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Chapter 8 - De prisão em prisão

Ester, Zacarias e Dana desmaiaram sob o impacto da seta. Acácio, mesmo estando bem afastado, ainda fugiu para mais longe. Parecia que tinham sido todos apanhados, mas o rapaz, estendendo o braço, aparou a queda. Com a sua mente apagada, Leviatã viu a sua oportunidade de controlar o seu corpo e ia usá-lo bem.

Agora o demónio não tinha nada a contê-lo, e estava com vontade de libertar todo o poder que tinha, sem dar a chance ao rapaz de o voltar a manter dormente. Foi aí que reparou nas caras de espanto dos janízaros que, mesmo afastados, eram claras. Aqueles guerreiros esperavam sair dali com uma vitória fácil e Leviatã estava contente por os desapontar. Pensou que teria controlo absoluto sobre o corpo, mas mesmo inconsciente, o rapaz mantinha-se presente. "Só mais um bocado.", pensou, "Só mais um bocado e a mente dele perecerá."

Leviatã observou os seus servidores primeiro, (pelo menos era assim que chamava à rapariga e à anja deitada no chão) e depois colocou o seu olhar nos arqueiros. Antes que eles pudessem disparar outra seta contra ele, Leviatã deu um pulo de cinco metros para a frente e continuou a saltitar até alcançar o primeiro oponente. Ia-se movendo com tal rapidez que os oponentes mal o conseguiam seguir com os arcos. Dispararam setas atrás de setas, até que pareceram acabar. Leviatã notou naquela brecha e tirou proveito dela para atacar o janízaro mais próximo.

O guardião de sultões desembainhou o seu sabre otomano e manejou-o contra o rapaz possuído. Ele, não querendo arriscar uma ferida grave a defender-se, pegou na funda de Zacarias e enrolou-a à volta do cabo da espada enquanto recuava ao desviar-se. Devido ao tecido forte do fio ele não rompeu, dando a chance a Leviatã de lhe puxar a espada da mão. Para não se acertar a si mesmo, rodopiou, balançando a espada à sua volta até acertar no janízaro. O oponente descaiu e Leviatã ganhou uma arma nova.

Os outros janízaros, obviamente, que não estavam distraídos empunhando aí uma arma inesperada. Tirou de dentro de um manto à volta da cintura uma Uzi (arma do tamanho de uma pistola, com a velocidade de tiro de uma metralhadora). Leviatã sobressaltou-se e começou a correr de lado para o inimigo, rodopiando a funda com o sabre na ponta. Da mesma maneira que David fez a Golias, Leviatã fez ao oponente de revólver, só que em vez de atirar uma pedra, lançou uma lâmina. Esta trespassou a testa do homem, deixando agora um último inimigo. O rapaz possuído foi buscar o sabre e enrolou o pano na ponta da funda à volta do cabo. Girou-o à sua volta, como um cowboy balança a sua corda. Contente com a arma que inventara, decidiu investir contra o último oponente, preparado para propulsionar a arma no peito do janízaro.

Pensou que assim conseguiria acabar com aquela ameaça, mas aquele guerreiro era mais esperto do que isso. Com a mão esquerda pegou no sabre e bloqueou o golpe giratório de Leviatã, e com a mão direita tirou a sua própria revólver. O demónio, sem tempo para reagir, teve a arma encostada ao estômago e sofreu um tiro.

A sua primeira reação foi cobrir a ferida com a mão e tentar ganhar distância do perigo. Ao olhar para a sua mão viu-a encharcada de sangue, sendo aí que a sensação de dor começou. Quis gritar, mas a voz faltou-lhe. A ferida estava tão sensível que uma pequena brisa dava a sensação de ter uma faca a espetar-se-lhe lá. Um sentimento de fúria atravessou-lhe a mente, invejando o oponente sem qualquer dano.

Furioso e cheio de dores, Leviatã não se queria conter mais. Gritou de ânsia e preparou-se para libertar o seu poder. Sabia que assim a própria forma do corpo mudaria, mas tal já não lhe interessava. Só lhe apetecia livrar-se daquela dor, e esta era a única maneira. Os cabelos do rapaz tornaram-se em serpentes, os seus olhos não resistiram ao vermelho da íris e encheram-se daquela cor de rubi. Parecia que faltava pouco para terminar aquela transformação, mas, felizmente, foi atingido com uma tonelada de dor, isto é, um punho enorme de Banik

Um sultão havia aparecido por detrás de um pilar e apanhara o demónio de surpresa. Trazia um gorro na cabeça que desfalecia até abaixo dos ombros, branco, com rebordo na cabeça amarelo. Vestia um polo branco com uma gola vermelha e tinha um bigode farfalhudo que se ligava ao cabelo num corte contínuo que combinava com a sua cara severa. Ele olhou para os seus guerreiros com desprezo, comentando:

- Acho que se queremos um trabalho bem feito, temos que escolher as pessoas certas para o fazer. Halakeb, anda cá. – O sultão que disparara contra o demónio, aproximou-se, receoso de ser repreendido. – O que é que pensas que estás a fazer? Nunca lutaste contra um demónio? Não lutaste sob mim, nas profundezas do Inferno? Devias saber que um tiro no estômago não é o suficiente para acabar com eles. – O guerreiro tremia.

- Senhor Majid, desculpe. Ele parecia tão humano, eu pensei que… - Uma bala atravessou-lhe o crânio antes que pudesse continuar.

