13 de outubro de 1999 – Periferia de Eva
O astro rei acaba de acordar de seu sono habitual, e junto dele, as aves vão conquistando o ceu. As nuvens antes entediadas, parecem reviver com tons dourados que se misturam com branco de sempre. Até a neblina sem ser notada vai se retirando do palco.
Uma jovem garota chamada Sarah, está se despedindo de sua mãe na frente da porta de sua casa. Seu cabelo preto e longo que contrasta com sua pele clara, balança um pouco com as suaves brisas que circundam o ambiente.
— De novo sem uniforme? — Leila, uma mulher da cabelos ruivos e olhar esverdeado, franze a testa por um momento.
— Hoje tem educação física... — Sarah a responde enquanto termina de ajustar uma mochila verde escura nas costas.
— Eu até passei ele para você. — Ela resmunga enquanto coloca uma fruta na mochila.
— Foi mal! — Sarah já está montada em sua bicicleta.
— Não fale com estraaanhos!!! — Leila grita ao fundo, com sua voz carregada de preocupação, mas Sarah não dá muita atenção e segue seu caminho após um aceno distraído.
Durante os minutos de pedaladas, ela lança olhares observando as casas, alguns carros, e até um veículo das forças armadas, todo marrom-claro, que faz sua ronda matinal. Admira a luz cinza que o para-choque traseiro emana, não demora muito e vê outro igual, despertando sua curiosidade. mas que logo passa ao avistar o portão da escola.
Ao atravessar o portão e chegar até o bicicletário que fica em um canto, três meninas encostadas em uma meia grade, observam sua chegada com olhares maliciosos, os cochichos começaram.
— Ei menina! Vem cá!... — Chamou uma das meninas, de cabelo castanho-claro.
Sarah se aproxima com uma leve expressão de dúvida.
— De qual série você é? — Perguntou a garota do grupo com um tom de superioridade.
— Oitava série... Por quê? — Respondeu Sarah com a expressão ainda de estranhamento, enquanto encara levemente para cima, diretamente na face da menina.
As três meninas se encaram em silêncio por um instante e logo soltam leves risos enquanto voltam seus olhares para ela.
— Você tem o que, treze anos? — Ela volta a questioná-la.
— Quatorze…
— Que bolsa bonita menininha. — Outra das três garotas, uma que tem o cabelo castanho escuro e liso, se aproxima dela enquanto elogia sua mochila com um tom de ironia. Ela até toca para ver de qual tecido é feita.
A jovem somente a observa com o olhar de canto.
— Ei, não é filha daquele empresário? — Então ela se questiona em voz alta enquanto lança um olhar de acusação para a jovem.
— É verdade! Aquele que tem negócios com os nobres de Âmica... — A garota de cabelo castanho-claro complementa a acusação, nesse momento os olhares das meninas emanam o rancor dentro delas. — Ela deve ser daquelas menininhas mimadas, aliás, por que você não está em uma escola privada? — Novamente ela lança palavras afiadas com um tom de intimidação.
— Agora que lembrei!... Ela brinca no meio dos meninos do segundo! — A terceira, de cabelo cacheado na cor chocolate, lança suas palavras como se fossem veneno.
— Ui! Credo! Fica longe menina... menino… sei lá o que você é! — A garota de cabelo castanho-claro se afasta dela com uma expressão de desprezo.
Sarah olha para as meninas com um olhar fixo enquanto seus punhos se serram.
Antes que algo mais pudesse acontecer, um grupo de três rapazes se aproximam e com abraços animados, as envolvem. Após alguns segundos, uma das meninas percebe que a Sarah desapareceu, bom... Isso não importa mais.
Os minutos passam e logo o sinal toca, os alunos se direcionam para suas salas, logo em seguida os professores chegam com um pouco de atraso e se põem a trabalhar.
Enquanto o professor se vira para escrever algo no quadro, Marcela, uma menina esbelta de cabelo loiro, que se senta atrás de Sarah, há cutuca nas costas chamando sua atenção.
