Chapter 23 - Uma visita

A noite desenrolava-se tranquila quando Lya, Eren e Arwen deixaram o baile para trás e regressaram a casa. O caminho foi silencioso, cada um imerso nos próprios pensamentos. O ar ainda carregava a música distante e os ecos das conversas, mas a tensão da noite pairava sobre eles.

Assim que entrou no seu quarto, Lya sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha. Havia algo diferente. A brisa noturna soprava suavemente através da varanda aberta, e foi então que o viu. Uma águia de plumagem escura empoleirada no parapeito, os olhos dourados fixos nela com uma intensidade inquietante.

O coração de Lya bateu mais forte quando a águia saltou do parapeito, o movimento fluido e natural transformando-se diante dos seus olhos. Num instante, a criatura alada deu lugar à figura esbelta e imponente de Kaen. Os cabelos escuros caíam-lhe pelos ombros, e os olhos, os mesmos olhos dourados que a hipnotizavam no baile, faiscavam sob a luz da lua.

— Espero que não te importes com uma visita tardia — disse Kaen, a voz baixa e carregada de algo indecifrável. — Tive que chegar antes que a tua mestre acionasse a cúpula de proteção.

Lya recuou um passo, o instinto avisando-a do perigo, mas ao mesmo tempo, uma estranha parte de si não queria que ele fosse embora.

— O que estás a fazer aqui? — perguntou, tentando manter a voz firme.

Kaen inclinou ligeiramente a cabeça, um sorriso brincando-lhe nos lábios.

— Vim ver-te, minha Deusa. Podemos conversar… dentro? Ou preferes que os teus vizinhos nos vejam assim?

O convite pairou no ar, e Lya sentiu medo e confusão, mas também um êxtase inesperado em vê-lo novamente.

Após um instante de hesitação, Lya respirou fundo e deu um passo para o lado, permitindo-lhe entrar. Kaen moveu-se com a confiança de alguém que sabia o efeito que tinha sobre os outros.

Fechou a porta atrás de si, encurtando a distância entre eles sem pressa, os olhos percorrendo-a como se gravassem cada detalhe.

— Sabes — murmurou ele, a voz tão suave quanto sedutora —, estava ansioso para ver-te novamente. Não quero passar um minuto sem ti.

Lya sentiu o calor subir-lhe ao rosto, mas manteve o olhar firme.

— Isso não justifica entrares no meu quarto a meio da noite.

Kaen soltou uma leve gargalhada e aproximou-se mais, levantando uma mecha do cabelo dela entre os dedos.

— E se eu disser que apenas queria um momento a sós contigo? Sem olhos atentos, sem julgamentos... apenas nós dois. Isso faz com que seja menos impróprio? E não entrei antes de tu deixares.

O coração de Lya acelerou com a proximidade. Havia algo nele que a desarmava, um misto de perigo e atração que a deixava sem resposta imediata. Kaen deslizou os dedos até ao seu rosto, o toque quente e deliberado.

— És ainda mais bela de perto — sussurrou ele, inclinando-se ligeiramente.

Lya sabia que devia afastar-se, mas, por um breve momento, não quis. Kaen era como uma tempestade prestes a desabar sobre ela, e havia algo inegavelmente sedutor na ideia de ser arrastada por ela.

— Eu não estou disponível. — murmurou Lya, tentando recuperar o controle da situação.

Kaen sorriu, um brilho malicioso nos olhos dourados.

— Não estou preocupado com Eren. Estou preocupado contigo. Diz-me, Lya… queres que eu vá embora? Se disseres que sim, desapareço agora mesmo. Mas se disseres que não…

Ele deixou a frase no ar, a promessa implícita na sua voz. Lya sentiu o peso da escolha e a forma como o coração batia descompassado no peito.

Lya umedeceu os lábios, tentando ignorar o efeito que a proximidade de Kaen causava. A pergunta escapou-lhe num sussurro hesitante:

— Bem... — desviou o olhar por um instante, reunindo coragem — porque estás tão interessado em mim?

Kaen observou-a por um longo momento, como se ponderasse até que ponto deveria ser sincero. Então, soltou um suspiro e afastou-se ligeiramente, os olhos dourados agora carregados de algo mais profundo.

— Não era para ter sido assim — murmurou.

Lya franziu o cenho.

— O que queres dizer com isso?

Kaen passou uma mão pelos cabelos, um gesto de frustração contida.

— Eu tentei chegar às Ruínas de Nareth antes dos feiticeiros te encontrarem. Mas falhei. Eles foram mais rápidos. — A voz dele carregava uma ponta de irritação, mas também algo inesperado... arrependimento.

Lya sentiu um frio percorrer-lhe a espinha.

— Queres dizer que... tu já sabias que eu estava lá?

Ele assentiu lentamente.

— Soube assim que atravessaste para este mundo. Eu estava a caminho, mas quando cheguei, já tinhas sido levada. — Kaen suspirou e, por um instante, a máscara de confiança desabou ligeiramente. — Peço desculpa por isso.

Lya ficou sem palavras. A revelação abalava tudo o que ela acreditava sobre a sua chegada àquele mundo.

— Se tivesses chegado primeiro... — começou ela, mas não terminou a frase.

Kaen inclinou a cabeça, um sorriso provocador surgindo de novo nos lábios.

— Se eu tivesse chegado primeiro, minha Deusa... então nada disto seria um problema.

O olhar intenso dele prendeu o dela, e Lya sentiu a respiração vacilar. Ele levou as duas mãos ao rosto dela, os polegares roçando levemente sua pele como se a estivesse a memorizar. A distância entre os dois diminuiu, e por um instante, Lya teve a certeza de que ele a beijaria. Mas, de repente, Kaen respirou fundo e parou.

Os olhos dourados queimavam com uma promessa silenciosa quando ele murmurou:

— Vou te conquistar, minha amada.

Aquelas palavras deixaram Lya sem ar por um momento. O coração dela pulsava contra o peito como se tentasse encontrar um ritmo estável.

— Não sou algo que se pode conquistar, Kaen — disse, tentando recuperar o controle.

Ele sorriu de lado, o brilho travesso e sedutor voltando ao olhar.

— É bom ouvir te dizer o meu nome.

Kaen afastou-se um pouco, como se quisesse lhe dar espaço, mas não o suficiente para que a conexão entre eles se quebrasse. Com um gesto lento, deslizou um dedo pelo braço dela antes de se virar em direção à varanda.

— Preciso ir antes que os teus amigos percebam que estive aqui.

Lya cruzou os braços, tentando ignorar o arrepio que o toque dele deixara.

— Então vieste só para me provocar?

Kaen riu baixinho, os olhos faiscando com diversão.

— Vim porque queria ver-te. E porque quero que saibas que não vou desistir de ti.

Ele moveu-se sem esforço até à varanda, a brisa noturna agitando-lhe os cabelos. Lya observou quando, num movimento fluido, Kaen se transformou novamente na imponente águia negra. Antes de levantar voo, lançou-lhe um último olhar significativo, como se quisesse gravar sua reação na memória.

O bater de asas ecoou na noite, e então ele desapareceu no céu escuro.

Lya ficou ali por um longo momento, o coração ainda descompassado. Algo lhe dizia que aquela não seria a última vez que ele surgiria inesperadamente.

E, por mais que tentasse negar, uma parte dela já aguardava por isso.