Os deuses mais poderosos do universo, guardiões do equilíbrio cósmico e de toda a vida inteligente, eram conhecidos por um nome que ecoava como um juramento:
Ithelyon!
Ithelyon não era apenas um nome; era um juramento sagrado, um pacto que transcendia o tempo e o espaço. Naquela era primordial, quando o universo ainda era uma única galáxia em formação, sua expansão acelerada moldava gases turbulentos em protoestruturas. Foi nesse momento que os Sete Reis Celestiais se reuniram pela primeira vez.
Sob o nome de Ithelyon, juraram nunca derramar o sangue de seus irmãos e trazer equilíbrio e harmonia para todas as criaturas. Mas um deles, Lúcifer, o Pilar da Luz, decidiu quebrar esse juramento.
Com um golpe traiçoeiro, Lúcifer ceifou a vida de Bhumisparsha, o Pilar da Terra. Em um instante, todos os seres vivos sentiram a existência de Bhumisparsha sendo apagada do universo. Os outros Ithelyon, no entanto, permaneceram impassíveis.
Ao longo de bilhões de anos, o tédio os consumia, pois nada no universo lhes despertava interesse. Porém, a morte de Bhumisparsha fez com que seus olhos se abrissem para uma nova perspectiva: o equilíbrio poderia ser mantido através do caos.
Decidiram, então, instigar conflitos entre suas próprias criações, não por necessidade, mas por puro entretenimento. Um ciclo vicioso começou, dando origem a novos estágios de evolução.
A morte de seu irmão e os massacres pelo universo pouco importava para eles. Tudo o que desejavam era coletar o Éter e a energia espiritual que restavam ao fim de cada ciclo. Era uma aposta cósmica, onde o vencedor levava tudo. E assim, a "Guerra Celestial" teve início.
***
O reino espiritual é um plano dimensional totalmente separado do espaço-tempo, onde existem inúmeros planos de existência – desde paraísos resplandecentes, ou infernos sombrios e tortuosos. Os únicos meios de acesso a esse reino são as fendas dimensionais, rachaduras no espaço-tempo que cintilam como luz etérea e emitem um zumbido baixo e perturbador. Essas fendas estão espalhadas por todo o universo, conectando diferentes regiões do reino espiritual.
Em meio a esse cenário caótico, um ser de pele pálida e olhos vermelhos como fogo se colocava diante do exército de Arcanos. Era Anhangá, o novo Pilar da Escuridão, e portanto, um dos Reis Celestiais. Ao se deparar com enorme exército, fechou seus olhos enquanto um sorriso irônico tomava conta de seu rosto:
— Tolos ignorantes.
Ao murmurar essas palavras, fechou seus punhos e contraiu seu corpo, como uma mola prestes a ser liberada. Em um gesto rápido, entendeu seus braços e liberou uma enorme nebulosa com tons em vermelho e laranja elétricos cobrindo quase toda área.
A nebulosa brilhante atingiu os olhos dos arcanos, e aqueles que a inalaram ficaram completamente atordoados. Quando ela se dissipou, era possível ver os arcanos atacando uns aos outros, forçados a se matarem pela influência da névoa.
Porém, nem todos foram afetados por estarem distantes demais. Eles avançaram em direção a Anhangá sem qualquer hesitação. Com um gesto rápido, ele conjurou em sua mão direita uma lança carmesim. Girando-a no ar, criou um incêndio intenso ao seu redor, e os arcanos que se lançaram contra ele foram carbonizados instantaneamente.
Naquele momento, uma fenda dimensional se abriu há poucos metros, onde um pequeno exército emergiu dela, e se juntaram a Anhangá para enfrentar o exército de arcanos que ainda estava por volta dos milhares. Compostos por indivíduos humanóides que pareciam ser raças distintas: os Velythars, além de alguns arcanos.
— Eles vieram em grande número dessa vez. Viram que a barreira mais próxima estava enfraquecendo e não perderam tempo em atacar.
— O desespero deles é nítido, mas até mesmo isso pode se tornar um problema se perdermos a nossa moral. Me pergunto até quando iremos aguentar.