- Suponho que sem os horrores infernais, a determinação dos meus homens vá abaixo. É bom poder confiar em ti Banik. Agora pega nele. Vamos levá-lo para interrogar.

O gigante tentou pegar nele, mas a mão do possuído afastou-o:

- Achas que isso é suficiente para me deitar abaixo?

Banik respondeu:

- Deixa-me tentar outra vez, então. – Atingiu a cara com outra tonelada de pura força. A força de vontade de Leviatã, no entanto, não se abalara, sendo que tentou novamente levantar-se. E conseguiu, rapidamente o suficiente para levar com outro murro… e outro… e outro. Uma saraivada de golpes não o deixou sequer voltar a tentar levantar-se. Agora estavam ambos, Zacarias e Leviatã inconscientes. Banik ficou calado por um bocado a olhar para ele. Majid ordenou-lhe:

- Já sabes o que eu quero que faças! Por isso, tu sabes… FÁ-LO!

*

No meio da cave por baixo do prédio dos janízaros, estava o rapaz. A sala obscura parecia já não ter sido utilizada há algum tempo, com pequenas teias nos cantos superiores das paredes e poças de lama no chão. Essa lama que vinha de certeza da única fonte de iluminação daquele local, umas grades no teto que levavam às traseiras do prédio.

Majid desceu pelas escadas por detrás de Zacarias, olhando para o rapaz adormecido. Ainda atordoado, e com os braços presos por algemas, estava ajoelhado, acorrentado pelas pernas por cordas, como se pedisse por perdão, sendo esse o objetivo do sultão. Castigar o rapaz pela perda de homens dele, e não só, sendo que ele gritou:

- Acorda!!

Zacarias acordou sobressaltado com suores frios. A primeira coisa que sentiu foi uma pressão estranha no estômago, como se estivesse lá algo que não deveria estar. Assustado e completamente perdido, tentou imediatamente mover os braços sem qualquer resultado. Estava demasiado exausto para fazer o que quer que seja. Não pôde ignorar os homens à sua frente, três deles aliás. O do meio, Majid, tinha um ar claramente superior do que os outros, não só pela roupa, como também pela pose. Tinha os dois braços atrás das costas e falou para o jovem num hebraico com um claro sotaque turco:

- Fizeste bem. Acordaste logo no momento em que te chamei. Se tal o não tivesses feito, teria que optar por maneiras mais agressivas.

- Por favor, não me mates! – Gritou aterrorizado. – Eu não fiz nada de mal. Só aterrei naquele monte e mais nada. Vocês não podem ser iguais àqueles demónios, certo? Sejam razoáveis e não ataquem sem razão como eles.

- Seu estupor desgraçado, o que queres dizer com "não fiz nada de mal"? Mataste três dos meus homens e pensas que podes sair daqui apelando à nossa razão? Sim, nós somos mais inteligentes do que aquelas pestes demoníacas, mas isso só significa que sabemos quando te matar, e parece-me que não tarda muito.

- Mas… Eu não… - Zacarias ponderou sobre aquilo que poderia ter acontecido. Para ele ter morto três janízaros, só se tivesse sido possuído. Portanto decidiu explicar aos inimigos. – Já sei o que é que se passou.

- Não me digas que só agora é que te lembraste?

- Lamento, mas não há nada para me lembrar. Eu não fiz mesmo nada. O que deve ter acontecido foi eu ter sido possuído.

- Achas que vamos acreditar nisso?

- É a verdade! Por favor, confiem em mim.

- Cala-te já. A pedir que eu confie em ti? Tu não percebes nada de confiança. Confiança é poder fazer o que quisermos com os outros. Os meus homens confiam em mim, isto é, estão dispostos a dar a sua vida por mim e a deixar-me tratá-los como quiser. Queres uma demonstração? – Majid pegou no revólver e, num lance rápido, disparou contra a cabeça do homem à sua esquerda. O da direita mal se mexeu e, em vez de parecer assustado, parecia quase invejar a morte do companheiro. O sultão continuou:

- Espero que tenhas percebido que confiança é algo que nunca terás de mim.

- Confiança? - Pronunciou a tremer após a morte do janízaro. – Mas isso não é lealdade?

- Uh. Não… - O sultão ficou todo atrapalhado, perguntando ao homem restante ao seu lado, cuja resposta o levou a gritar irritado. – Estás-me a dizer que eu estive a dizer mal este tempo todo?! Oh meu Lúcifer. Pirralho! – Focou a sua atenção de novo no rapaz. – Pelos vistos és mais esperto do que eu pensava. Não me interessa de onde é que vem essa tua força inumana, só sei que ela poderá ser útil no meu exército.

- Tu queres que eu me junte a ti?

- Tu tens a impiedade e habilidade de combate necessárias para te tornares num bom oficial. Tu mataste facilmente três janízaros bem treinados, com apenas a tua funda e os teus punhos. Fiquei muito impressionado e gostava de te tornar num beylik (guarda pessoal de um sultão).

- E aquela conversa toda de me matares?

- Nós viemos do Inferno, e, não tarda muito, vamos lá voltar, por isso, se te juntares a nós, é melhor que já esteja morto. Mas, se isso não for ameaça suficiente, nós prometemos-te torturar-te até lá. O que achas?

- Humm… Se eu aceitar, posso sair?

- Das algemas? Claro. Dos janízaros, não me aparece.

