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Chapter 4 - Pior do que se esperava

E ao anjo da igreja que está em Filadélfia escreve: (…)

Conheço as tuas obras; eis que diante de ti pus uma porta aberta, e ninguém a pode fechar; tendo pouca força, guardaste a minha palavra, e não negaste o meu nome.

Eis que eu farei aos da sinagoga de Satanás, aos que se dizem judeus, e não são, mas mentem: eis que eu farei que venham, e adorem prostrados a teus pés, e saibam que eu te amo.

Como guardaste a palavra da minha paciência, também eu te guardarei da hora da tentação que há de vir sobre todo o mundo, para tentar os que habitam na terra.

Eis que venho sem demora; guarda o que tens, para que ninguém tome a tua coroa.

A quem vencer, eu o farei coluna no templo do meu Deus, e dele nunca sairá; e escreverei sobre ele o nome do meu Deus, e o nome da cidade do meu Deus, a nova Jerusalém, que desce do céu, do meu Deus, e também o meu novo nome.

Apocalipse 3:7-12

Um portal foi aberto no meio do ar, por cima da traseira de um prédio. Uma anja, com dois jovens agarrados a ela, tinha pela frente uma queda de vinte metros. Felizmente ela tinha asas e conseguiu, com algum esforço, aterrar, queixando-se:

- Fogo! Vocês enganaram-me bem. Podem parecer pequenos, mas são pesados que se farta.

- É, digo-te o mesmo. Pareces tão fraquinha, mas conseguiste pegar em dois jovens. Estou impressionada. – Gozou Ester.

- Ai é! Anda cá que te mostro o que é força.

- Humm. Senhoras. Odeio interromper, no entanto, onde é que nós estamos? – Perguntou Zacarias ao caminhar para o passeio de uma rua.

O rapaz nem queria acreditar no que via. A vista no Céu era impressionante, no entanto fazia sentido ser tudo maluco e revolucionário lá, não na Terra. Vivera toda a sua vida na Semini de Gade e aquilo que tinha visto de maior era um monte de pedra, não de betão, ferro e cimento. As casas tinham um aspeto mais natural, pelo menos em termos de tamanho, no entanto pareciam estar acompanhadas por objetos de ferro e vidro sobre rodas. Observou várias pessoas com roupas que tapavam o corpo todo, feitas de materiais irreconhecíveis para ele. O clima era muito mais frio ao que estava habituado. Viveu sempre na Amazónia e a temperatura mais fria que experienciara fora dentro da caverna, mas nem isso se assemelhava aos 11 graus daquela cidade.

Ester pensou que já estava à espera destas diferenças radicais em tudo. Sempre se interessara no mundo à sua volta e, já no seu clã, ao observar a diversidade de vestuários destes povos, chegara à conclusão que a temperatura seria mais fria noutros locais. "Se tinham embarcações muito mais avançadas, então porque não tudo o resto?", perguntara-se já várias vezes. No entanto, a realidade excedia a sua imaginação em todos os níveis.

Passado um breve momento de observação, Dana decidiu explicar:

- Nós estamos agora em Alasehir ou, como antigamente era conhecida, Filadélfia. A igreja deve estar meio quilómetro para aquele lado. – Afirmou apontando para uma rua que terminava naquilo que parecia ser um parque. – E, como tu, Ester, me prometeste que seriamos rápidos, devíamos dirigir-nos lá agora.

Zacarias pediu:

- Não que eu queira discordar com uma Dama como tu, mas podias-nos deixar aceitar esta situação só por mais um bocado?

- Está bem, sejam rápidos.

- Obrigado, beleza.

Zacarias virou a sua atenção para Ester, que estava agora de olhos reluzentes:

- E então… era isto que imaginavas que seria o mundo do lado de fora?

- Em parte, sim, pensei que teriam… Não, esquece, isto é muito mais do que eu alguma vez imaginei. Maior, mais avançado, mais… cinzento. É esquisito. Estou tão impressionada como estou desapontada.