— Nesse ritmo não vai demorar muito até que os Pilares se cansem de ficar apenas observando e decidam agir. Não consigo imaginar o que seria dos universos vizinhos se não tivéssemos nos revelado contra as forças de Ithelyeon.
Os Arcanos ao lado de Anhangá, também conhecidos como deuses, mostravam preocupação e alívio diante daquela situação. Os Arcanos em geral fazem parte de um grupo que é superior aos Velythars. Seres que herdaram fragmentos de poder dos Reis Celestiais, mas alguns deles perceberam a loucura de seus criadores, e decidiram se voltar contra eles.
***
Há 500 anos atrás...
Anhangá não era considerado uma divindade, tão pouco era reverenciado por alguém. Ele era confundido como uma espécie de monstro, pois em seu território haviam monstros devoradores de almas, que possuíam características físicas semelhantes às dele.
A verdade era que muitos temiam o seu potencial latente, e por isso o evitavam. Por mais que houvesse exceções, pouco se sabia sobre ele, além de ser alguém insociável e recluso. Foi então que um mago chamado Jurupari, decidiu treiná-lo pessoalmente. Conhecido por sua sabedoria e conexão com os espíritos, viu em Anhangá algo que ninguém mais conseguia enxergar: um poder bruto, capaz de mudar o equilíbrio do cosmos.
Sob a tutela de Jurupari, Anhangá aprendeu a controlar sua energia sombria e a canalizá-la de forma precisa. Com o tempo, ele se tornou tão poderoso que todas as criaturas do seu território – o Submundo –, além de alguns deuses, se curvaram perante sua autoridade. Sua habilidade de comandar os monstros devoradores de almas fizeram dele uma figura temida e respeitada. Assim, ele passou a ser conhecido como Rei do Submundo.
Sua divindade não passou despercebida por muito tempo. Deuses de outros territórios começaram a reconhecer seu poder, e o primeiro a fazê-lo foi o próprio Hades, o Pilar do Fogo. Impressionado com a força e a determinação de Anhangá, Hades decidiu apresentá-lo aos outros Reis Celestiais. Muitos acreditavam que Anhangá tinha capacidade para herdar uma posição superior à de Hades, mas ele decidiu ser ainda mais ousado: se tornar o próximo Pilar da Escuridão.
Sua escuridão era tão profunda e intensa que até mesmo Lúcifer se sentiu ameaçado. Temendo que Anhangá pudesse desafiar seu domínio, Lúcifer enviou legiões de demônios para destruí-lo e conquistar seu território. No entanto, uma reviravolta aconteceu. Anhangá e seu exército, composto por criaturas do Submundo e aliados inesperados, ergueram-se contra as forças de Lúcifer. A batalha foi brutal, mas Anhangá saiu vitorioso, aniquilando todos os demônios e deixando apenas um vivo como testemunha de sua vitória.
Desde então, Anhangá voltou-se contra os Pilares, decidido a acabar com a Guerra Celestial e trazer harmonia de volta ao universo. Durante esses confrontos, ele descobriu algo alarmante: os Pilares estavam planejando conquistar outras realidades em um futuro próximo.
Haviam passagens dimensionais para outros universos e pretendiam expandir seu domínio além do que qualquer um poderia imaginar. Após Anhangá se rebelar, esse plano foi adiantado.
Determinado a impedir essa catástrofe, Anhangá usou sua escuridão profunda para criar barreiras ao redor das passagens, bloqueando o acesso a outros universos. No entanto, ele sabia que era impossível mantê-las fechadas para sempre. Por isso, traçou um segundo plano: o Planeta Terra.
Os humanos, entre todos os Velythars, eram os únicos com capacidade de se igualar ou até superar os deuses em poder. Bhumisparsha, que havia sido assassinado, era a maior prova disso. Anhangá permitiu que a Terra fosse constantemente atacada por seres de outros mundos através das fendas dimensionais, com o intuito de preparar os humanos para a verdadeira guerra que os aguardava. Ele sabia que mais cedo ou mais tarde, o conflito alcançaria todos os cantos do universo.
