Eu não estava apenas tentando ser engraçado ao dizer que seria uma tortura, realmente estou passando pela fase mais humilhante da minha vida.
Como esperado, o frágil corpo de um bebê é bastante limitado. Apesar de que em poucas horas, eu já era capaz de engatinhar. Embora não fizesse muita diferença no meu ponto de vista...
Afinal, de que adianta ser capaz de fazer algo que a maioria dos bebês não conseguiria em poucas semanas? Engatinhar ainda era difícil. Uma certa quantidade de esforço já me deixava exausto,e isso não era o maior dos problemas.
Meu corpo simplesmente não me obedecia em certas horas. Quero dizer... não é só sobre chorar involuntariamente, eu também não tenho nenhum controle ao excretar os resíduos, apenas... sai. Isso é inaceitável!
Apesar dessa sensação de impotência, eu precisava me acalmar, pois não havia muito o que pudesse fazer. Nas primeiras semanas, eu ficava em um berço a maior parte do tempo. Um berço que parecia mais uma gaiola do que os que eu estava acostumado a ver.
O único aspecto positivo é que fui amamentado pela minha mãe. Não me entenda errado... sem segundas intenções. É apenas a pura e simples realidade de um bebê.
***
Após oito meses vivendo com a minha nova mãe e meu novo pai, eu já conseguia entender boa parte do idioma deles. Eles costumavam interagir bastante comigo, então aos poucos consegui associar certas palavras a ações ou objetos. No entanto, gostaria de ter começado a aprender um pouco antes.
O problema é que nos primeiros meses,
eu mal conseguia me manter acordado por mais de algumas horas. Com o passar do tempo, fui me acostumando com as limitações do meu corpo e as peculiaridades da minha nova vida. Mas minha mãe era peculiar...
Enquanto a maioria das palavras que ela usava pareciam fazer parte do mesmo idioma, havia momentos em que ela resmungava algo que soava completamente diferente. Eram frases curtas, quase como murmúrios, que não se encaixavam no padrão da língua que eu estava começando a aprender. Às vezes, ela dizia algo como 'c'est la vie' ou 'je ne sais pas', palavras que não pareciam ter nenhuma conexão com o que estava acontecendo ao nosso redor. Eu me perguntava se era algum tipo de dialeto regional ou quem sabe até outro idioma.
Enfim...
Nesse período, me tornei capaz de ficar de pé e dar alguns passos ligeiros, mas ainda é difícil manter o equilíbrio, engatinhar ainda é a melhor forma de se locomover. Eu também já conseguia controlar os impulsos que me levavam a chorar, uma pequena vitória, apesar de ainda não controlar minhas secreções... ocorrem sempre nos piores momentos. Já me acostumei...
— Sempre que eu me distraio, ele vai parar em algum lugar — disse minha mãe. — Ontem mesmo, quando virei as costas por um instante, ele já estava no canto da sala, tentando pegar um daqueles livros.
— Bem, ele é curioso, isso é bom. Quer dizer que ele vai ser inteligente, não é? — respondeu meu pai enquanto eu engatinhava em direção à janela, sentindo a brisa fresca do lado de fora.
— Não é só isso... Ele não chora, não faz birra, e sempre parece estar prestando atenção em tudo. É como se ele entendesse o que estamos dizendo.
Eu me senti um pouco tenso, mas tentei manter uma expressão neutra. "Ops, acho que não foi uma boa ideia controlar meus impulsos", pensei. "Preciso ser mais cuidadoso. Não é como se fossem descobrir algo tão improvável, mas não quero chamar muita atenção."
Meu pai deu de ombros enquanto ria.
— Ah, você está pensando demais nisso. Ele é só um bebê calmo. Talvez ele só seja um pouco observador.
Minha mãe me olhou nos olhos, como se estivesse tentando decifrar algo.
— Observador, sim... Mas às vezes eu sinto que ele sabe mais do que deveria. 'C'est étrange...'
"Ela resmungou algo esquisito de novo…" pensei.
