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Chapter 2 - Renascer

São Francisco, Califórnia (2 de março, 2025 D.C.)

Quem sou eu? Essa era a pergunta que vagava pela minha mente, mas talvez essa fosse a resposta mascarada de dúvida. Nós humanos vivemos nossas vidas em busca da verdade, mas, e quando a verdade estiver além daquilo que pode ser visto? Aceitaremos a mentira e viveremos como se ela fosse verdadeira? Lá estava eu, em meio à noite chuvosa, perdida naquele celeiro, rodeada por dezenas de corpos mutilados, a única sobrevivente de um terrível massacre. Ao caminhar em direção à saída, sinto dor em meu corpo e o abrir das minhas feridas. Porém, uma sensação repentina faz com que todas as outras sejam rapidamente esquecidas: um toque gelado em meu tornozelo direito, acompanhado de sons que nem parecem humanos. Eu contemplo apavorada aquilo que me segura, e vejo um homem decrépito arrastando-se pelo chão como alguém que implora por ajuda. Seu corpo raquítico e sua barba mal cuidada me dão ânsia de vômito, assim como as roupas imundas e fétidas que veste.

— Quem é você? Pode me soltar, por favor? — questiono aquele velho imundo.

O homem ri em resposta, uma risada tão bizarra que mais se assemelha a um choro.

— Me solta! — grito irritada.

O homem segura ainda mais forte. Em um momento de medo e raiva, eu impulsivamente me viro por completo e o chuto com minha outra perna, acertando-o no rosto e causando um sangramento em seu nariz. Em seguida, o sentimento de culpa vem à tona.

— Me desculpe, senhor! Juro que não queria ter feito isso.

Ao dizer estas palavras, vou em direção ao velho para ajudá-lo, mas, ele estende sua mão na minha direção, negando a minha aproximação, enquanto se levanta desorientado.

— Não tenha pena de mim, garota. Ocê não tá acostumada a fazer isso? — diz o homem com uma voz tremida.

— Claro que não! Por que eu bateria em alguém que nem conheço?

Ele ri de maneira grotesca mais uma vez.

— Agora eu entendi... Tu não é daqui, certo?

— Não sei... Acho que não lembro de nada...

Repentinamente, a voz do homem fica séria, perdendo seu tom de deboche.

— Certo... Eu nunca tinha visto alguém assim. Cê não deve ter matado ainda, deve ter só um bocadinho.

— Devo ter o quê?

Ignorando minha pergunta, o homem se dirige sem pressa a um armário que estava no canto da sala.

— Tudo bem, tudo bem, eu vou te ajudar. Ocê precisa de ajuda, né? Não tem como sobreviver nesse mundo sozinha. É, cê precisa de ajuda... Precisa mesmo de ajuda. Prometo que vou te ajudar... É... Ajuda... Ajuda... É, vou ajudar... — O velho resmunga procurando algo naquele armário com itens de tortura.

Após pegar alguma ferramenta, ele caminha lentamente em minha direção com um sorriso no rosto.

— Tá tudo bem com o senhor?

De repente, posso sentir algo cortando o ar em alta velocidade, fazendo com que meu corpo instintivamente salte para trás e desvie daquela ameaça. Na mão daquele homem, pronto para me matar, há uma tesoura enferrujada.

— Você ficou maluco!? — Eu grito ofegante, liberando todo o ar que existe em meus pulmões.

Droga! Não consigo controlar a minha respiração! Por um instante, é como se todo o meu sangue tivesse parado de correr pelo meu corpo. Então, o homem entra em uma desajeitada postura de combate e diz:

— Nesse mundo, tu tem que fazer uma escolha: É matar ou morrer, tendeu garotinha!?

Mais uma vez a lâmina da tesoura corta o ar, mas eu esquivo para evitar a segunda investida. Merda... Como é difícil pensar em algo numa situação dessas!

— Eu prometo que vou te ajudar muito, depois que me der essa delícia que existe em você, tá legal?

— Do que você tá falando, seu boçal!?