Zacarias obviamente que não queria ser membro honorário dos janízaros, no entanto sabia que, se dissesse que não, teria que passar por dor evitável. Antes que se pudesse decidir, Majid apressou-o:

- Despacha-te lá, ou trazemos as tuas companheiras aqui para te ajudarem. Se as vires a gritar de dor de certeza que te decides logo.

- Tu nem penses em fazer-lhes mal.

- Oh, estás zangado? O que é que pensas que consegues com os braços e pernas presos?

- Muito mais do que tu. – O rapaz tentou soar corajoso, pretendendo convencer o sultão a ajudá-lo. – Tu estás a fazer-te de superior só porque tens esses objetos relampejantes (Zacarias não sabia o que era um revólver) e eu estou atado. Dizes que ficaste interessado na minha habilidade, então liberta-me que eu mostro-te o quão bom lutador eu sou à tua frente.

- És mesmo espertinho. Dalal tranca a porta, vou sovar este rapaz e não quero que fuja aterrorizado.

O guarda subiu rapidamente as escadas e, com as chaves que tinha no bolso do colete, trancou a única saída dali. Majid pegou na sua própria faca que tinha pendurada no coldre no tornozelo, cortando as cordas nas pernas do jovem. Depois quando o guarda se aproximou de novo, pediu-lhe que abrisse as algemas nos braços, obedecendo imediatamente.

O rapaz agora livre ficou feliz por já estar livre daquela pressão nos membros, todavia a ansiedade e o ambiente opressivo sobrepunham-se sobre qualquer felicidade. Pensou bem na situação que estava, tentando convencer-se de que era a melhor escolha possível. Entre ter que servir alguém até à morte e passar por torturas, uma luta não soava tão mal. No entanto, encontrar forças para tal provava-se difícil. Conseguiu levantar-se, e esticar o corpo. A energia parecia voltar lentamente, pelo que se mexesse mais um bocado, pensava conseguir com alguma sorte lutar. Pelo menos, para surpresa dele, sentia-se apenas cansado, não ferido. O rapaz até olhou para as suas pernas para ver se encontrava alguma marca das feridas que tinha, mas para ele estavam, no máximo, um bocadinho mais escuras.

Majid estava a preparar-se para a luta, retirando o gorro que tinha, entregando-o cuidadosamente ao guarda, e tirou os coldres das armas que tinha no seu cinto e no tornozelo direito. Quando já se preparara ordenou ao rapaz:

- Jovem, diz-me o teu nome. Não me lembro de o ter ouvido.

- Zacarias Jade. E qual é o teu?

- Lorde Majid, pelo menos é o que espero que me chames. Jade, sabes porque é que te perguntei pelo nome?

- Porque querias saber quem é o homem que te vai derrotar numa luta?

- Boa resposta. Aprecio essa demonstração de confiança, só tornas isto mais divertido.

- Tens a certeza que não é lealdade? – Gozou o rapaz, fazendo o guarda dar uma pequena gargalhada, rapidamente reprimida pelo olhar furioso do sultão a ele.

Majid inspirou profundamente na tentativa de se acalmar, ordenando da maneira mais leve que pôde ao guarda:

- Começa a contagem para a batalha, que eu não sei se me consigo conter por muito mais tempo.

- Como queira, senhor. Três, dois, um, vão.

Zacarias estava à espera que o sultão, que mal se conseguia manter calmo, atacasse primeiro, apesar de que o contra-ataque não fosse a especialidade dele. O treino de krav maga permitia ao rapaz tomar avanços ofensivos, podendo rapidamente derrubar o inimigo e inibi-lo do uso de qualquer arma escondida. Por isso, ficou feliz quando o homem fez o sinal para se aproximar com a mão.

O jovem aproximou-se rapidamente do sultão, correndo até à beira do homem para dar um salto. Deu lance com o braço e apontou-o na direção da face direita da cara do homem. Inesperadamente, ele nem ofereceu resistência, levando com o golpe diretamente na cara, e recuando com o choque. Aproveitando o lance que dera, Jade rodopiou e acertou no sultão com um pontapé giratório. O homem, parecendo já estar em farrapos, com os olhos raiados e com os lábios vermelhos, cuspiu para o chão, criando uma mancha vermelha de sangue. Olhou para o rapaz e, com um olhar ameaçador, perguntou:

- É só isso que tu tens?

- Não, mas também não me parece que aguentes muito mais. Honestamente parecias ser melhor lutador. Na minha tribo, os guardas do pai de Ester, eram os melhores lutadores, sendo até galardoados pelos seus feitos. Obviamente que o rei não se pode mostrar mais fraco e Tkeleh, sempre que pôde, juntou-se a todas caças e guerras entre tribos. Eu próprio vi-o com os meus olhos.

- Estás a insinuar que eu não sou digno de liderar um exército? Ofendes-me Jade. Tu não sabes quem eu sou. Eu sou tanto líder, quer politicamente e fisicamente. Já conquistei liderança quando era vivo e todos me adoravam, sendo que no Inferno provei-me como libertador da tortura, obliterando aqueles seres, tão malignos que chamar-lhes demónios seria pouco. Passei pelos piores pesadelos imagináveis e não penses que uns soquinhos como esses vão-me afetar.

- Pois, foi isso que eu não percebi ainda. Tu és um demónio? É que tens um aspeto demasiado humano para isso.

- Lamento miúdo, mas explico-te mais tarde. Por agora deixa-me mostrar do que sou capaz.

