Ao entrar se deparou com a mãe assistindo tv. Tentou passar despercebida, mas a mãe a chamou obrigando-a a sentar no sofá junto a ela. A mãe avaliou seu rosto mordendo o beiço assim como a filha faz. Uma mania decerto que herdara da mãe.
- Eu quero falar – disse erguendo uma sobrancelha.
- Sobre? – indagou Lúcia arqueando as duas sobrancelhas.
- Você e o filho de Mayara.
- O que tem?
- Nada. Só andei observando vocês. Quero saber se tá tudo bem.
- Eu não sei mãe – respondeu.
- Como assim?
- Na real não sei como decifrar o que sinto no momento. Não sei o que tá rolando entre a gente.
- Então eu acertei.
- Acho que sim. Mas é complicado.
- Entendo minha linda – acariciou os cabelos da filha. – Quando tinha 17 anos conheci seu pai. No começo minha família não aceitou por eu ser muito nova pra casar. Mas eu já tava gravida de você. Foi a maior felicidade e confusão também. Nem imaginava como era ser mãe e muito menos ter outra vida dentro de mim. Se foi complicado pra mim, imagina vocês dois.
- Por que acha que é mais complicado para nós do que foi com você e papai?
- Na real não é complicado. É pior.
- Pior.
- Sim. Vocês tem quase a mesma idade, por mais que pensem da mesma forma e tenham seus sonhos juvenis...
- O que você tá querendo dizer mãe?
- Que se vocês não se cuidarem sabe...
- Que?
- Podem acabar ou melhor você pode acabar como eu.
- Mãe? Espera, você acha que eu e o Marcos estamos tipo...
- Ah... Não estão?
- Não.
- Ai querida eu... Desculpe.
- Eu posso subir agora?
- Sim.
Ela beijou a mãe no rosto e correu escada acima. Não esperava que a mãe fosse achar que ela e o amigo de infância tivessem uma relação mais intima. Mas no fundo nem ela mesmo sabia o que estava acontecendo com seus sentimentos. Fechou a porta do quarto suspirando e se jogou na cama. Ficou a olhar o teto decorado com estrelinhas neon onde havia escrito "MEU SONHO" e um desenho de uma bailarina. Pensou no seu pai e como Marcos fora sortudo em ter estado tão perto dele na cidade que mais deseja realizar seu sonho. Esticou a mão para abrir a gaveta e pegar seu amado diário. Ligou o mp3 na sua cantora predileta e começou a escrever.
R...
Ai, ai Rapunzel! O que eu faço? Tive a conversa mais inesperada com minha mãe. E com aquela foto e o espinhoso me trancando no quarto dele foi a gota para minha mãe logo sacar que tava rolando alguma coisa entre nós. Pior ela ter pensado que nós estávamos transando?
Atrevido, atrevido... Ai que raiva.
Por que eu sempre caio na dele, me diz? É como se ele tivesse um ima que sempre me leva de volta para as mãos dele. Toda vez que ele me toca um magnetismo acontece frisando todo meu corpo, e é impossível escapar dele. Ele tem a capacidade absurda de me capturar e me prender nas suas garras de espinho.
Será que estou apaixonada Rapunzel? Será...
Fechou o diário e o prendeu no peito, observando o teto estrelado novamente. Ligou o laptop sobre a cama e abriu no feed do site Fighterboy.
"Com vocês, mais uma do furacão punho de espinho" leu.
-Ai Deus! – resmungou clicando no vídeo. – Ai, como ele teve coragem de fazer isso? E como um cara pode ser popular por isso? Absurdo. Ainda vou descobrir onde é esse tal clube. Talvez eu posso fazê-lo parar, isso pode acabar mal pra ele – comentou sozinha. Ficou algumas horas assistindo outros vídeos de luta, até que bateu o sono e dormiu.
Marcos não resistiu e entrou pela janela do quarto de Lúcia. Trancou a porta por precaução. Arrumou o laptop dela e abriu seu diário. Ficou impressionado com o que leu. Soltou o diário. Cobriu ela com a coberta e fez um carinho nos seus cabelos. O cheirou.
- Você não sabe o quanto eu estou louco para te agarrar, minha Lúcia – disse baixinho. – Mas eu não posso ainda, prometi a teu pai que ia cuidar de você por ele aqui e eu vou fazer. Saiu do quarto descendo pela arvore voltando pra casa.
Sua mãe Mayara o surpreendeu abrindo a porta. Ele arregalou os olhos assustados.
- Mãe? Que tá fazendo?
- Eu é que pergunto querido, o que você tá fazendo invadindo o quarto dos outros, que modos são esses?