— Por que você não foi comer com a gente hoje? Ficamos preocupados. — Marcela a questiona com uma voz doce e uma leve expressão de preocupação.
— Eu não estava com fome... — Com sua voz rouca e baixa, lança palavras ao vento enquanto seu olhar está distante e voltado para o chão entre as filas de carteiras.
Nesse momento, Marcela observa que na mesa de sua amiga contém pequenas marcas como se algum líquido tivesse sido enxuto às pressas, com um olhar triste em sua face, ela imagina o que deve ter acontecido, em seus pensamentos ela se questiona do motivo.
As aulas se passam, uma após a outra, explicações e questionamentos são feitos, algumas palhaçadas surgem, e a hora do intervalo chega.
Sarah sai antes que todo mundo e vai se sentando o chão enquanto se encosta em uma parede ao lado do pátio em busca de um pouco de sol. As crianças que a pouco estavam correndo para formar uma fila para pegar a merenda, já estão correndo e brincando de pega-pega pelo pátio.
Já os alunos mais velhos estão todos sentados conversando e comendo, alguns ainda se arriscam a passar vergonha ao brincar de algo.
— Ei, posso me sentar? — Marcela se aproxima pela esquerda com a testa franzida, enquanto observa Sarah que está de pernas cruzadas, com a cabeça largada na palma de sua mão esquerda, com o cotovelo apoiado na coxa.
Sem se virar para o lado, responde com um aceno positivo de cabeça enquanto seu olhar está distante.
Após alguns segundos de silêncio. — Então… me conta o que aconteceu? — Marcela volta a questioná-la com o olhar voltado para o chão. O silêncio toma conta daquela pequena região onde as duas estão por alguns minutos.
— Você está assim por causa daquelas meninas idiotas né? — Uma voz jovem, grossa e masculina surge vinda do lado direito delas.
— Bernardo! — Marcela o reconhece em meio ao sol que o ilumina.
— Oi Marcela! — Ele responde enquanto retorna o olhar para Sarah — Eu vi você na entrada hoje, aquelas meninas idiotas estavam implicando com você certo?
— Então é por isso que você chorou? — Marcela a questiona sem pensar.
Então Sarah olha para ela com a expressão de quem está emburrada.
Bernardo se senta do lado direito de Sarah, e após alguns segundos de silêncio entre eles, Sarah inspira fundo e logo vai soltando o ar enquanto fecha os olhos.
— Vocês acham que eu pareço um menino? — Sarah os indaga enquanto olha para baixo.
— Não! Esse é seu jeito de ser... e para mim você continua sendo menina, você é a menina mais irada dessa escola, até hoje não esqueço a sua coragem de descer aquela rua imensa sem frear a bicicleta — Bernardo solta algumas palavras de entusiasmo enquanto seu olhar distante se perde nas crianças correndo no pátio a sua frente — Você é bem mais legal assim do que se fosse uma princesinha mimada.
— É verdade, eu tenho medo até de subir em uma bicicleta, mas você sempre me encoraja. — Marcela exclama palavras gentis enquanto seu olhar sai do chão se virando para Sarah.
Lágrimas escorrem dos olhos de Sarah, Marcela se aproxima e a abraça, Bernardo não fica para trás e faz o mesmo, sorrisos nascem em meio aos raios de sol.
— Eu amo vocês! — Com sua voz um pouco rouca em um tom que transmite uma paz imensurável, ela se deixa levar pelo momento.
— Eu também! — Bernardo devolve a gentileza.
— Eu taambéém aamo vocêêêsss... — Então Marcela começa a chorar.
Bernardo e Sarah começam a rir da amiga.
Sarah se levanta e vira para os dois com o olhar mais feliz do mundo, os olhos de alguém que já tem tudo que um dia desejou. Ela os pega pelos braços e os puxa.
— Anda, vamos! O pega-pega deve estar animado hoje, quero ver se alguém será finalmente capaz... — Com sorriso estampado, Sarah os leva para junto das outras crianças para tentarem se divertir nos minutos que eles ainda têm de intervalo.