O celular tocou insistentemente, despertando Lúcia do seu confortável sono. Alongou-se brevemente e tentou alcançar o celular que ao toque preguiçoso de seus dedos caiu no chão alarmando cada vez mais. Olhou rapidamente a hora no radio despertador. Nove horas da manhã de sábado. Enfim quando tomou posse do aparelho, atendeu. Do outro lado a voz desesperada de Rafaela vibrou eletrizante.
Fone 1: Ai, que desespero Rafa, assim vai estourar os meus tímpanos amiga.
Fone 2: Achei que nunca ia atender esse celular garota.
Fone 1: Calma Rafa, o que tá acontecendo para você tá tão eletrizada essa hora da manhã. Hoje é sábado sabia?
Fone 2: Por isso mesmo Lú, hoje é sábado, e sabe que dia é hoje?
Fone 1: Acho que sim, ou, não.
Fone 2: Hoje vai ter aquele maior festão no Clube Fliperama, esqueceu?
Fone 1: Ah!
Fone 2: Você só diz ah. Agora que você não tá mais no Cisne Dourado...
Fone 1: Fala baixo, minha mãe nem sonha que eu sai do grupo de balé.
Fone 2: Tá bom, relaxa. E ai você vem?
Fone 1: tenho que ver minhas economias para passagem de ônibus, acho que meu cartão não tá cheio.
Fone 2: Não importa, meu pais deixaram eu ir, então passo ai de carro com meu pai pra te buscar, ok.
Fone 1: Ok, assim fica melhor.
Fone 2: Você já tem um estilo legal, vê se vai como uma roupa bem bacana só para dá inveja nas recalcadas ok. Te amo amiga, mas tarde te pego ai, beijos.
Fone 1: Beijos. Desligou.
Olhou ao redor do quarto e estranhou. As coisas não estavam no lugar antes dela ter adormecido na noite passada. Ou será que ela tivera forças contra o sono e arrumara o laptop na mesa junto ao diário e puxado a coberta? Desistiu de pensar nisso e saiu da cama. Preparou a banheira para um banho. Abriu o guarda-roupa e escolhera uma blusa larga e uma legue. Entrou no banheiro e afundou na agua. Relaxou uns minutos tentando deixar a mente vazia. Mas era impossível, o telefonema de Rafaela persistia em lembrar que teria de ser sincera com sua mãe e contar a verdade de que saíra da companhia de dança. Na qual lutou muito para conseguir entrar. A essa altura não tinha mais razão de esconder, e alongar a conversa sobre o assunto seria mais que uma tortura. Uma parte do seu sonho fora quebrada e a culpa fora atribuída somente a um garoto. Talvez fosse injusto ou não. Pensou. Mas precisava consertar este erro, e o evento cultural de dança é o que precisa para não deixar que outra parte do sonho não desmorone de vez. Saiu e se enrolou no roupão de banho. Enxugou os cabelos e secou no secador. Se vestiu e penteou os cabelos. Passou um gloss nos lábios e quando foi abrir a porta do quarto para descer se surpreendeu que estava trancada. Uma sensação de invasão cobriu seu estomago faminto. Não teria trancado a porta mesmo antes de cair no sono. Pensou. Nem sua mãe o teria feito. Com olhar desconfiado foi até a janela que estava com as trancas soltas, refletiu e lembrou que esquecera de fechar. Abriu e olhou para fora como se quisesse encontrar seu cachorro, que latia no portão. Ao pousar as mãos no apoio de madeira sentiu areia roçar as palmas de suas mão. Logo se deu conta que alguém entrara pela janela. Concluiu que só uma pessoa poderia ter feito isso. Marcos. Bufou zangada ao imaginar ele sorrateiramente escalando a arvore até empoleirar sua janela e se atrever a mexer nas suas coisas. Num passo ligeiro pegou seu diário no criado mudo e apertou entre os braços. Seu estomago embrulhou só de pensar que outra pessoa poderia ter aberto seu diário e lido o que estava escrito em suas linhas. Soltou um suspiro de alivio ao ver que o diário estava bem fechado. O trancou em outra gaveta dentro do seu guarda-roupa para o manter protegido. Ele continha seus segredos e momentos mais preciosos registrados com muito esmero.
Tinha coisas que jamais em hipótese alguma, não contaria nem para sua melhor amiga. Todos os seus sentimentos dependiam de cada palavra pensada e escrita, isso os mantinha vivos, mantinha viva suas doces lembranças e decepções. Parte da sua vida estava minuciosamente catalogada em cada página dele. Trancou bem as portas do guarda-roupa também e escondeu a chave em um local que só ela saberia. Respirou fundo enquanto fazia um coque simples no cabelos. Abriu a porta do quarto e desceu. Sua mãe já havia saído bem cedo para trabalhar. Preparou seu café da manhã. Lavou a louça na pia e organizou a cozinha. Colocou agua e ração para o cachorro. Arrumou a sala ao som alto do home theater. Voltou no quarto e o organizou, e lavou o banheiro. Depois vasculhou no guarda-roupa uma roupa que pudesse ir a festa. Ficou em dúvida sobre várias peças.
Analisou um conjunto que poderia formar e finalmente escolheu a roupa. Quando pensou em ligar para mãe para avisar que sairia, desistiu. Sua mãe sabia que aos sábados sempre saía para se apresentar com o grupo de dança. Não lhe veio na cabeça nenhuma desculpa que pudesse usar para distrai-la. Se confiou no fato de nenhuma notificação ter chegado ainda, seja da escola ou da companhia de dança. Suspirou determinada. Se despiu e colocou o sutiã e calcinha. Sentou à beira da cama e massageou o corpo com hidratante que exalou um perfume suave aprofundando a maciez de sua pele. Fez uma máscara com creme esfoliante para acnes do rosto e esperou por 20 minutos. Enquanto isso ligou para Rafaela que contou quem mais iria a festa também. Depois tirou a máscara e apalpou as maças do rosto para ver como tinha ficado.
Por fim vestiu o conjunto que havia formado com as peças que tinha escolhido. Uma calça jeans preta com zíperes que se destacavam por seu dourado na trás e dos lados. A calça era justa e desenhava bem suas pernas e bumbum. Antes da blusa pós um corset preto de laicra. A blusa não era muito larga, tinha mangas curtas que cobriam os ombros apenas. Na frente uma imagem com a bandeira dos Estados Unidos e a estátua da Liberdade brilhavam pelo gliter pintado nela. Enfeitou as orelhas com brincos pequenos e simples. Fez uma maquiagem suave, caprichando apenas no batom rosa escuro. Soltou os cabelos e o ilustrou apenas com algumas mechas claras artificiais com apliques que logo se misturaram com suas madeixas longas quando os sacudiu, dando-lhe um aspecto moderado e chamativo. Espichou um perfume. Botou os saltos pretos que tinham um brilho lustrado. Trancou bem as portas e janelas da casa. Rafaela chegara cedo e a esperava em frente a casa. Saiu do carro assim que viu Lúcia. Girou apresentando seu estilo.
- Rafa! Você tá show – disse Lúcia admirada. – Você mudou o cabelo.
- Minha mãe deu um toque magico e consertou o meu erro – fez uma careta.
- Adorei as trancinhas vikings – disse passando os dedos no penteado de Rafaela.
- Você também tá arrasando. Vamos.
A duas entraram no carro e foram pra festa.