Ingall mal sentia a dor, suas costas estavam dormentes. Lágrimas escorriam por seu rosto como cascatas, mas o gigante chorava em silêncio. Não tinha forças nem coragem para se levantar. Dessa vez não teria sacerdotes para cuidar de seus ferimentos, sabia muito bem disso. Mas também não achava justo.
Não era justo que ele tivesse que pagar pelos erros de Walden daquela forma. Walden, o homem que matara gigantes. Não era justo que o deixassem passar fome tantas vezes. Volken, o homem que o acusava de todos os males. Não era justo que o jogassem num buraco em que não tinha espaço para se deitar à noite. Lendall, o homem que o humilhava desde que se conheceram. Não era justo que fosse retirado de sua mãe tão cedo e o forçassem a assistir sua morte. Yorg, o homem que dizia aos soldados para matarem ao menor sinal de descontentamento de um gigante. Não era justo que tivesse que passar anos e anos em cativeiro, servindo calado, sendo humilhado e violentado, gerando riquezas para um homem rico que preferia estar sempre longe para poder viver em conforto sem presenciar os horrores cometidos por seus súditos. Ruzgar, o rei tirano fantasiado de benevolente.
O coração de Ingall batia forte e ardia em chamas. Um sentimento que negava o tempo todo, mas era impossível não encará-lo agora.
Sentiu algo bater em suas costas e se assustou, sendo arrancado de seus pensamentos. Então foi atingido mais uma vez, e outra. Suave e molhado. Ingall ergueu a cabeça e encarou o céu escuro. Gotas de chuva caíram pesadas sobre seu rosto. Um raio cortou o céu negro e iluminou a manhã escura. O som demorou a chegar aos ouvidos, mas era forte como se o raio tivesse caído logo ao lado.
Ingall se banhou como podia com a chuva que conseguia cair no buraco. Rasgou os panos que chamava de camisa e deixou a água cair sobre suas feridas. Não conseguia se livrar totalmente da camisa. Estava presa nas correntes, assim como ele.
Um pensamento lhe ocorreu, um pensamento que lhe causava medo. Walden podia ser um mentiroso, mas tinha razão sobre uma coisa. Ingall não podia mais continuar a aceitar seu cativeiro, era preciso abraçar a oportunidade que a tempestade lhe mostrava.