Nossa casa era bem grande, embora não aparentasse ser muito luxuosa. As paredes eram feitas de tijolos à vista e o piso era de madeira, além de várias janelas com cortinas simples. Não havia outras casas ao redor, somente vegetação baixa, pelo menos nas proximidades. Mas em um dos espaços da casa, um objeto estranho chamava minha atenção:
Uma caixa em formato retangular com uma superfície lisa e escura. Às vezes ela brilhava com imagens coloridas e sons que pareciam sair de dentro dela. "O que é isso?" pensei. Sempre que tentava me aproximar, minha mãe me pegava no colo antes que eu pudesse tocar.
Outra coisa que me deixava intrigado eram as esferas de vidro presas no teto. Elas emitem luz constantemente, sem precisar de fogo ou velas. "Como isso é possível? Não parece ser nenhum tipo de magia ou cristal de mana que estou acostumado a ver." Havia também outro objeto que meus pais usavam, semelhante à caixa; eu via minha mãe deixar próximo do ouvido enquanto conversava com alguém invisível. "Isso é algum tipo de comunicação espiritual? Ela está falando com os deuses ou algo assim?" eu pensava, sem entender.
No fundo da casa, tinha um jardim com uma árvore frutífera no centro e outras plantas ao redor. Minha mãe costumava acordar bem cedo para ir regar as plantas, além de cuidar de quase todos os afazeres domésticos. Mas o físico dela, não sei... ela não parece do tipo que se dedicou a cuidar dos afazeres domésticos ao longo da vida, pelo menos não antes de eu nascer.
Com o tempo, fui aprendendo como aqueles objetos estranhos funcionavam. Aprendi que as esferas que emitem luz se chamam 'lâmpadas', e assim como todos os aparelhos da casa, funcionavam como algo chamado 'eletricidade'. A caixa com imagens que se moviam era uma 'televisão', e as pessoas a usavam para ver histórias e notícias de lugares distantes. E por fim, o aparelho que minha mãe usava era um 'celular'. Ela o usava para falar com outras pessoas.
"Então não era magia…" suspirei, um pouco decepcionado. "Será que estou em uma região tão distante e isolada a ponto de não saber nada sobre isso? Será que se passaram décadas ou séculos desde a minha morte?"
O fato de estar em um lugar totalmente desconhecido por tanto tempo me deixava desconfortável. "Se eu ainda estiver no mesmo mundo, o que aconteceu com tudo o que eu conhecia? Onde estão os impérios, as cidades, os deuses?"
Mas no fim de uma tarde, a impressão que eu tinha de estar distante de tudo que conhecia em minha outra vida havia mudado.
Meu pai costumava sair de casa a trabalho por dias, sempre retornando quando eu já estava adormecido. Porém, hoje foi diferente. Quando engatinhei até a janela para dar uma espiada, ele havia chegado em casa vestindo algo que parecia muito com uma espécie de armadura. Parecia ser do tipo leve e prática, algo que eu estava muito acostumado a ver. Na cintura, ele carregava uma espada que alcançava seu joelho, e suas botas estavam cheias de lama. "Onde diabos ele esteve?", me perguntei. Ele parecia cansado, como se tivesse caminhado por horas ou lutado em uma batalha.
Minha mãe se aproximou dele com um sorriso caloroso.
— Querido, você está bem? — ela perguntou, ajudando-o a tirar uma bolsa que trouxe consigo.
— Sim, querida. A exploração foi mais exaustiva do que imaginei — ele respondeu, enquanto abria a bolsa e retirava algo que imediatamente chamou minha atenção.
Era um cristal, mas não como os de pedras preciosas normais. Ele brilhava com uma luz suave de cor azul, quase pulsante, que parecia fluir dentro dele, como se tivesse vida própria. "Isso é um cristal de mana?", pensei surpreso. Eu conhecia esses cristais da minha vida anterior, mas nunca havia visto um tão puro e carregado.
— Querido, isso é muito caro... — disse minha mãe, olhando para o cristal com um pouco de preocupação. — Você tem certeza de que está tudo bem levar isso?
