Na manhã seguinte, Arwen seguiu sozinha para o Conselho de Feiticeiros. O salão estava iluminado pelos vitrais altos, onde Malrik já a esperava no centro, ladeado por outros membros do conselho. Havia um peso no ar, um prenúncio do que estava por vir.
Poucos minutos depois, as portas se abriram, e a comitiva dos metamorfos entrou. Kaen caminhava à frente, a postura firme e os olhos dourados brilhando com determinação. Ele olhou diretamente para Malrik antes de falar.
— Viemos em nome da Deusa. — A sua voz ecoou pelo salão, firme e carregada de significado. — E vim buscar o que nos pertence.
Os feiticeiros trocaram olhares tensos, e Malrik manteve a expressão fria.
— Explica-te, metamorfo — ordenou, o tom calculadamente neutro.
Kaen esboçou um meio sorriso, aproximando-se um pouco mais.
— A Deusa já selou os destinos, quer vocês aceitem ou não. Há algo neste lugar que me pertence, e que foi tirado de mim antes do tempo. Estou aqui para corrigir isso. E é Príncipe Kaen, vim em paz e exijo o respeito que me é devido, feiticeirinho!
Os murmúrios dos feiticeiros aumentaram, mas Arwen permaneceu em silêncio, observando atentamente cada movimento.
— Palavras vagas não fazem negociações — cortou Malrik. — Se tens algo a exigir, sê claro.
Kaen inclinou ligeiramente a cabeça, o brilho felino no olhar.
— Não estou aqui para começar uma luta. Estou aqui para reclamar o que é inevitável. A Deusa escolheu, e a sua vontade será feita, queiram vocês ou não.
Malrik cerrou os dentes, a paciência já desgastada.
— Não nos vens aqui dar lições sobre a Deusa, metamorfo. Entre estas paredes, não se fala dela. Se achas que podes entrar aqui e exigir o que quiseres sob esse pretexto, estás muito enganado!
Arwen interveio antes que a tensão explodisse de vez.
— Não precisamos transformar isto numa disputa de poder. Viemos para negociar, não para provocar uma guerra. Que ambos mostrem o devido respeito.
Kaen ergueu uma sobrancelha, avaliando-a por um instante antes de esboçar um sorriso ladino.
— Respeito será dado quando for merecido.
Malrik fechou o punho sobre a mesa de pedra.
— Não serás tu a ditar as regras neste Conselho, metamorfo.
O silêncio que se seguiu foi pesado. Arwen apertou os punhos, sentindo que a guerra que todos temiam estava cada vez mais próxima.
— Eu fui convidado esqueceu? Príncipe Kaen ou queres essa garganta arrancada? — disse firmemente Kaen, num tom assertivo e ameaçador.
O silêncio que se seguiu foi pesado. Arwen apertou os punhos, sentindo que a guerra que todos temiam estava cada vez mais próxima.
— Esqueceram-se do que a Deusa nos protege? — A voz de Selene rompeu o silêncio, cortante como uma lâmina. Todos voltaram-se para ela. — Esqueceram-se do que quase nos extinguiu?
Os feiticeiros se entreolharam, alguns inquietos, outros contendo expressões de desconforto. Kaen cruzou os braços, observando-a com interesse, enquanto Malrik mantinha-se imóvel, o olhar impassível.
— Do que falas, Selene? — Arwen perguntou, franzindo a testa. Algo na forma como Selene falava indicava que havia uma verdade que ela desconhecia.
Selene avançou alguns passos, encarando o Conselho como se os desafiasse a contradizê-la.
— Todos conhecem a história que contamos às nossas crianças: feiticeiros e metamorfos sempre estiveram em guerra, divididos pelos seus dons e suas crenças. Mas essa não é toda a verdade, pois antes de nos voltarmos uns contra os outros, havia um inimigo comum. Algo que nos forçou a unir-nos... antes de nos esquecermos do verdadeiro perigo.
Malrik inclinou ligeiramente a cabeça, os olhos dourados faiscando com interesse.
— E que inimigo seria esse? — Sua voz era baixa, mas carregada de curiosidade.
Selene observou os feiticeiros em silêncio por um momento, como se testasse a coragem deles para admitir o que estava prestes a dizer.
— Criaturas das sombras. Seres antigos, esquecidos, mas não destruídos. A Deusa protege-nos deles. Ou protegia, até começarmos a ignorar os seus sinais. E agora, com a instabilidade entre feiticeiros e metamorfos, temo que algo esteja a despertar novamente.
Arwen sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha. Nunca ouvira nada sobre isso. Não nos registos do Conselho, nem mesmo nos textos mais antigos que estudara. Olhou para Malrik, que permanecia calado, a expressão dura, e percebeu naquele instante que ele sabia. E que escondia essa verdade de todos.