— Irmão, trago péssimas notícias. — seu irmão mais novo Xandoré voou em direção de Anhangá na forma de um enorme falcão antes de aterrissar e assumir sua forma humana.
— Monstros corrompidos foram encontrados na Terra pelos soldados que enviamos.
— Parece que eu não estava errado…alguns deles realmente se soltaram.
Anhangá suspirou. Ele pensou que a Terra estava segura da influência dos demônios, sua atenção estava tão voltada em lidar com as tropas inimigas enquanto protegia as barreiras que havia deixado seu planeta natal de lado.
— Anhangá, por que você me chamou até aqui? — Cassandra, a herdeira de Hades apareceu diante de Anhangá —, pensei que minha ajuda nas linhas de frente não era necessária.
— É sobre a reencarnação do seu irmão… ela foi um sucesso.
— huh? – Cassandra paralisou por um instante, mas rapidamente recuperou sua compostura, — Alexandre… ele reencarnou mesmo? Há quanto tempo?
— Já fazem três anos…
— A-Anos?! O que aconteceu para não me dizer isso antes?
— Eu teria lhe avisado assim que ele nascesse, mas alguma interferência aconteceu assim que sua alma encontrou um corpo. Queria ter certeza de que sua alma não tivesse caído em mãos inimigas.
— Não me diga que está planejando trazer ele para cá… — Cassandra suspirou, preocupada.
— Não, preciso dele na Terra. Pude sentir a mana corrompida ecoando do planeta, parece que alguns demônios conseguiram decifrar as runas dos selos que os aprisionavam, e conseguiram escapar. Se aquela mulher conseguir se libertar junto de seu exército e conquistar a Terra, o curso da guerra irá mudar drasticamente.
Cassandra se tornou um demônio a serviço de Lilith depois de sua morte, era uma serva leal, mas assim como Anhangá,não estava satisfeita com muitas das decisões que sua mestra tomava junto de Lúcifer.
Depois que se voltar contra ela, Cassandra foi acolhida por Hades, pouco tempo depois ela oficialmente se tornou a herdeira de sua posição como Pilar. Ela tentou esquecer sobre isso por anos, a situação atual a jogou contra a parede.
— Sei que a última coisa que você quer é se encontrar com Lilith, mas preciso que você vá para a Terra para impedir que ela consiga o que quer.
— Mas… já não existem humanos poderosos o suficiente para lidar com os demônios?
— Existem, e seu número crescerá. Mas ainda é arriscado demais deixá-los lidar com forças primordiais tão nefastas. Sem contar que Alexandre ainda é só uma criança. É um risco que não quero correr.
Cassandra levemente curvou sua cabeça. Ela tinha seus motivos para recusar, mas havia um motivo ainda maior para aceitar essa missão. O seu irmão mais novo, Alexandre.
— Entendido, partirei imediatamente.
Anhangá deu um suspiro seguido de um leve sorriso. Ao virar-se de costas, projetou uma espécie de holograma com suas chamas que tomaram a forma do planeta Terra, com um pequeno ponto alaranjado destacado no mapa.
— O sinal dele foi emitido nesse ponto, levará alguns anos para que você chegue até lá. Leve essa lança com você. Mate qualquer criatura corrompida pelo caminho, talvez isso os deixe distraídos por um tempo.
Cassandra segurou a lança que lhe foi entregue, enquanto isso, mais tropas se aproximavam deles.
— Preciso continuar fortalecendo as barreiras, descubra o que está interferindo na minha comunicação com ele. Me comunicarei com vocês assim que possível.
Cassandra se transformou em um raio de luz e saiu em disparada até a fenda por onde os reforços haviam chegado, o meio mais rápido de chegar até a Terra era atravessar vários territórios espirituais até encontrar uma passagem que a levasse até lá..
Enquanto Cassandra partia, Anhangá voltou sua atenção para os inimigos que se aproximavam. Seus olhos vermelhos brilharam com desprezo, e suas mãos cerraram-se ao redor de uma nova lança carmesim, que surgiu em um turbilhão de chamas negras e vermelhas. A arma pulsava com energia sombria, pronta para ceifar vidas.
— Venham, marionetes! Suas vidas pertencem a mim.