O sultão avançou em direção a Zacarias, preparando um soco com o punho direito. O rapaz preparou-se para se desviar para a sua direita, sendo que só reparou no seu engano quando era tarde demais. Majid conseguiu enganar o jovem ao saltar para a frente com o braço esquerdo estendido, fazendo com que ao afastar-se, Zacarias ficasse com o pescoço descoberto. Com apenas um golpe de tirar a respiração, literalmente, fez Zacarias cair no chão a queixar-se. O rapaz estava com problemas a inspirar algum ar. Conseguiu recuar, distanciando-se do pontapé do homem por pouco. Continuou a recuar até embater numa parede de costas. Rebolou para a sua esquerda, ainda com aquele bloqueio respiratório, e desviou-se de outro pontapé. No entanto, o homem não o ia deixar fugir, segurando-o pelo braço e puxando-o contra a parede. Lá deu um golpe poderoso no estômago, que obrigou Jade a debruçar-se. Acabou o seu assalto com uma cotovelada na nuca, afastando-se para deixar o rapaz cair sem forças.

Majid, estranhamente desapontado, grunhiu para o rapaz:

- Jade, desiludes-me. Eu reparei no teu nervosismo enquanto pronunciavas aquelas palavras tão corajosas, mas não quis acreditar. Pensei que a tua reputação te seguiria, mas agora noto que os meus homens é que eram demasiado fracos. Aposto que derrotaste três deles por pura sorte, e, se tal é verdade, então não preciso de ti. Vou-te matar agora e castigar os homens pela sua falta de habilidade.

Zacarias estava com o corpo dormente, como se a sua dor tivesse decidido descansar um bocado antes de voltar como um furacão. Nesse momento, o rapaz estava bem confortável, mesmo sabendo que poderia morrer, não queria sair da sua posição. Pensou "Talvez assim posso finalmente abandonar esta aventura inútil. Eu já sabia desde o início que seria impossível isto acabar bem sem a ajuda de Deus. O próprio Senhor havia dito que seria difícil com o dom que queria dar, por isso esta conclusão era clara. Talvez possa ir para o meu Paraíso como o pai da Estrela.". Foi aí que se lembrou. "E os meus pais? Será que estarão lá também, ou será que estão vivos? Preciso de saber. Também não posso abandonar as minhas amigas. Se eu morrer, não poderei proteger a Dama… nem Ester, claro. Preciso de me levantar e vencer este idiota. Preciso de lutar."

Zacarias lentamente se levantou e olhou para o sultão nos olhos, querendo eliminar este obstáculo que estava à sua frente. Majid mostrou-se surpreendido, levantando os punhos, pronto para lhe dar mais sovas.

O rapaz levantou o braço até pouco acima da sua cabeça e apontou-o para cabeça do oponente, baixando-o com toda a sua força. No entanto, com aquilo que lhe restava de energia, nem conseguiu alcançar o alvo. Majid soltou uma leve gargalhada, apanhando o rapaz pelo topo da t-shirt. Zacarias para se soltar livrou-se dela e ficou de tronco nu, deixando o sultão focado no seu estômago. O jovem até se questionou sobre qual a razão dessa atenção, até que olhou para baixo.

Numa pequena área da sua barriga, com pouco mais de três centímetros, estava uma pele escamosa. Parecendo pulsar por conta própria, o rapaz nem queria acreditar que aquilo estava ali. Ele próprio assustou-se, levando o sultão a perguntar:

- Tu não sabes o que isso é?

- Não, porquê? Não me digas que foste tu que puseste isto aqui?

- Mesmo que quisesse, não me parece que conseguisse. Tu já tinhas isso antes de vires parar aqui. Parece que se infiltrou no buraco que a revólver te tinha feito. Se só notaste agora então deve ter-te curado a ferida, o que será?

- Leviatã. – Pronunciou Jade angustiado. – Ele fez muita coisa enquanto eu estava inconsciente. Se ao menos eu pudesse controlá-lo.

- Donde é que sabes esse nome? – Disse Majid, parecendo assustado.

- Conhece-lo? É o demónio que está dentro de mim. Até agora ele só tomou o meu corpo quando Dana o invocou e quando estive quase a morrer. Honestamente estou surpreendido que ainda não tenha aparecido.

- Então não estavas a mentir? Ainda por cima Leviatã de todos os demónios.

- Ele tem alguma coisa de especial?

- Claro. Qualquer um que passe mais do que um ano no Inferno consegue facilmente reconhecer esse nome. Como deves saber Lúcifer é o rei de todo o Inferno, e ninguém sequer tentou tomar o seu lugar. Pelo menos, qualquer um que tentasse desafiar Lúcifer era brutalmente chacinado. Até que o rei desapareceu, por, nem mais, nem menos, do que mil anos. Ninguém soube o que lhe aconteceu e, não estando lá ninguém, é claro que houve uma guerra por liderança. Não durou muito e, no fim, Leviatã coroou-se vencedor. Melhor dizendo, Leviatã governou o Inferno por mil anos.

- Humm… - Zacarias, com os ouvidos a tinir, não conseguiu prestar atenção. – Ele parece ser muito interessante.

- Sim, ele é. – O sultão pensou um pouco para ele próprio, decidindo dizer. – Sabes que mais miúdo, estás com sorte. Por muito que ache que tu próprio és insuficiente para te juntares a mim, interessa-me a ideia de ter uma lenda como o príncipe da Inveja do meu lado. Não te vou matar.

- A sério? Então deixa-me só descansar um bocado. – Zacarias caiu para a frente, inconsciente e sem forças, deixando o sultão muito interessado nele.