- É verdade. Não sei se é deste sítio, mas, mesmo não tendo feito nada de extenuante, parece que já estou sem ar.

- É da poluição. – Interviu Dana. – Quer seja luminosa, sonora, ou aquela que sentem agora no ar. Existem consequências para um avanço tão grande de tecnologia. Mas vocês sentem-se bem, certo? É que eu sei que vêm da Amazónia, por isso é sempre um choque grande, mas se eu tiver que vos carregar para todas as igrejas, mais vale deixar-vos aqui.

- Nós habituamo-nos. – Afirmou Ester. – É quase como estar no topo da montanha de Moisés. O ar é mais difícil de respirar, mas se tivermos lá tempo suficiente, nem notamos na diferença.

Os dois jovens ficaram sentados mais um bocado, enquanto Dana voava à procura da igreja-alvo. Quando viu que os jovens se levantaram, aterrou à beira deles:

- Finalmente! Pensei que iam ficar sentados para sempre. Esta cidade nem é nada de especial, não era necessário tanto tempo.

- Ah, desculpe-me amor. Tu tens toda a razão. Se sou capaz de ficar um quarto de hora a olhar para uma reles cidade, devo conseguir observar-te por um dia inteiro. – Declarou Zacarias.

- Pois claro. – Afirmou, aborrecida ao pensar na quantidade de comentários que estariam por vir. – Olhem, eu acabei de sobrevoar a área à volta da igreja e, acho que deviam ver isto.

- Tem algum aspeto anormal? – Questionou Ester.

- Bem, em primeiro lugar está em ruínas, no entanto temo que o mesmo aconteça com as outras. Em segundo lugar, tem vários obstáculos que eu gostava que me vissem a ultrapassar.

- Tu?

- Claro! Eu quero mostrar-te a ti que devo ser respeitada

- Espera aí, eu respeito-te.

- A sério?

- Respeito-te tanto quanto um tigre respeita um veado. – Dana soltou um audível suspiro, mas Ester continuou. – Mas estás a pensar em avançar sozinha? Se for para alguém ir sem ajuda, vou eu. Afinal de contas, fui eu que vos obriguei a vir comigo.

- E como é que pensas fazer isso sem poderes?

- Querida, não a subestimes. – Aconselhou Zacarias. – Ela pode nem estar perto de ti em termos de beleza, mas em força, ela não tem igual.

- Não interessa, ela não poderá fazer nada contra demónios.

- Hum? – Disse, meio perdida a rapariga.

- Olha para a frente, já chegamos.

A igreja da Filadélfia encontrava-se a sua frente em ruínas. Aquilo que restou foram os quatro cantos que deviam servir de alicerces da igreja. Ester notou numa luz brilhante do lado de um desses, avisando Zacarias para investigarem mais tarde. O espaço parecia mais um jardim do que outra coisa, sendo, aparentemente, considerado um local de turismo. Umas cinco pessoas vagueavam, tiravam fotos e divertiam-se sem saberem dos demónios que os perseguiam. Só Ester é que parecia, como era habitual para ela, ver os demónios interiores deles, todavia esse não era o problema. Uma multidão de demónios, sem humanos associados, parecia estar a guardar o local. Criaturas de pele escura como sombras com formas difíceis de averiguar.

Zacarias aproximou-se de Ester e comentou:

- Acho que agora já percebo aquilo por que passaste por tanto tempo.

- Não exatamente. Nunca foi assim tão mau e em tão grande quantidade. Normalmente parece que os demónios são as sombras das pessoas, mas aqui não se vê ninguém.

- Tu estás por acaso a falar de demónios interiores?

- Sim, porquê?

- São esses os demónios que tu vês!? – Exclamou Dana surpresa. – Então tu és mesmo especial. Normalmente, só os anjos da guarda é que os vêm.

- A sério? Que estranho. Porquê só eles?

- A função deles é aconselhar as pessoas, na forma de consciência, e levá-las a fazer as decisões certas. O único obstáculo que eles têm pela frente são os demónios interiores que fazem precisamente o oposto, levando-os a discutir. Todas as decisões dos humanos dependem de quem vence esses argumentos.