Avançando ferozmente contra o homem, desfiro um soco em seu rosto que faz com que ele dê alguns passos para trás.

— Magnífico, majestoso, maravilhoso! Me deixa provar mais, eu quero mais!

Sem esperar nem mais um minuto, corro para socar sua barriga. Porém, o velho reage com uma risada, como se estivesse gostando da dor que causei.

— Já chega! Essa briga não possui propósito algum. — digo para acalmá-lo.

— Certo... Certo, agora é minha vez!

Ignorando meus dizeres, o homem se lança para frente, buscando novamente apunhalar-me com a tesoura. Contudo, eu seguro seus braços de modo a evitar aquele ataque.

— Uau, quanto força! — Ele debocha.

O velho dá uma cabeçada contra o meu rosto, me forçando a soltá-lo e deixando-me desnorteada por alguns segundos. Com isso, sinto repetidas estocadas sendo direcionadas ao meu peito, rasgando meus órgãos internos. Nesse momento, uma dor indescritível toma conta de meu corpo, enquanto o homem decrépito me observa sorridente.

Isso não pode terminar assim... Se for para morrer desse jeito ridículo, eu, no mínimo, preciso levar ele comigo. Então, ao recuperar os meus sentidos, corro o mais rápido possível contra ele e, agarrando-o com toda a minha força, lanço nossos corpos ao chão.

— O quê?

Despreparado para a minha investida, o homem deixa cair a tesoura, abrindo ainda mais espaço para que golpes sejam desferidos contra sua cabeça.

— Sua putinha!

Eu golpeio o rosto dele duas vezes, e então o homem diz com uma voz alegre:

— Excelente!

Eu golpeio seu rosto pela terceira vez e sangue começa a escorrer pela sua face.

— Cê vai se transformar em um monstro ainda pior que eu, uma grande assa...

— Vai à merda!

Cansada de ouvir suas frases sem sentido, silencio o homem, colocando minhas mãos sobre seu pescoço até sufocá-lo. Apesar de suas vãs tentativas de se soltar, ele não pode fazer nada enquanto o ar se esvai rapidamente de seus pulmões. Isso tudo me causa uma estranha sensação... Parece que foi tão excitante! Como posso pensar assim? Por que matar esse velho doente me fez sentir tão bem, tão realizada?

Toda essa euforia leva o sangue até os meus lábios e me lembra daquela dor insuportável que por um milagre eu consegui me esquecer. Então, eu me levanto e tento caminhar para fora do celeiro.

Enquanto lutávamos lá dentro, a chuva não deixou de cair em momento algum. Este é um ambiente onde não existe muita coisa, só alguma grama seca e outros celeiros de mesmo tamanho. Com o intuito de sobreviver, coloco a minha mão sobre o ferimento em meu peito para fazer pressão, mas isso tudo é muito doloroso, até respirar se tornou uma tarefa difícil e a água da chuva torna tudo ainda pior. Não adianta, não vou aguentar por muito tempo... Preciso pedir ajuda a alguém. Sendo assim, ando por mais alguns minutos até sair completamente do terreno, mas, antes de chegar na rua, deparo-me com um gato preto que atravessa o caminho.

— Um gato preto... Será que tem como meu dia piorar?

O estranho fato de minhas lembranças estarem limitadas a coisas fúteis e estúpidas como essa, sem incluir a minha própria identidade, meu nome ou de onde vim, me incomoda profundamente.

Logo depois disso, alcanço as ruas da cidade vazia que, apesar dos altos prédios e algumas luzes, não possui carros ou pessoas na rua, com uma atmosfera abandonada, mesmo nessa noite fria e chuvosa. Distraída com essa situação, deixo por um momento a fraqueza vencer meu corpo e caio em uma poça de água.

— É claro... Nem mesmo alguém como eu conseguiria ficar viva depois de sangrar tanto.

Pelo menos, eu posso morrer com a visão do meu rosto refletido na água... Apesar de tudo já estar ficando embaçado a essa altura.

— Verifica essa mulher pra mim, por favor. — diz uma voz masculina.

