pernas com as mãos algemadas a fim de se aquecer. Quando o frio dava trégua, era vez da fome acordá-lo. Desde que chegara ao acampamento não recebera nenhum tipo de alimento, seu estômago gemia e se contorcia. Por sorte alguém se lembrara de lhe dar água, um grande balde com água fresca coletada do rio, a água mais limpa que ele devia ter bebido em anos. O coração do gigante se encheu de jubilo com a água. Ao ser atingido pela fome e o frio novamente, desejou nunca ter saído do calabouço.
O sol começava a se erguer novamente. O gigante acordou com o capitão gritando algo que ele não entendeu. Ingall esfregou os olhos e olhou para cima com dificuldade por conta da claridade. O capitão estava rodeado de arqueiros com seus arcos retesados, podia ver as lanças erguidas um pouco atrás.
– Vamos logo, monstro! – Lendall esbravejou. – Levante-se e estique os braços para cima.
Ingall seguiu as ordens o mais rápido que conseguiu, escorando-se nas paredes do fosso para não perder o equilíbrio com o sono. Suas mãos poderiam alcançar a borda se desse um grande salto, mas duvidava muito que conseguiria, estava fraco demais. Ainda não conseguia entender o que pretendiam fazer com ele ali. Então viu um homem com uma corda amarrada da cintura aos ombros se pôr ao lado do capitão.
Era um dos novos soldados, Ingall podia ver. Era sempre assim, os novatos deviam passar por provocações dos veteranos, e o gigante era sempre a ferramenta perfeita para assustá-los. O jovem soldado estava encarando-o com os olhos esbulhados, suando frio, tremendo e paralisado. Ingall vira aquilo tantas vezes que chegava até mesmo a se questionar se não era sempre o mesmo soldado. O capitão e alguns dos homens riam da cara pálida do rapaz assustado, outros mantinham seus olhos fixos no gigante, tão apavorados quanto o jovem.
– Desça e tire a algema, garoto - Lendall disse, entregando duas chaves para o novato. - Apenas a mão esquerda, não se esqueça. Manter a algema na outra mão é o que faz a fera se sentir coagida, um lembrete de sua servidão. Caso contrário, ele pode esmagar sua cabeça como uma azeitona. Entendido?
– Sim, senhor – o jovem soldado respondeu com a voz trêmula.
O soldado desceu vagarosamente pela corda, que provavelmente estava sendo segurada por outros novatos, Ingall supôs. Ele suava a ponto de deixar sua camisa molhada enquanto girava as chaves na algema do punho esquerdo do gigante. Ao soltar a algema, Ingall fez menção com a cabeça para agradecê-lo, mas o jovem não parecia mais tranquilo com aquilo, na verdade estava ainda mais assustado e implorava para que o puxassem de volta. Os homens gargalhavam e limpavam as lágrimas de seus olhos, Lendall ordenou que deixassem o rapaz ali por mais algum tempo para poderem se divertir um pouco mais. Quando finalmente parou de rir, ajudou a puxar o soldado para o topo, o qual saiu correndo no mesmo instante. Risadas e mais risadas.
– Muito bem, homens. Agora vamos levar isso a sério – disse o capitão, contendo o riso. – Besta, escale até aqui e vamos começar o trabalho.
Ingall estava confuso, não sabia como poderia fazer aquilo.
– Vamos logo! Nós planejamos tudo isso para você, idiota! É só colocar a mão ali.
Lendall apontou o dedo para a parede às costas de Ingall, que se virou e viu rochas que tinham o tamanho exato de sua mão. Não sabia como não tinha enxergado aquilo antes, estava cego pelo medo. Ingall esticou a mão esquerda e se agarrou às rochas, tentou puxá-las para baixo, mas não saíram do lugar. Só havia espaço para uma de suas mãos, teria que erguer todo seu peso com apenas uma delas e tentar alcançar a borda com a outra, o que não seria possível se suas mãos continuassem atadas pelas correntes curtas. Ingall tentou puxar-se para cima, mas estava fraco e caiu, sentindo dor em seu tornozelo esquerdo.
– Ponha os pés nas paredes, estúpido! – o capitão gritou.
Ingall se levantou, agarrou a rocha com a mão esquerda e pressionou o pé direito contra a parede ao lado. Teria que dar um pequeno salto com a perna esquerda para se impulsionar para cima. Tinha pensado em tudo, dessa vez daria certo e logo estaria livre daquele buraco. Pulou, puxou seu peso com a mão esquerda, usou o pé direito como apoio, esticou a mão direita para alcançar a borda e então o pé esquerdo contra a parede. A dor do tornozelo recém machucado correu por seu corpo como um raio, derrubando-o mais uma vez.
– Eu não acredito nisso. – Lendall lamentou. – Eu vou matar aquele idiota do Yorg! Conselheiro de merda!
Ingall estava caído, tentando se ajeitar no buraco para se sentar e descansar. Ele arfava com o esforço, sentia vontade de vomitar, mas seu estômago estava vazio demais para isso. Seu tornozelo ardia em dor e ele temia ter se machucado de verdade. Olhou para cima e viu seu mestre desesperado, andando de um lado para o outro, passando a mão pelos cabelos castanhos e xingando à todos.
– Vamos, seu idiota! – Lendall berrou lá do alto, colocando as mãos sobre os joelhos. – Se você não sair daí mando esses homens acabarem com sua vida agora mesmo.
Ingall sabia que não era verdade. O rei jamais aceitaria perder seu gigante por jogarem-no num buraco de onde não podia ser tirado. O sucesso e até mesmo a vida do capitão dependia da sobrevivência de Ingall. Poderia ficar sentado ali naquele buraco até cavarem uma saída para ele, ninguém o mataria. Mas poderiam machucar e deixá-lo com fome por mais dias. Ingall não estava disposto a se arriscar para descobrir.
Ele se levantou com calma, encarou a parede e suspirou. Mão sobre a rocha, pé contra a parede, joelho flexionado. Os arqueiros observavam com atenção, esquecidos de sua função.
– Pula, desgraçado! – Lendall trovejou.
O gigante pulo, puxou e se esticou, alcançando a borda sem o auxílio do pé dolorido. A mão enorme afundou os dedos sobre a terra dura, e logo veio a outra. Puxando-se para cima, com os braços tensos, Ingall finalmente estava do lado de fora. O capitão deu um grito de alegria, homens comemoraram o feito do gigante e, por um instante, Ingall sentiu orgulho de si mesmo. Mesmo com fome e fraqueza, vencera um buraco com quase o dobro de seu tamanho. Homens já voltavam a apontar suas lanças para seu rosto, mas ele não se importava, estava acostumado com aquele tratamento.
Ele estava sendo guiado para seu trabalho na floresta, as ofensas e olhares tortos já voltavam a cercá-lo, ainda assim, um pequeno sorriso contido se pintava no rosto de Ingall, pois acabara de descobrir que era capaz de se livrar.