*

Banik acabara de jantar e voltou para a cela de Ester. Bateu à porta, sendo que Ester sussurrou para que entrasse rápido antes que alguém notasse. O gigante infantil, com o sorriso estampado na cara, perguntou:

- E então? Que é que queres fazer?

- Sair desta prisão. Acho que tinha dito antes.

- Ohh… – Desiludiu-se o homem. – Pensei que íamos brincar agora.

- Não te preocupes. Eu prometo que mais tarde até te conto outra história. Por agora, podias-me levar para a cela aqui ao lado.

- Não. – Amuou Banik. – Eu quero que me contes a história agora. Senão vais ser como outros. Querem sempre algo de mim, nunca pensam nos meus interesses.

Ester sentiu-se um bocado mal, mas tinha que usar o gigante para sair dali, não tinha outra opção. Por isso, tentou outra vez:

- Eu tenho uma amiga que vai gostar muito de te conhecer. Quantas mais pessoas melhor, não achas?

Banik ficou todo animado e, após uma breve inspeção pela porta, abriu a porta e pegando na mão da rapariga levou-a até à cela da Dana. Ela mostrou-se surpresa, tendo sido interrompida enquanto estava a fazer desenhos de ursinhos no chão com a sua pena de ferro. Ester estava contente por vê-la, mas deu uma gargalhada e gozou:

- Uau! Quem diria, a mulher guerreira toda durona está a desenhar ursinhos de peluche no chão. Nunca vou esquecer isto.

- Se contas isto a alguém, esta pena espetará algo mais do que este chão.

- Já é o segundo segredo a manter, daqui a pouco fico cheia e vou ter que contar a alguém.

- Nota-se que já estás bem cheiinha. – Ester ficou furiosa, mas Dana continuou. – Já agora, quem é esse grandalhão ao teu lado?

- Ah, eu sou Bani Kinir. É um prazer conhecer-te, humm, qual é que é o teu nome?

- O meu nome é Dana. Então, Bani Kinir, suponho que não sejas alguém hostil, foste tu que tiraste Ester da sua cela?

- Sim. – O gigante ficou alegre por alguém o tratar pelo nome inteiro, prosseguindo. – A Estrela contou-me uma história divertida e disse-me para visitar uma amiga, então decidi vir. Tu desenhas muito bem. Porque é que puseste estrelinhas e corações à volta deles?

- Foi para os tornar mais queridinhos, se tu…

Dana continuou a explicar a importância das estrelas na estética dos ursos de peluche, enquanto Ester, estranhando essa atitude dela, decidiu apreciar aquele espetáculo imprevisto e esperar até poder falar. Quando chegou a altura questionou:

- Se já acabaram, acho que é altura de arranjarmos uma saída daqui. Alguém tem ideias? – Dana foi a primeira a responder-

- Eu acho que a maneira mais rápida de sairmos daqui seria a voar. Se conseguirmos ficar ao ar livre, quer seja no telhado, na porta de frente, ou nem que tenhamos que partir esta parede, eu pegava na Ester e voávamos daqui para fora.

- E eu? – Perguntou Banik.

- Tu queres juntar-te a nós? É que não sei se consigo carregar-te pelo ar. Depois de fugirmos tu vens ter connosco. Não deve ser muito difícil para um janízaro sair daqui.

- E Zacarias? Não o podemos deixar no edifício.

- Quando nos afastarmos o suficiente daqui, voltamos atrás por ele. Pensamos num plano, e salvamo-lo da sua jaula.

- Está bem. É bem pensado. Só que não sei como é que saímos do edifício. Banik, não há nenhuma área exterior à qual possamos chegar sem sermos detetados?

- Só com muita sorte. Este prédio só tem uma saída e não há maneira de chegar ao teto. Essa saída está sempre cheia de janízaros, seria praticamente impossível não sermos notados.

- Temos que tentar de qualquer maneira. Qual é que achas que seria a altura mais adequada?

- Amanhã de manhã.

- Durante o dia? Porquê? Há algum acontecimento especial que os afaste da saída?

- Não. Eu é que estou cheio de sono e gostava de fazer isto quando estivesse cheio de energia. – Dana e Ester suspiraram devido à razão estúpida para saírem de dia. – Por falar em energia, tomem aqui estas sandes. Afinal de contas foi para isso que me deixaram vir.

Ester ainda nem tinha pensado na fome que tinha, sendo que mal teve a comida nas mãos, não demorou até desaparecer. Dana recusou a sandes, insistindo que uma anja só come por prazer, não por necessidade. Banik levou a rapariga de volta à sua cela e foram descansar.

Estrela teve, estranhamente, um sonho agradável. Tinha sonhado que acabara com aquela missão, tendo-a completado sem consequências. Tinha apenas Zacarias ao seu lado e encontrava-se com Vehulah e outra pessoa. Vehulah parecia querer mostrar o seu arrependimento de não fazer o que ela queria, mas era o outro rapaz que mais a intrigava. Tinha o cabelo castanho, com um casaco azul e um cachecol cinzento. Parecia ter o chão à sua volta congelado, mostrou-lhe um sorriso, abalando a rapariga. Com a luz a bater-lhe por trás e a sua pele clara, parecia para Ester ter uma figura gloriosa. A rapariga quis aproximar-se mas, o rapaz, ao bater com o pé no chão, disse: "Hora de acordar."