- Eu não to invadindo quarto de ninguém, você deve tá dormindo senhora Maya.
- Não fale assim comigo, eu te conheço garoto – ela trancou a porta e o fez sentar no sofá para iniciar uma conversa que Marcos não tava nem um pouco afim de ter, após ser flagrado vindo da casa de Lúcia.
- Não to afim de papo mãe.
- Ah, mais eu to camarada.
- Nossa que modos são esses dona Mayara?
- Viu, ainda tenho jeito com garotos da sua idade. Fica ai e conta o que tá havendo.
- Havendo com o que? Que eu saiba não tá havendo nada.
- Você não me engana menino, conta logo. Você prende a filha da Clarice no seu quarto e depois como um gato de botas invade o quarto da moça e diz na cara de pau que não tá havendo nada? – ela o encarou esperando uma resposta.
- Mas é isso, não tá rolando nada – deu de ombros abrindo os braços para os lados.
- Olha eu gosto muito da minha amiga e da filha dela que por sinal tá uma moça linda, tipo que arrasa quarteirões. Não quero você dando um de Dom Juan com a menina e depois fazê-la chorar.
- Mãe eu não to fazendo nada. A gente é só amigo e estamos cumprindo um castigo que o diretor do colégio deu.
- E esse castigo inclui tudo isso?
- Não. É que na real eu não sei. É diferente ver minha amiga de infância assim. Isso me confunde muito.
- Sei meu querido. Mas se houver algo mais profundo entre vocês, peço que tenha cuidado. O coração de uma mulher é um campo minado de fragilidades. Não sou contra você e ela serem namorados.
- Namorados? De onde você tirou isso – se levantou indo em direção a cozinha. – E mesmo que role alguma coisa, não serei canalha como aquele deputado que te largou na mão. Eu vou fazer direito. Boa noite senhora Maya – então entrou e se trancou no quarto.
Mayara sentiu um aperto no coração quando o filho mencionou o pai. Foi o único homem a qual se entregara de verdade, depois só se dedicara a cuidar do filho. Na época quando o conheceu, sua mãe Zilda trabalhava de cozinheira na casa dos pais de Ricardo Donavan. As duas moravam num terreno que os pais de Ricardo havia cedido para que ficassem perto do trabalho. Mayara começara a trabalhar de faxineira na casa para ajudar a mãe e as vezes a substituía quando ficava de folga ou doente. Os dois logo ficaram amigos, mas Mayara sabia qual era o seu lugar. No entanto o rapaz queria investir mais. Seus pais jamais aceitaria que o filho se casasse com a filha da empregada. Ricardo fizera de tudo para conquistar Mayara e conseguira a muito custo. Ela lutara arduamente para evita-lo, quando viu já estava em seus braços amanhecendo numa cama ao seu lado. Ele fora um tremendo trapaceiro, após convencê-la a ir a uma festa na casa de um amigo. A dopou com bebidas e levou para o quarto até conseguir o que queria.
"Agora meus pais não vão me impedir de se casar com você linda, até que se passe nove meses" lembrara do que ele dissera quando acordara com enxaqueca. Ele a engravidou de propósito para convencer os pais a deixa-lo livre com sua escolha. Mas tudo fora em vão mesmo depois dos dois terem noivado, o bebê ter nascido e morado um tempo juntos. O próprio Ricardo se convencera que o que fizera fora inconsequente e imaturo e até acreditara que nunca a amara de fato. Que fora apenas uma rebeldia para se opor a autoridade dos pais sobre ele, sobre seu futuro. Se separara de Mayara com Marcos ainda pequeno. Voltara a fazer faculdade de direito e refez as pazes com os pais. Mayara por sua vez perdera a oportunidade de realizar seus estudos, viver sua adolescência cheia de sonhos e objetivos. A única coisa boa de tudo isso fora seu filho que amava mais que tudo. Por um tempo não quis ajuda de Ricardo para se sustentar com o filho. Fez uns cursos e se virou trabalhando como faxineira. Sua mãe Zilda recebera todos os benefícios trabalhistas depois que fora despedida e acusada injustamente de golpe da barriga. Ricardo a obrigou praticamente a aceitar ajuda. Comprou-lhe uma casa quando soube que viera morar em Curitiba com a mãe. Ela vendeu a casa e comprou outra, mas em outro bairro, na qual Ricardo não sabe até agora. Com a pensão que ele se propôs a dar todo mês, Mayara viajara para os Estados Unidos e morou lá trabalhando no hotel de luxo e deixara seu irmão Gilberto levar Marcos para Tailândia para estudar artes marciais. Porém depois que recebera o diagnóstico da doença tudo mudara.