Paul
Paul caminhava rápido pela trilha que levava à sua casa, os passos firmes esmagando as folhas secas no chão. O vento frio da madrugada atravessava sua roupa, mas ele mal sentia.
A cabeça ainda estava quente. O gosto de Denise ainda estava em sua boca.
Ele não deveria ter feito aquilo.
Mas o corpo ainda ardia com a lembrança do toque dela, da forma como ela se encaixou nos braços dele, como se fosse feita para estar ali.
Pare.
Ele passou as mãos pelo rosto, frustrado, tentando afastar o turbilhão de sensações que ainda dominava seu corpo. Precisava controlar isso antes de chegar em casa. Se os outros percebessem algo errado, estaria fodido.
A tribo não tolerava fraquezas. E, definitivamente, não tolerava humanos.
Quando finalmente atravessou o portão alto de ferro, Paul respirou fundo. O território Fioravante era um refúgio isolado, cercado por florestas densas, protegendo os segredos da tribo do resto do mundo. Apenas membros podiam entrar. E sair.
Ele sentiu os olhares assim que cruzou o pátio de pedra.
— Tá tarde pra caralho, Paul. — A voz grave veio da varanda.
Paul ergueu os olhos e encontrou Enrico, seu irmão mais velho, encostado contra uma pilastra com os braços cruzados. Os cabelos castanhos bagunçados, a mandíbula travada. Ele parecia irritado. Ótimo.
— Tava na festa dos calouros. — Paul respondeu sem parar de andar, tentando passar direto.
Mas Enrico riu de um jeito nada amigável e bloqueou o caminho dele com um passo.
— Achei que já tinha passado da fase de brincar de humano.
Paul cerrou os dentes.
— Não enche o saco.
Enrico inclinou a cabeça, os olhos avaliando o irmão mais novo.
— Você tá estranho.
Ótimo. Mais essa.
Paul soltou um suspiro forçado.
— Só tô cansado. Vou dormir.
Enrico estreitou os olhos, mas não insistiu.
Paul passou por ele e subiu as escadas de pedra, entrando no casarão da família Fioravante. O lugar era silencioso àquela hora, apenas o som distante da lareira crepitando na sala.
No quarto, ele trancou a porta e jogou a camisa em um canto, encarando o próprio reflexo no espelho.
Os músculos estavam tensos, os olhos escuros, um brilho inquieto neles. Ele parecia… selvagem.
A lembrança do jeito que Denise o olhou antes de ir embora bateu nele de novo. A confusão. A indignação.
O desejo.
Paul rosnou baixo, irritado consigo mesmo.
Ele abriu a torneira e jogou água fria no rosto, respirando fundo. Amanhã seria um novo dia. O primeiro dia de aula.
E ele precisava enterrar Denise no fundo da mente antes que cometesse outro erro.
Amanhecer
O despertador tocou às seis da manhã, mas Paul já estava acordado.
Na verdade, não tinha dormido direito. Seu corpo estava exausto, mas a mente não parava de girar.
Ele se levantou devagar, alongando os músculos tensos antes de ir até o banheiro. O rosto no espelho parecia o mesmo de sempre — mandíbula marcada, olhos castanho-escuros, expressão séria — mas ele se sentia diferente.
Ele não deveria estar ansioso para voltar à faculdade. Mas estava.
Denise estaria lá.
Não pense nisso.
Paul tomou um banho rápido, a água quente relaxando um pouco seus ombros. Depois, vestiu uma camiseta preta, jeans escuros e botas. Nada chamativo. Ele nunca gostou de ser o centro das atenções, mas, ironicamente, sempre atraía olhares.
As meninas olhavam. Tentavam se aproximar. Mas nenhuma delas era Denise.
Ele travou a mandíbula, irritado consigo mesmo. Que inferno.
Passou as mãos pelo cabelo curto, pegou a mochila e desceu as escadas. No andar de baixo, sua mãe e alguns outros membros da tribo já estavam acordados, sentados ao redor da grande mesa de madeira.
— Bom dia. — Ele disse, pegando uma maçã da fruteira.
Sua mãe, uma mulher de postura impecável, ergueu os olhos para ele.
— Primeiro dia do terceiro ano, hm? — Ela comentou. — Vai sobreviver?
— Vou tentar.
Um dos mais velhos riu.
— Ainda não entendo por que escolheu esse curso.
Paul já tinha ouvido essa pergunta tantas vezes que nem se incomodava mais.
Engenharia Civil.
Os Fioravante eram uma tribo secreta, isolada, que valorizava a força e a tradição. A maioria dos membros da tribo trabalhava dentro dos próprios negócios familiares ou em atividades que não exigiam envolvimento com humanos. Mas Paul queria mais.
— Construção sempre fez parte da nossa história. — Ele respondeu, dando de ombros. — Eu gosto disso.
E era verdade.
Desde pequeno, ele se interessava por estruturas, por como as coisas eram erguidas e mantidas de pé. Seu próprio lar, o território Fioravante, era cercado por construções antigas, fortificações e casas de pedra que existiam há gerações.
Paul queria entender aquilo. Queria criar.
Além disso, ele precisava de um motivo para se misturar entre os humanos sem levantar suspeitas. Engenharia Civil era um curso grande, respeitado, e lhe dava liberdade para se movimentar sem questionamentos.
Mas, no fundo, ele sabia que também escolheu porque queria ter algum controle.
Lobos eram regidos por instintos, por natureza. Mas construções? Construções eram previsíveis. Calculáveis. Seguras.
Nada nelas fugia do controle. Diferente do que aconteceu na noite passada com Denise.
Ele pegou a chave da moto e saiu sem dizer mais nada.
Precisava chegar na faculdade. E, acima de tudo, precisava se manter longe de problemas.