"Ah, porra... Parece que eu vou pisar no submundo antes do que pensei"
Esse foi meu último pensamento antes de morrer. A essa altura eu já não me preocupava com nada que estivesse acontecendo ao meu redor.
Gritos de dor e desespero, pedidos de misericórdia, todos os tipos de sons emitidos em um campo de batalha criando uma cacofonia que pairava por toda a área, mas eu já não ligava para mais nada. Tudo aconteceu tão rápido que nem tive tempo de saber exatamente quem nos atacou.
Eu só me lembro de estar com várias lanças cravadas no meu abdômen enquanto meu sangue escorria pela minha boca e pelos ferimentos que havia sofrido.
Virado para cima, tudo o que vi eram nuvens cinzas muito densas que cobriam todo o céu, parecia que uma tempestade estava prestes a cair sobre mim. Enquanto minha visão escurecia aos poucos, o meu corpo que já havia perdido muito sangue, ainda tentava me manter vivo transferindo minhas últimas energias para os músculos do meu abdômen na tentativa de parar o sangramento.
Mas já era tarde para mim, não havia nada que pudesse ser feito se não esperar pelo momento da minha morte.
Mas por que eu tive que morrer justo agora? Por quê sempre quando eu tomo uma decisão que pode mudar drasticamente o rumo da minha vida, um imprevisto acontece e acabo tomando um rumo totalmente diferente do que imaginei?
Porra, eu odeio imprevistos. E sinceramente, esse último em questão foi o pior de todos eles.
Mas quem foi o responsável por isso?
Quando eu tinha 18 anos, já liderava um exército, e mesmo sendo tão jovem eu nunca tive uma única derrota, porém isso não era o suficiente para mim. Afinal eu havia me convencido de que não iria parar até conquistar o mundo, mas conforme o tempo passava, meu exército perdia a vontade de lutar, o que acabou me impedindo de continuar com o meu objetivo.
Não havia ninguém em toda a Hélade que não tivesse escutado o meu nome. Afinal eu sou aquele que livrou a Grécia e o Egito do império persa. Alexandre Magno, o rei da Macedônia.
As coisas foram de mal a pior quando alguns dos meus homens revoltados com a minha decisão de continuar no campo de batalha, começaram a organizar vários motins na intenção de desorganizar meu exército e tornar impossível o avanço para outras terras, para poderem retornar para suas famílias. Depois de muita persistência deles eu decidi recuarmos do extremo oriente indo em direção ao deserto de Gedrósia, a fim de chegarmos até a Babilônia o mais rápido possível.
Depois de retornar até a Babilônia e dispensar meu exército, eu recebi uma notícia, ou melhor, uma visita de um homem encapuzado cobrindo todo o seu corpo que apareceu diante de mim. Ele me disse que Nêmesis, a deusa a quem eu servia, havia sido condenada por traição, e por ser o mais leal e o mais próximo de todos os seus servos, estava sendo caçado sob a ordem de ser executado.
Eu não me lembro muito bem como reagi durante aquela conversa, ou os detalhes dela, mas eu escolhi não dar ouvidos aos conselhos daquele homem que me instruiu em permanecer na Babilônia, e buscar respostas indo até os templos de adoração. Alguns soldados insistiram em me acompanhar já que pretendiam realizar suas preces aos deuses. E eu acabei os arrastando para a morte.
Novamente, não me lembro o que aconteceu exatamente, tudo o que tenho são fragmentos das minhas memórias, fragmentos que pareciam se perder a cada instante em que minha alma parece estar navegando sem rumo em uma profunda escuridão.
Por não ser capaz de compreender exatamente onde eu estava e por eu ter tido esse lapso de memória, deduzi que estivesse nos Campos de Asfódelos, condenado a vagar sem rumo e cair para o esquecimento naquela região do submundo. Era o que eu pensava.
Quando eu me dei conta, percebi que mesmo naquela escuridão havia uma luz fraca, que às vezes desaparecia, ou ficava mais fraca, mas sempre voltava. E...como posso explicar isso?
Eu acho que eu tenho um corpo. Não consigo explicar muito bem mas eu acho que não é minha mente me pregando uma peça, já que tenho a sensação de estar flutuando em um rio enquanto uma luz ofuscante aparece de tempos em tempos. E esse corpo, não sei....me parece...pequeno demais eu acho...
Eu também não faço ideia de onde eu esteja, o tempo parece passar bem devagar por aqui. Tentei me mover algumas vezes, procurava usar minha visão debilitada, mas eu não conseguia manter nenhum deles por muito tempo, eu apagava logo em seguida.
Certa vez, a luz ofuscante apareceu de novo para mim, mas estava diferente, das outras vezes ela vinha de outro lugar mas agora parece estar um pouco acima de mim, além de estar um pouco mais brilhante do que antes. E pra ficar ainda mais esquisito, eu pareço estar sendo puxado em direção a ela.
Depois de alcançar a luz, minha visão ainda estava um pouco embaçada, mas o que me assustou de verdade, foi perceber que estava respirando, assim como um ser vivo faria. Não era minha cabeça me pregando uma peça, eu também não estava em qualquer lugar do submundo. Eu havia voltado a vida!
Mas minha alegria não durou muito, eu havia voltado a vida, mas não como Alexandre Magno, e sim como um bebê. Não sei porquê me trouxeram de volta, porém, não acho que voltar a vida como um bebê tenha sido proposital, pelo menos eu acredito que não.
"Espera um pouco aí, esse tempo todo eu estava dentro da barriga de alguém?! E a luz que estava acima de mim era a abertura da..." é melhor eu não pensar mais sobre isso.
Minha visão ainda estava um pouco ruim mas eu já conseguia enxergar onde estava. Era uma pequena sala com alguns objetos estranhos, mas o que mais me chamou atenção, eram as duas pessoas que estavam me aguardando naquela sala. Provavelmente eram meus pais.
Fui conduzido até eles por uma outra mulher que me segurava nos braços. Quando abri meus olhos novamente, já era capaz de enxergar um pouco melhor, minha visão já estava mais nítida e pude ver o rosto daquele jovem casal.
Àquela que me segurava nos braços agora era minha mãe, fiquei encantado pela cor verde de seus cabelos, que por sinal nunca tinha visto alguém com essa cor antes.
Ao lado dela estava um Homem que parecia ter a mesma idade, com cabelos em um tom escuro bem chamativo e assim como ela também estava com um olhar sereno dirigido a mim. Ele tem um físico impressionante, mesmo com a visão bem debilitada eu posso dizer isso, só não sei dizer se ele tem cabelo curto ou comprido, me parece que estão presos atrás de sua cabeça.
A mulher olhou para mim com um sorriso e falou, mas depois aquele sorriso se converteu em lágrimas. Pareciam mais lágrimas de alívio do que de felicidade. Ela parecia estar bem preocupada com alguma coisa.
O homem também mudou sua expressão e disse algo em resposta, o que parece ter consolado ela. Tentei assimilar àquelas palavras com qualquer idioma que eu conhecia, mas eram tão distintas que era impossível entender o que estavam dizendo, o jeito é ir aprendendo aos poucos.
Quem me trouxe aqui? Por quê? Onde eu vim parar depois de morrer? Eu não fazia a menor ideia. Só sei que preciso me adaptar de um jeito ou de outro, meu primeiro passo será fazer parte dessa família, mas o problema real é saber em que região do planeta eu estou, ou talvez eu esteja em um mundo totalmente diferente, ou talvez as duas coisas.
Mas isso não era minha maior preocupação, pois bem... Eu literalmente fui transformado em um bebê! Acho que nos próximos meses eu viverei a pior das torturas...