— Sim, senhor!

Três homens uniformizados se aproximam de mim com trajes militares brancos e com alguns detalhes em vermelho na máscara. Em seguida, um deles coloca algo como uma pistola em minha testa.

— Quanto deu?

— Um número bem baixo, tenente.

— Então significa que ela tem bem pouco...

Do que é que eles estão falando?

— É um prazer, moça, eu sou o tenente Alex Cruz, Corporação EDEN. Qual é o seu nome?

— Eu... — tento respondê-lo, sem forças para dizer algo.

— Ok, vamos direto ao ponto. Quantos a senhorita matou?

— Eu…

— Ela parece ter perdido muito sangue, tenente. — O homem que até agora estava em silêncio responde.

— Realmente... Bem, você sabe o que fazer, sargento Rox. Amarra ela e coloca na caminhonete, é melhor levarmos logo pra lá, antes que venha a se tornar perigosa.

Os homens fazem alguns dos primeiros socorros, colocam amarras por todo meu corpo e me deixam na caçamba de uma caminhonete, acompanhada por um dos soldados, enquanto o sargento e o tenente vão dentro da cabine.

— E o que vamos fazer se ela morrer, tenente? — questiona o soldado.

— Não é da nossa conta, nós não temos absolutamente nada a ver com isso.

— É sério? Ela deve ser bem resistente pra ter se mantido esse tempo todo.

— Tu tá me zoando, Rox? Eu sei que você tá de olho nesse cadáver ambulante desde que a gente encontrou.

— Não é bem assim...

— Tu pensa que me engana!? Eu sei que tu ama um presuntinho desses! Nem mesmo depois de velho cê deixa de ser esse canalha imundo que você é.

Esses homens são como vermes repugnantes...

— Ei pessoal! Vamos mudar de assunto, ok? — exclama o soldado.

— Ah, desculpa jovem, eu tinha me esquecido que você era assim... Cheio de frescuras! — Alex gasta o soldado.

— Não, que isso, vamos respeitar o cara. Sobre o que você quer falar, meu colega?

— Olha, o que vocês acham que a corporação vai fazer quanto ao culto lá da floresta?

— Eu acho que nada, e você, Rox?

— Se eles não se meterem com a gente, acho que tá de boa. O Harvey tem muito mais o que fazer do que só ficar prestando atenção em mais alguns selvagens malucos.

— Mas, que porra...

— O que foi, tenente?

Um homem se posiciona na frente do caminho...

— Sai da frente, filho da puta!

E o carro se choca contra ele...

A parte frontal do carro fica amassada, formando perfeitamente a silhueta daquele homem com o qual se chocou. Na verdade, contrariando toda e qualquer lógica, o homem não parece ter sofrido um arranhão. Ao mesmo tempo, eu e o soldado que estávamos na caçamba somos lançados na estrada, enquanto o veículo e os seus outros passageiros são lentamente consumidos pelas chamas.

— Droga, isso dói pra caralho. Acho que quebrei o meu braço!

Mais ao longe, é possível observar um senhor de idade, careca e de jaleco branco andando até nós, enquanto o soldado grita e chora de dor.

— Não! Por favor, não me mata! — grita o soldado

— Muito tarde, meu amigo...

O senhor dá um tiro na cabeça do soldado.

— Desculpe a demora, moça, você deve ter escutado coisas terríveis desses homens. Mas, não se preocupe, a partir de agora você trabalha pra mim.

— Eu... Não me lembro de ter concordado...

— É melhor não se esforçar muito para falar, garota. Mas, não se preocupe! Em poucas horas todos esses ferimentos vão sumir e você vai estar em lugar muito melhor que esse, prontinha para sua missão.

— Mas, eu...

O homem coloca suas mãos sobre a minha cabeça e lentamente tudo começa a escurecer, aos poucos vou perdendo minha consciência e meus sentidos desaparecem.

...

...

...

Será que ele sabia de algo? Pois é... Nem deu tempo de perguntar a ele sobre mim...

...