— Não se preocupe — ele respondeu, com um sorriso tranquilo. — Os mineradores me deixaram ficar com ele como um extra. Além disso, eu precisava consertar aquela espada que quebrou há um tempo, lembra? A que está guardada no armário.
Enquanto ele falava, desembainhou a espada que estava na cintura, e eu pude ver uma rachadura no meio da lâmina. "Então ele realmente esteve em uma batalha", pensei enquanto observava atentamente. O cristal de mana brilhava mais forte quando ele o aproximou da da espada, como se reconhecesse a necessidade de reparo.
— Só tome cuidado, querido — disse ela, colocando uma mão no ombro dele. — Essas coisas podem atrair atenção indesejada.
— Eu sei — ele respondeu, com um olhar sério. — Mas era necessário. A espada quebrada que tenho guardada não serve para nada, e esse cristal é o manterial necessário para consertá-la. Essa aqui — ele levantou a espada rachada — vai ser inútil daqui a um tempo.
Enquanto eles conversavam, eu não conseguia tirar os olhos do cristal. "Se isso é um cristal de mana, então talvez eu não esteja tão longe do mundo que conhecia...", refletia, meio aliviado e preocupado.
Minha mãe costumava contar histórias para me ajudar a dormir, a maioria delas era tão entediante que me faziam pegar no sono quase que de imediato, mas algumas eram bem complexas como 'A Donzela e o Dragão' e 'Lanval'. Eu tentava chamar a atenção dela toda vez que parecia que iria parar com essas histórias mais cedo. Quando meu pai estava em casa, costumava me pegar no colo e contar algumas histórias sobre seu trabalho.
Lucas Leister, Guardião de Ranking Platina, um espadachim renomado. Tinha bastante experiência em explorar o que ele chamou de 'masmorras'. Costumava liderar a maioria das expedições que participava por conta do seu alto rank. Seu trabalho era limpar áreas específicas das masmorras para a coleta de materiais, como os cristais de mana e também os cadáveres das feras que matavam ao longo da exploração. Ele é uma pessoa que está sempre de bom humor, apesar do tom sério de sempre, e é terrível para contar piadas...
Agora meu nome é Eddy Leister, a propósito. Não é tão chamativo como meu antigo nome, mas depois de olhar meu reflexo em um objeto chamado espelho, que refletia muito mais do que as placas de bronze, eu era muito mais chamativo do que antes. Eu tenho os olhos azuis e brilhantes herdados da minha mãe, e um cabelo loiro, bem diferente do cabelo preto e chamativo do meu pai. Não é como se eu estivesse menosprezando minha antiga face Mesmo tendo um cabelo amarelo com um tom mais escuro e terroso e olhos castanhos, eu ainda era considerado um homem de boa aparência.
***
Depois de conseguir ficar acordado com mais frequência, comecei a prestar mais atenção nas conversas que meus pais tinham entre si. Ao fazer isso, notei que usavam várias palavras nas quais ainda não estava familiarizado. A maioria delas era sobre outras regiões, como estados e países. A maior parte deles se parecia muito com nomes dados a outras pessoas, nomes que nunca tinha ouvido antes.
A essa altura, eu só poderia pensar que se passou muito tempo desde a minha morte, mesmo estando em uma região distante do meu império, era impossível acreditar que houvesse povos tão avançados que já não tivessem entrado em contato conosco de alguma forma. Os deuses também são um mistério. No mundo em que vivia, os deuses eram símbolos de adoração. Era comum que houvesse estatuetas ou desenhos de alguns deuses nas casas das pessoas. Não havia indícios de qualquer semelhança com os costumes dos povos que conheci, exceto meu pai vestindo uma armadura, embora ela também fosse diferente.
Meu antigo eu pode estar morto, mas minhas memórias continuam intactas. Isso não é por acaso. Alguém me trouxe de volta e espera algo de mim. Sinto que posso chegar em algum lugar ao seguir os mesmos passos do meu pai, mas para isso, preciso crescer... ainda há muito o que aprender, tenho que ter paciência.
Talvez... ela ainda pode estar viva.