Um ano passou-se desde a tragédia que transformou a vida de Apolo e de todo o corpo de bombeiros.
Naquela manhã cinzenta, ele se encontrava diante do túmulo do amigo, com a foto em preto e branco na lápide, um retrato congelado de um tempo que parecia tão distante.
A expressão de Apolo era sombria, refletindo a dor e o arrependimento que o consumiam.
Desde o incidente fatídico, ele havia se tornado um homem mais frio, distante, mergulhado em uma rotina de proteção à viúva e à filha do amigo falecido, enquanto sua própria família era relegada ao segundo plano.
Após deixar o cemitério, onde visitara o túmulo do amigo que havia perdido a vida para salvar a dele, Apolo dirigiu-se para sua casa depois de dias.
Os seus passos eram lentos e cadenciados, como se ele estivesse carregando o peso de um mundo desmoronando nas costas. Apesar de passar dias afastado da sua casa, vivendo num casamento forçado, ele amava a sua filha Alyssa.
Ela era a única coisa boa nessa situação em que ele se sentia infeliz.
Mas era nítido que a sua atenção era mais voltada para a viúva e a filha do amigo falecido.
A culpa e o fracasso de não ter conseguido salvar sua própria mãe de um incêndio fatal ainda o atormentava. Essa tragédia o fez temer compromissos emocionais e fracassos futuros, principalmente devido às constantes idas e vindas dos próprios pais. Ele desejava fervorosamente que seu casamento com Catherine acabasse logo, mas seu pai não concordava com essa ideia, não gostava da possibilidade do filho negligenciar sua esposa.
Apolo lembrou-se da noite em que, em meio à bebida e a uma sensação de desamparo, ele havia perdido o controle e feito amor com Catherine.
Naquela noite, descobriu que era o primeiro homem dela e, como resultado, ela engravidara da pequena Alyssa, agora com quatro anos e meio.
Ao se aproximar da porta da sua casa, Apolo hesitou antes de entrar. A sua mente estava cheia de pensamentos conflitantes, e o seu coração pesado com as lembranças do passado e a consciência da responsabilidade de proteger a família do amigo, uma promessa que ele iria cumprir.
Ele precisava cumprir.
Ele sabia que precisava ser forte, não apenas para si mesmo, mas também para sua filha Alyssa, a única alegria em meio àquela tempestade.
Apolo finalmente toma coragem e abre a porta. O som da porta se abrindo alerta Alyssa, que vem correndo em sua direção. O seu rosto ilumina-se com alegria ao ver o pai depois de tanto tempo, e ela estende os bracinhos em um abraço estreito.
Ela desliza suas mãozinhas até a farda de bombeiro do pai, pega-a delicadamente e a coloca no cabide. Suas pequenas mãos são ágeis e expertas, realizando essa tarefa como se fosse uma dança ensaiada inúmeras vezes.
Apolo carrega a filha nos braços e a abraça com carinho. Sua barba áspera roça o rosto da menina, fazendo-a rir. Ele pergunta em voz suave:
— Como foi seu dia hoje?
Alyssa franze a testa e responde com sua voz fofa e infantil:
— A escola é chata, papai.
Apolo ri e leva a menina para o sofá, deixando-a continuar seu desenho enquanto ele observa com orgulho.
Catherine entra na sala com o jantar nas mãos. Os seus olhos encontram os de Apolo, e ela sorri com esperança, buscando algum tipo de conexão.
No entanto, Apolo mantém o silêncio, o que deixa Catherine com as mãos atadas e um nó na garganta. A negligência de seu marido é evidente, e as raras vezes em que ele volta para casa, o clima tornava-se tenso e estranho.
Ela compreende que Apolo nunca quis casar e que estar naquela posição também não era algo que ela desejava, apesar de amar profundamente o seu marido.
Catherine suspira, servindo o jantar em silêncio, enquanto o marido e a filha interagem como se ela não estivesse lá. A solidão cresce no seu coração, e a esperança de um dia ter um verdadeiro relacionamento com Apolo parece mais distante a cada dia que passa.
Após o jantar, Apolo levanta a pequena Alyssa nos braços, sua força e gentileza em perfeito equilíbrio enquanto carrega a filha para a cama.
Ele ajeita cuidadosamente as cobertas em torno dela, ajeitando-a como se fosse uma jóia preciosa. Seus lábios quentes encontram a testa da menina em um beijo delicado, e ele deseja-lhe boa noite com um sorriso triste.
Ao sair do quarto da filha, Apolo se dirige para o quarto de hóspedes, seus passos lentos e hesitantes.
Catherine se aproxima dele, seu rosto uma mistura de determinação e vulnerabilidade. Ela diz em voz baixa, tentando não despertar a pequena Alyssa:
— Podemos pelo menos agir como um casal normal diante da Alyssa?
Apolo suspira, seus olhos fixos no chão.
— Certo. - Ele responde: — Mas não me espere. Estou trabalhando direto.
Catherine franze o rosto, frustrada com a falta de conexão com o seu marido.
— Até quando vai ficar cuidando da família do Tom? - Ela questiona, seu tom acusador: — Elas já podem se virar e Ada me disse que a Kimberly fica se jogando para cima de você! Tudo bem que você fez uma promessa, mas já está bom, não concorda? Você nem vem em casa e eu tenho que ficar inventando desculpas sobre sua ausência para sua própria filha!
Apolo encarou a sua esposa e perguntou:
— Está duvidando do meu caráter? Falta alguma coisa pra vocês?