A rapariga levantou-se com Banik a bater na porta e a sussurrar: "Estás pronta? Está na hora de sair." Ela levantou-se rapidamente, calçou as suas sandálias (que Dana lhe tinha oferecido quando estava no hospital), e pediu que ele abrisse a porta. O gigante informou:

- Desculpa lá acordar-te tão cedo. Foi a única altura em que não estava ninguém a vigiar.

- Não tens que pedir desculpa, fizeste bem. Vamos acordar a Dana agora.

- Não te preocupes. Já o fiz.

A anja estava no fundo do corredor a observar quaisquer possíveis ameaças, informando naquele momento que estava tudo livre. Deixou Banik passar por ela, esperando que ele as guiassem.

Foram a correr silenciosamente pelo edifício e tentaram descer os três andares necessários até ao rés-do-chão. O plano inicial era encontrar umas escadas e descer três lances, no entanto, ao descenderem apenas um lance, ouviram as pegadas de alguém e mudaram de percurso. O gigante amigável afirmou que era possível terem que andar um bocado às voltas. Com a quantidade de vigias naquele edifício enorme, um caminho mais longo poderia ser necessário.

Sorrateiramente percorreram um percurso inquietante, com várias paragens à espera que janízaros passassem e dois momentos de pânico onde derrotaram um par de oponentes. Quando estavam no último andar, o número de inimigos era muito maior, sendo que não havia locais seguros para se esgueirarem. Por causa disso, não demorou até haver um homem que os avistou. O janízaro gritou alertando um quarteto de companheiros e, com as espadas nas mãos, correram prontos para o assalto. Banik abriu a porta para uma sala e ordenou que as amigas entrassem lá para se salvarem. Mal o homem entrou, fechou a porta e com o seu corpo tentou mantê-la assim.

As duas companheiras não sabiam o que fazer. Queriam ajudar a manter a porta fechada, mas não podiam ficar lá para sempre, portanto quiseram procurar algo para se protegerem. Ao olhar pela sala, grande com várias mesas e papéis espalhados sobre elas, como uma sala de reuniões, havendo algo que lhes despertou log a atenção. Não estavam lá sozinhas, um outro homem, com uma vestimenta diferente dos outros, encontrava-se ali sentado. O homem disse, parecendo ofendido:

- Eu sei que já fui treinado para não dar nas vistas, mas ofende-me que não tenham reparado em mim até agora.

- Quem és t… - Ester estava prestes a perguntar, até notar em Zacarias deitado ao lado do homem, inconsciente. Ela sobressaltada gritou: - Zacarias!

- Vocês devem ser mesmo cegas. Afinal de contas ele é o vosso companheiro, certo? Não me digam que estavam a querer sair daqui sem ele? Nem eu seria assim tão malévolo. Se quiserem saber o meu nome, é Majid. Trouxe aqui o Jade comigo e gostava de saber se o conseguiam acordar.

- O que vem a ser isto? – Questionou Dana, perdida. – Como é que tu sabias que íamos estar aqui agora? E, porque é que o chamaste de Jade agora?

- Este rapaz contou-me que o seu nome era Zacarias Jade, e sei que ele não estava a mentir. Se tu não sabias sobre isto, então enganei-me ao pensar que eram próximos. Talvez o meu plano não corra tão bem como quero.

- O que é que tu queres fazer com Zacarias? Se o tentares magoar, farei com que te arrependas.

- Uau, que ameaçadora. Mas adoro dizer que alguém como tu não tem direito para me dar ordens, especialmente, nesta situação. Eu já magoei muito o teu amigo, e ainda não te vi a fazer nada.

- Tu vais ver! – Ester estava furiosa e prestes a socar o homem, no entanto ele levantou a sua arma.

- Nem penses. Mais um passo, e arrebento-te os miolos. Podes vir a ser útil, mas não és necessária.

A rapariga, sem saber o que era uma arma, estava prestes a avançar, mas Dana decidiu intervir. Segurou a jovem e informou-a sobre o revólver do sultão, a anja depois afirmou:

- Olhe, senhor Majid, por muito que goste de ameaças, não chegou a responder à minha primeira pergunta, e eu não gosto quando alguém não me responde. Por isso, deixe-me repetir: Como é que você sabia que íamos estar aqui? Decidimos partir hoje, andamos por um percurso aleatório, e está a dizer-me que já planeava encontrar-se connosco nesta sala? A única solução que me vem à cabeça não me agrada, por isso diga-me que estou errada.

- Se estás a pensar que Banik vos traiu, estás certa.

- Por acaso pensei que conseguisses ver o futuro, mas isso também é mau.

- Como assim ele traiu-nos? – Perguntou Ester incrédula. – Estás-me a dizer que ele trouxe-nos aqui de propósito? Para quê? Não seria mais simples fazer um homem trazer-nos diretamente aqui? Aliás, o Banik não faria mal nenhum a ninguém, e sei que não trairia os seus amigos.

- Estás bem convencida. Os meus janízaros não fazem amigos. Eu não permitiria tal coisa. Se eles encontrassem alguma razão para me desobedecerem, para não deixarem as suas vidas por mim, para me contrariarem, eu a eliminaria, não interessa o que fosse. E se tu pensas que o teu "amigo" Banik não magoaria ninguém, porque é que achas que ele esteve no Inferno?

- Não sei. Daquilo que vi até agora, Deus parece, às vezes, ser injusto. Não me surpreenderia que o Senhor o mandasse ao Inferno sem que ele não merecesse. Por isso, não me convences.