- Então porque é que nunca vi um anjo?

- Porque foi assim que Deus quis.

- Claro, porque tudo tem que depender dele. – Declarou ironicamente.

- Olhem, a vossa conversa é interessante, mas acho que estão a ignorar o óbvio agora. – Informou Zacarias, enquanto apontava na direção do montante de demónios. – Como é que vamos libertar este local de tanta criatura?

- É fácil. Se vocês não me incomodarem, eu tratarei deles todos.

- Nós não te vamos deixar sozinha. – Argumentou Zacarias. – Por muito grande que seja o exército, se for a oportunidade que preciso para estar ao teu lado, então irei também. Não concordas, Estrela?

- Bem, não exatamente. Mas, neste caso, vais ter que nos deixar ir contigo.

"Porcaria dos humanos sempre a intervir onde não devem." – Pensou Dana, para depois dizer. – Está bem. Acho que não tenho alternativa.

A anja abriu as asas o máximo que pôde e arrancou uma das suas penas, esta aparentando ser de metal. Tinha um pequeno punho, com uma argola para segurar, e era extremamente fina e afiada, mostrando ser uma arma mortífera e bem escondida. Ester até se perguntou sobre qual a razão para um anjo empunhar uma arma, lembrando-se depois que uma invasão demoníaca estava para chegar ao Céu.

Dana voou em direção ao jardim da igreja arruinada, chamando imediatamente a atenção de todos os oponentes presentes. Os demónios mudaram logo a sua postura, de uma de relaxamento a uma de combate. O primeiro que pôde enfrentá-la, conseguiu demonstrar a sua velocidade e força impressionante, ao desviar-se dos dois primeiros lances da pena da anja e ao empurrá-la uns dois metros. Dana não desistiu, utilizando toda a aceleração que pôde para penetrar a pena no peito do monstro. Ele desfaleceu no chão dando lugar a mais um quarteto de inimigos.

Os dois jovens ficaram para trás, por não conseguirem alcançar a velocidade de uma mulher alada. Ester tentou avançar, sendo interrompido por Zacarias que avisou:

- Espera um bocado, não podemos partir sem um plano.

- Estás a gozar? Nós não podemos avançar, mas a Dana pode?

- Eu confio na habilidade dela de se proteger, visto que ela foi preparada para uma situação destas. Tu, por outro lado, não. Não me tinhas dito que já tentaras enfrentar demónios antes, não obtendo quaisquer avanços?

- Sim, mas isto é diferente. E, aliás, eu não me posso mostrar fraca à frente dela. Anda lá, eu sei que tu não queres que ela te considere um medricas.

- Mas… - Tentou ainda continuar Zacarias, antes de ser puxado pela amiga.

Correram os dois, Ester com toda a sua coragem a emergir e Zacarias assustado e obrigado a juntar-se. A rapariga, rapidamente retirou a clava da dobra da sua roupa, levantando-a para a descer na cabeça de alguém. Zacarias livrou-se da mão da amiga, afastando-se um bocado e preparando a sua funda. Pegou em algumas pedrinhas no chão, no entanto eram demasiado pequenas, não tendo o tamanho adequado para causar qualquer tipo de dano. Por isso decidiu, neste caso, servir só de distração, captando a atenção nele ao irritar os oponentes. Assim as amigas poderiam fazer o que quisessem em liberdade.

Ester encontrou o seu primeiro monstro rapidamente, balançando a sua arma contra a cabeça dele. Acertou em cheio, e até deitou o oponente abaixo para sua surpresa, mas outro veio para o substituir. Esta segunda besta fez o que pôde para tirar a arma da mão direita da miúda, obtendo sucesso. Arranhou o braço dela, deixando marcas bem visíveis e tornando o braço incapaz de levantar a arma. Ela saltou para trás para evitar outro arranhão e, ao rebolar no chão, conseguiu a oportunidade de apanhar a arma com a mão esquerda. Balançou outra vez contra a cabeça do oponente e fê-lo transformar-se em pó. E, tal como antes, outro apareceu.