— Você acha que uma esposa só precisa de comida, dinheiro e roupas, Apolo? Sua filha nem te ver direito. Eu não fiz ela sozinha! Enquanto você cuida daquela mulher e da filha dela, eu fico sozinha com sua filha. E eu sou a droga da sua esposa, aqui! O que quer que eu pense depois de saber que aquela mulher faz de tudo para você ir correndo atrás dela e da filha? Quem morreu foi o Tom, e não você! - Ela se altera um pouco.
— Você não sabe o que está falando! É por isso que não venho pra casa. Porque você questiona tudo, faz acusações baseadas em fofocas. Se um dia eu quisesse te trair, eu já tinha feito isso. - Ele fala indiferente.
— Então me explica sobre o fato dela fazer você correr para elas, sempre que ela inventa uma desculpa e usa a filha para você ceder? Vocês dois têm um caso. Eu sei disso. - Catherine acusa.
Apolo levanta os olhos para encontrar os dela, sua voz se erguendo em uma mistura de raiva e dor.
— Tom morreu para me salvar! - Ele exclama: — O mínimo que eu faço por ele é cuidar da família dele. O que você espera que eu faça? Que eu deixe eles de lado depois do que o Tom fez por mim? Ele fez um sacrifício por mim, mas uma mulher como você que nunca fez sacrifícios por ninguém, nunca entenderia.
Catherine fica tensa, olhando ao redor como se temesse despertar a filha.
— Fala baixo. Eu fiz sacrifício de me casar com um homem estúpido como você! Está usando a mesma desculpa por que? Se apaixonou por ela e tem medo de me contar? - Ela sussurra, sua voz cheia de frustração e medo.
Apolo faz um sinal negativo com a cabeça, sua dor e raiva se misturando em um turbilhão de emoções.
— Quer saber? - Ele pergunta, sua voz um sussurro cortante: — Vou embora. Vou dormir no quartel. Não aguento um dia ao seu lado. O único momento que tenho paz é quando estou com a minha filha.
Sem esperar pela resposta de Catherine, Apolo se vira e sai da casa. Sua ausência quase tangível, como uma ferida aberta em seu rastro.
Catherine fica sozinha no corredor, com as lágrimas escorrendo silenciosamente pelo seu rosto. Ela se sente perdida e solitária, se perguntando se algum dia será capaz de alcançar o coração do marido que ela tanto ama.
Os dias passam, e Apolo parou de ir para casa e dormia no quartel, aceitava horas extras e acompanhava Hazel, filha de Tom ao hospital. Kimberly disse que sua filha tinha uma doença cardíaca, o que deixou o bombeiro em pânico, pois ela era uma criança ainda.
Enquanto isso, Alyssa, sentia a ausência do pai.
Ela olhava para porta com aqueles olhos inocentes, pensando que ele abriria a porta, mas ele não voltava.
Catherine, estava sempre inventando desculpas para justificar o desinteresse do marido.
O sol da tarde filtrando-se pelas cortinas da sala, criando um ambiente acolhedor, apesar do turbilhão emocional que a envolvia.
Alyssa estava sentada no chão, brincando com seus brinquedos, mas a tristeza em seu olhar era inconfundível. Catherine sabia que a ausência de Apolo pesava sobre Alyssa, mesmo que a menina tentasse se distrair.
Em um momento de inspiração, Catherine decidiu criar uma atividade divertida para ajudar Alyssa a ignorar a ligação que estava prestes a acontecer. Ela se agachou ao lado da filha e, com um sorriso forçado, sugeriu que elas fizessem uma sessão de artesanato.
— Vamos fazer cartões para os seus amigos da escola? O que você acha? - Disse Catherine, tentando contagiar Alyssa com seu entusiasmo.
Enquanto as duas se sentavam à mesa com papel colorido, tesoura e cola, Catherine começou a contar histórias engraçadas sobre quando ela era criança. Ela descreveu aventuras divertidas com suas amigas, como quando tentaram fazer uma festa do pijama e acabaram dormindo no sofá da sala.
As risadas de Alyssa começaram a preencher o ambiente, e por um momento, Catherine sentiu um alívio do peso que carregava.
No entanto, enquanto trabalhavam nos cartões, o telefone tocou. A tela exibia o nome de Apolo. O coração de Catherine disparou. Ela olhou para Alyssa, que agora estava completamente imersa em sua atividade.
"Se quiser saber como ela está, que venha para casa," pensou Catherine consigo mesma. Ela não queria que a filha sentisse ainda mais a falta do pai naquele momento.
Catherine decidiu então transformar aquele momento em algo especial.
— Que tal escrevermos uma mensagem no cartão dizendo o quanto ama seus amigos? - Perguntou ela.
Alyssa acenou com a cabeça animadamente e começou a desenhar corações e estrelas enquanto Catherine ditava palavras amorosas para incluir nos cartões.
A ligação continuava tocando ao fundo, mas as duas estavam tão envolvidas na criação dos cartões que mal perceberam o tempo passar.
Catherine se sentia culpada por ignorar Apolo, mas sua raiva ainda era forte demais para permitir qualquer contato. Ela sabia que precisava proteger Alyssa dessa tensão.
Quando finalmente terminaram os cartões, Alyssa estava radiante e já havia esquecido da ligação.
Elas decidiram fazer uma pequena exposição na sala para mostrar as obras-primas que haviam criado. Catherine sentiu um misto de alívio e tristeza; ela havia conseguido desviar a atenção de sua filha por um tempo, mas sabia que essa situação não poderia durar para sempre.
Naquele dia, apesar das dificuldades emocionais entre ela e Apolo, Catherine fez o possível para manter a alegria viva na vida de Alyssa, mesmo que isso significasse ignorar as chamadas do pai por enquanto.
O amor entre mãe e filha era forte o suficiente para enfrentar esses desafios temporários.