— Ela só nos exige algo simples em troca, um casamento com o ritual de adoração! Uma união! E estão aqui a gritar e brigar por nada! — foi severa e implacável na sua voz.
Malrik inspirou profundamente e levantou a mão, ordenando silêncio.
— Esta reunião acaba por agora. Não tomarei decisões baseadas em mitos e superstição sem uma investigação apropriada. Iremos analisar os registos e confirmar se o que foi dito aqui tem fundamento. Até lá, não há mais negociações.
Kaen apertou os olhos, um sorriso quase imperceptível nos lábios.
— Faz isso, feiticeiro. Mas não demores muito. A Deusa não gosta de ser ignorada.
Malrik não respondeu. Apenas sinalizou para que os guardas escoltassem os metamorfos para fora, enquanto os membros do Conselho trocavam olhares inquietos.
Quando a reunião terminou e os metamorfos foram escoltados para fora, Arwen permaneceu ali, a tensão ainda pairando no ar. Não conseguiu evitar que sua mente se debatesse com as palavras de Selene. As criaturas das sombras. Uma ameaça antiga, esquecida... ou talvez ignorada por conveniência.
Malrik estava prestes a se retirar para seus aposentos, mas Arwen o interceptou, com os olhos flamejantes de indignação.
— Não posso acreditar no que acabaste de fazer, Malrik. — Sua voz soou grave, e ela se aproximou dele, mais do que disposta a enfrentar o líder do Conselho. — Ignorar o que foi dito como se fosse apenas um mito... Você sabe tão bem quanto eu que há algo de verdade no que eles disseram. Não podemos mais fechar os olhos para isso!
Malrik a encarou com um olhar gélido, mas havia algo nos seus olhos que traía uma leve inquietação. Ele sabia que Arwen não falava sem fundamento, e isso o incomodava.
— Arwen, temos os nossos protocolos. As palavras de Selene são, no melhor dos casos, uma teoria. E como bem sabes, somos cientistas da magia. Precisamos de provas antes de tomarmos qualquer decisão.
Arwen bufou, claramente frustrada, e deu um passo mais perto de Malrik, mantendo o tom firme.
— Provas? Como podemos esperar provas se continuamos a enterrar a cabeça na areia? O que Selene disse não é apenas teoria, Malrik. Já vimos o que acontece quando a Deusa é ignorada. O que ela exige não é impossível, nem desonrante. Estamos tão preocupados com a nossa guerra interna que esquecemos a verdadeira ameaça. E se as criaturas das sombras realmente estiverem a despertar, a nossa divisão será a nossa ruína!
Malrik a observou por um momento, e, por um breve instante, Arwen percebeu a vulnerabilidade por trás de sua fachada calculista. Mas logo ele recobrou a compostura, afastando-se ligeiramente.
— A guerra entre feiticeiros e metamorfos não pode ser interrompida por superstições, Arwen. Sei que és cautelosa e sensata, mas não podemos ceder a tudo o que se diz, mesmo que venha de Selene, que, sabemos bem, tem tendências... apocalípticas.
Arwen não conseguiu segurar a frustração que se formava em seu peito.
— Então, que fazemos? Esperamos que as sombras invadam a nossa cidade? Esperamos que a Deusa faça o que for necessário, enquanto todos continuamos a lutar uns contra os outros, como sempre? Se não fizermos nada, a guerra será nossa última preocupação. — Sua voz se tornava cada vez mais determinada, quase suplicante, em busca de alguma resposta que fosse mais que uma solução temporária.
Malrik ficou em silêncio, seus olhos fazendo uma análise fria, como se estivesse ponderando suas palavras com mais cuidado. Por fim, ele suspirou.
— Não podemos simplesmente ceder à primeira ameaça que aparece. Mas, em respeito ao teu instinto, vamos investigar mais a fundo. Até lá, não fale mais sobre isso. Se os metamorfos voltarem, que tragam mais do que palavras.
Arwen manteve-se em silêncio por um momento, sentindo o peso da responsabilidade recair sobre ela. Sabia que não podia desistir dessa luta, mas também sabia que estava a jogar um jogo perigoso com Malrik. A única coisa que lhe restava era esperar que ele se convencesse da verdade antes que fosse tarde demais.
— Muito bem. Mas lembro-te, Malrik, que quando as sombras chegarem, não haverá mais tempo para decisões. Que não digas que não te avisei.
Com essas palavras, ela se virou, deixando Malrik para trás. O salão vazio parecia carregar uma ameaça invisível, e Arwen sabia que o futuro do Conselho e de todos os feiticeiros e metamorfos estava a ponto de ser decidido — e talvez a guerra que eles temiam fosse apenas o começo.