- Achas que Deus é injusto? Começo a gostar cada vez mais do teu grupo. Um rapaz possuído, uma rapariga que não gosta de Deus e a anja mais bela que já vi? Pior equipa de salvação de sempre. E se não acreditas em mim, então, Banik, mata a anja.

- Sim, senhor Majid.

O gigante traidor pegou numa faca que tinha dentro de um dos bolsos do seu colete.

- Achas que uma faca humana me vai conseguir magoar? Ester, não faças nada, eu trato dele rapidamente.

A anja retirou a pena prateada da sua asa, e, quando Banik avançou, Dana retaliou. Tentou bloquear a investida, mas, devido à força superior do homem, não conseguiu aguentar e sofreu um corte no braço. A anja ficou confusa, como é que sentia dor naquele momento. Majid até lhe explicou:

- São facas feitas de pedra infernal. Se mata um demónio, também deve matar um anjo.

Ela tentou afastar a dor e focar-se no oponente, continuando a sua luta por sobrevivência.

Entretanto Zacarias acordara e mal abriu os olhos pensou estar num pesadelo. Reparou em Majid à sua frente que encarava Ester, enquanto Dana batalhava contra um janízaro musculado. Tendo em mente ainda o impulso de agir contra o sultão, tentou mexer-se. Estava todo dorido, mas devia conseguir atacar na altura certa.

A rapariga não quis acreditar no que o amigo gigante estava a fazer. Ela perguntou ao sultão desolada:

- Porquê tudo isto? Porque é que te deste ao trabalho de criar esta falsa amizade para me trazer até aqui?

- Por duas razões. Queria testar a confiança de Banik em mim. Ele é o meu elemento mais recente, e não queria correr o perigo de uma conspiração. Por outro lado, quis ver o olhar nas vossas caras. Ouvi dizer que foram enviados por Deus e gostava de vos humilhar. Já que tiveram a dádiva de vos deixar vivos pelo potencial dele, quis-me divertir um bocado. Como é que sabe a traição? Aliás, não foi isto que fizeram ao vosso Senhor?

- Não te vamos deixar escapar com isto!

- Não há nada que possam fazer contra mim. É um plano perfeito.

- Quase. Só cometeste um erro. – Começou Zacarias. – Não querias testar a confiança de Banik, mas sim a sua lealdade! – Zacarias, com toda a força que tinha, agarrou no pescoço do homem. Ester apercebeu-se do que devia fazer. Deu um rodopio e apontou o pé esquerdo para a cara do sultão.

O homem, como não tinha os braços imobilizados, bloqueou-se do pontapé, segurando na perna dela e empurrando-a. Depois, pegou no braço do rapaz e superou a força dele. Tirou-o do seu pescoço e encostou a cabeça dele contra a mesa. Prevendo que a rapariga ia voltar a investir, pegou no seu revólver e mirou na cabeça dela. Ester assustada pela arma, parou no seu lugar e Majid começou por se rir:

- Ha ha ha! Achavam mesmo que com um ataque frouxo como esse fariam alguma coisa? Aliás, Jade, quando é que Leviatã vai aparecer? Já tens uma companheira a lutar pela vida, e a perder, e uma amiga na mira da minha arma. Somando isso com a dor que sentes, pensei que o raio do demónio já teria ressurgido.

- Talvez ele saiba que não preciso dele para ganhar.

- Ahh, juventude. Eu também já tive a tua idade e a tua esperança. Pensei que correria tudo bem na vida, isto é, até ter passado um século no Inferno. Não penses que terei piedade contigo, nem que as tuas palavras não terão consequências. Só porque não te quero matar, não signifique que não te torture. – O sultão embateu a cabeça do jovem na mesa, adormecendo-o mais uma vez, depois mudou a sua atenção para o seu súbdito. – Banik, quando é que acabas com isso? Preciso que leves esta rapariga e o rapaz para outra sala. Aqui parece que não chegamos a lado nenhum.

Dana estava com vários cortes ao longo dos braços, tendo já perdido um par de penas. Banik quis se apressar e, quando Dana investiu, desviou-se da sua pena. Com o braço que não estava armado deu um golpe com o cabo da arma diretamente no maxilar da mulher. Dana desmaiou, ficando com o maxilar deslocado, e, após ter terminado a sua ordem, preparou-se para pegar em Ester. A rapariga, desesperada, pediu para que ele parasse:

- Banik, por favor, não faças isto. Eu não sei pelo que é que tu passaste aqui e no Inferno, nem sei que tipo de pessoa eras na tua vida. Mas procura dento de ti e vê se encontras misericórdia. É impossível que tenhas fingido aquilo tudo. Eu sei que és meu amigo e que eu sou tua amiga, tal como Dana e como Zacarias pode ser. Tu é que não soubeste processar essa sensação. Esse calor que te encheu aquele vazio no teu coração. Eu sei que te afetou, mas se estou errada, então leva-me. Eu não mostrarei resistência.

Banik ficou a ponderar. Ester tinha a certeza que o gigante não era hostil por vontade. Quando o viu pela primeira vez, reparou que o seu demónio interior tomava a forma de uma viúva negra (aranha), solitário, matando qualquer um que se quisesse aproximar. Mesmo quando ele lhe pediu para o divertir, a intenção era mais letal do que aparentava. No entanto, no momento em que ela afirmou ser amiga dele, o demónio transformou-se num lobo, como se tivesse encontrado a sua alcateia. Banik acabou por tomar uma decisão e agarrou na mão de Majid de lado, afastando o cano da arma de Ester, sem que o homem pudesse reagir.