Ester começava a sentir-se indefesa, sem saber se conseguia continuar, até que uma pedra acertou no peito do monstro, e um amigo começou a chamar a atenção. Zacarias gritou "Ei, tu aí, seu poio gigante. Não vês que essa miúda não te consegue enfrentar. Anda aqui ter comigo." O monstro ficou a olhar furiosamente para o rapaz, parando de prestar atenção na rapariga. A jovem colocou a ponta do seu bastão no peito do demónio, e empurrou-o contra outros quatro. Tentou fugir dali para fora para se recuperar. Parecia que estava quase a escapulir-se, todavia um demónio apareceu. Apanhou-a pelas costas, arranhando ao longo delas.

Um corte profundo havia sido causado, fazendo-a cair no chão impotente. Sentiu-se congelada de dor, não podendo fazer nada senão desmaiar. Zacarias gritou, assustado, correndo atrás da amiga com a intenção de a salvar.

Dana, também começava a ter problemas, após cinco oponentes no chão derrotados. No momento em que ouviu o grito do rapaz, decidiu que era melhor sair dali. Voou para cima, até os demónios não a poderem alcançar. Olhou à sua volta à procura dos miúdos "irritantes". Avistou Zacarias exasperado e a correr, mas não conseguiu localizar Ester. Enquanto ficava no ar parada a procurar, os monstros começavam a empilhar-se uns em cima dos outros, criando uma verdadeira torre maléfica. Dana, quando finalmente reparou na rapariga deitada no chão, teve pouco tempo para ir de encontro a ela. O seu pé, estava a menos de um centímetro da mão do monstro e, se não se movesse quando o fez, seria com certeza apanhada. Ao se preparar para descender em direção da rapariga, os demónios até se afastaram, não querendo ser apanhados pela velocidade vertiginosa da senhora alada. Ela rapidamente pegou em Ester para de seguida voar até Zacarias e pegar nele também. Afastou-se, até já não ter forças para continuar a pegar neles. Movimentaram-se, no máximo, três quarteirões até aterrarem e descansarem. Ao chegarem ao chão, Dana sentou-se na tentativa de relaxar, mas os outros dois não tinham tanta sorte.

Zacarias foi socorrer a amiga, vendo aquilo que podia fazer quanto aos ferimentos dela. Retirou a sua t-shirt dada por Deus e usou-a para limpar os cortes profundos de Ester. Como se fosse sagrada, a t-shirt pareceu conseguir melhorar o estado dela consideravelmente. O rapaz até se perguntou se foi com essa intenção que lhe foi dada a roupa, se Deus quisesse que fosse usada para aquela exata circunstância. Sabia só que demoraria algum tempo até poder ter a resposta, uma vez que não podiam recorrer a Ele nesta demanda.

A rapariga parecia estar agora, simplesmente inconsciente e não tanto a morrer, com os cortes praticamente limpos. Ainda assim o rapaz sabia que precisava de mais tratamento, não podendo ele administrá-lo, portanto perguntou a Dana:

- Dama, tu por acaso tens alguma habilidade curativa que consiga sarar as feridas de Ester rapidamente?

- Não lamento. Sem contar com a habilidade de voar, de ser extraordinariamente rápida, de ser a mais bela e a segunda mais capaz com uma faca, não consigo fazer mais grande coisa.

- Oh, não te martirizes tanto. Mas agora a sério! O que é que fazemos quanto a Ester? Como é que a vamos curar?

- Podíamos sempre pedir a Deus. Tenho a certeza que será misericordioso e ajudará.

- Se fizéssemos isso, desrespeitaríamos Ester. Ela teve a coragem para ir contra Deus, não deitaria tudo fora por isto. Tem que haver outra maneira de a curar. Esta cidade tem por acaso orvalho, folhas de eucalipto e picos de porco-espinho? É possível que consiga fazer alguma coisa.

- Eu até gostava de te ver tentar, no entanto, tenho uma ideia melhor.