O sultão, chocado afirmou:

- Porquê? Porque é que me traís? Tu mal os conheces. Como é que podes desenvolver um laço maior por eles, do que por mim?

- Eles deram-me companhia. Pode parecer pouco, mas era o que precisava. Até agora preocupei-me por me proteger a mim próprio, obedecendo a si por medo de voltar ao Inferno. Mas agora entendi o que aquele local me quis ensinar. Eu não pude estar com ninguém lá, porque não dei importância aos que me rodeiam. Deus quis-me fazer sentir a solidão, para saber a necessidade de companheiros, de amigos. E, neste momento, essa sensação de companheirismo ultrapassou o sentido de sobrevivência que tenho por mim. Já passei pelo Inferno uma vez, e, nunca pensei dizer isto, mas não me importava de voltar. Portanto, estou mais do que disposto a dar a minha vida pela segurança deles.

Majid pareceu quase compreender aquilo que Banik lhe contava, comentando:

- Nunca me pareceste muito esperto, mas isso foi um discurso e peras. No meu caso, aquilo que aprendi no Inferno foi que por trás de maus atos, vêm consequências. Por isso é que mato tantos janízaros. Acabaram de chegar ao Inferno, ainda não aprenderam a lição e depois são ressuscitados, assim sem mais nem menos. Não merecem esta segunda chance à vida. Olha, aquilo onde eu quero chegar é que posso não concordar contigo, mas percebo-te. Agora, sai daqui, antes que pense em pegar na minha outra revólver e matar-te. Podes levar a tua amiga, mas este rapaz fica comigo.

- Obrigado senhor. – Olhou para Ester. – Acho que está tudo tratado. Obrigado por esclareceres a minha mente. Está na hora de sairmos.

- Eu não vou sair daqui sem o Zacarias.

- Não te preocupes. Ele com Leviatã dentro de si também só te irá dar problemas. Vou ficar com ele e ensiná-lo a cuidar do demónio melhor. Depois devolvo-te.

- Como?

- Eu tenho um avião. Duvido que vocês se afastem tanto ao ponto de vos perder de vista. Ainda assim, tenho alguns conhecidos no Inferno que me informarão de onde estão caso vos perca. Por isso, quando a altura certa chegar, eu voltarei para a vossa beira. Mas digo-te uma coisa, tu ficas a dever-me uma. Eu farei o que poder para ter esse favor feito.

- Favor? Não fizeste nada por nós.

- Eu fui ordenado para vos matar, e não o fiz. Agora, serei perseguido por todo o Inferno porque desrespeitei o rei das trevas. Por isso, sim, menina, deves-me um favor.

- Mas… - A rapariga não queria aceitar. Não podia confiar em alguém que os tentara matar. No entanto, Banik comentou:

- Estrela, não temos muito tempo. Esta é a melhor opção que tens, vais ter que o deixar ir. Majid pode não ser de confiança, mas quando afirma que não mata alguém, é porque não o fará.

- Humm… Não posso aceitar. Zacarias não é alguém que possa…

Enquanto a jovem continuava a insistir em não abandonar o rapaz, Banik foi ter com Dana, segurando-lhe no maxilar. Rapidamente, pô-lo de volta no sítio e com uma leve chapada tentou acordar a anja. Ela abriu os olhos, sendo-lhe contado o resumo do que sucedera. Ela levantou-se e o gigante agarrou em Ester pela cintura. Ela protestou, tendo um estranho déjà-vu, sendo levada contra a sua vontade. O gigante informou:

- Mesmo não tendo Majid como oponente, vai ser difícil sairmos daqui ilesos. Eu vou lançar uma bomba de fumo ao sairmos, nesse momento corremos em direção à saída. Entendido?

- Sim, acho que sim. – Respondeu Dana tonta e confusa.

O gigante com um poderoso pontapé abriu a porta e lançou a bomba de fumo. Quando este se espalhou o suficiente, correram os dois como puderam, encontrando a saída sem contratempos. Quando se encontravam fora do edifício, o homem deu Ester à anja e pediu-lhe que voasse dali para fora. Dana só queria sair dali, mas a rapariga perguntou:

- E tu? Como é que sais daqui depois?

- Eu acho que já dei problemas suficientes. Está na hora de me remediar. Ficarei aqui a ajudar Majid, para verificar que nada acontece ao teu amigo. Não te preocupes comigo.

- Está bem. Obrigado por nos tirares daqui. Ve… - Ester tinha uma lágrima a sair-lhe do olho. Reparou na mudança do demónio interior de Banik, que se tornara agora num camaleão. Ela sabia que tal significava que estava a mentir.

Dana pegou em Ester e levou-a para a beira de Acácio, devido à falta de forças da mulher. A rapariga olhou para o amigo gigante que estava agora a acenar com um sorriso na cara. Parecia ter aceitado o seu destino, tendo reparado no grupo de janízaros com Uzi na mão. Pôs-se de joelhos e colocou as mãos atrás da cabeça. Começou a pedir perdão, mas não lhe adiantou de nada. Mal se parou de mexer, os janízaros pensaram que era uma presa fácil, e dispararam. Uma bala não foi suficiente, mas dez foram um exagero.

Ester quis gritar, mas Dana não lhe permitiu. Não podia deixá-la alertar os janízaros. Voaram o mais rápido que puderam e tentaram avançar para a próxima igreja. Esta já lhes tinha dado sofrimento suficiente.