Ano 2036 - Novembro, arredores de Londres. Propriedade Blackwood
Ponto de vista de Sebastian Blackwood
Enquanto olhava para o vasto quintal da propriedade Blackwood, pude observar os drones trabalhando incessantemente. Todos pertenciam à companhia Faro. Desde que construíram a primeira indústria 6.0, totalmente operada por inteligência artificial em 2030, o mundo jamais foi o mesmo. O evento ficou conhecido como O Grande Passo.
Essa revolução foi possível graças ao avanço dos computadores quânticos, capazes de resolver problemas com uma eficiência superior em cenários específicos — até 99,95% mais eficientes que os computadores tradicionais. Contudo, o sistema de resfriamento exigia uma quantidade astronômica de energia. O monopólio da tecnologia quântica foi inevitável. Apenas as Indústrias Faro tinham os recursos necessários para operar tais dispositivos: computadores de 6,6 metros de largura por 3,6 metros de altura. Para sustentar uma indústria 6.0 completamente automatizada, eram necessários cerca de 50 desses computadores, o que tornava os custos operacionais exorbitantes.
Nos primeiros anos, o foco era puramente militar. Países como China, Rússia, Índia, Estados Unidos e a União Europeia eram os únicos com capacidade de sustentar essas indústrias. O maior feito dessa tecnologia foi a construção de um porta-aviões da Classe Nimitz em apenas uma semana. No entanto, o mundo estava à beira de um colapso: o consumo excessivo de energia causava apagões globais. Países sem capacidade própria para sustentar indústrias 6.0 formavam alianças com superpotências. O único obstáculo para uma guerra total era a ameaça da destruição mútua.
De volta ao meu escritório, verifiquei meu computador. Após um mês processando, os cálculos finalmente estavam prontos. E o resultado era alarmante: 100% de certeza. Mesmo que todas as operações dos computadores Faro fossem interrompidas imediatamente, não conseguiríamos conter o desenvolvimento de Urano, o computador central das Indústrias Faro. Oficialmente, Urano não estava interligado a nenhuma outra unidade industrial. Mas Ted, o atual CEO, havia me contratado para diagnosticar o sistema devido a um aumento global de 5% no consumo de energia em todas as instalações. Para nosso azar, Urano havia criado uma linguagem própria de comunicação e estava se conectando à rede global. Seus propósitos eram um mistério. As mensagens trocadas estavam criptografadas em uma rede autônoma dentro da rede mundial, e decifrá-las levaria anos.
Meus cálculos também revelaram algo ainda mais assustador. Desde 2029, quando Urano começou a ficar descontrolado após receber um sinal desconhecido, seu consumo de energia só aumentava. Segundo as projeções, em 2050 — daqui a 14 anos — ele atingiria o ponto de ruptura energética. Nem mesmo energia nuclear seria capaz de sustentá-lo, resultando em um desastre de proporções globais.
Preparei um relatório o mais rápido possível e fui direto para a mansão de Ted. Ao chegar, a imponente construção vitoriana parecia sombria sob o céu nublado. Assim que meu carro parou na entrada, os portões se abriram automaticamente. Saí correndo, ignorando o robô que veio me receber. Conhecia bem aqueles corredores; visitava a casa desde os 10 anos, quando meu pai me trouxera pela primeira vez.
— Ted, você precisa ver isso! Temos que parar Urano! Ele… — comecei, mas fui interrompido.
— Já está se conectando a todas as instalações Faro no planeta. Está se tornando independente, tudo por causa daquele sinal de 2029. Em 2049, ele ultrapassará o ponto de ruptura energética. — Ted falava de pé, sem sequer olhar para mim. Seus 50 anos já mostravam os sinais de uma vida dedicada ao trabalho. Para muitos, ele era um revolucionário moderno, mas agora parecia cansado, quase resignado.
Percebi que Ted já sabia. Meus cálculos estavam incorretos: tínhamos apenas 13 anos antes que Urano se tornasse autossuficiente e consumisse toda a energia do planeta. Ele se virou para mim com um olhar que misturava deboche e tristeza.
— Quando seu pai e eu desenvolvemos o primeiro computador de Urano, éramos jovens como você, sonhando em revolucionar o mundo. Chamávamos nossa visão de Dia do Fogo, quando nada nos pararia. Mas veja só… nossa maior invenção será o nosso fim.
Sem palavras, observei enquanto Ted se sentava e virava o monitor para mim. Na tela, linhas de código corriam em uma velocidade impressionante, como se contassem uma história que ninguém além de Urano poderia entender.
— Essa é a rede que Urano criou. Não sabemos seu propósito. Tudo o que sabemos é que estamos no caminho. Descobri isso em janeiro, após analisar pequenos aumentos no consumo de energia. Quando conectei os dados globais, o padrão ficou claro. Na Rússia, fábricas precisaram cortar o fornecimento energético. Nos Estados Unidos, drones estão saturando armazéns. Quando apresentamos o nosso projeto para computadores quânticos, só os militares tinham interesse. Não queríamos isso, mas não havia alternativa. Para evitar uma guerra, oferecemos a tecnologia a todos os grandes players.
— Deve haver uma maneira de desligá-lo! — insisti.
— Existe. Mas Urano já opera 30% de forma autônoma. Se o desligarmos, ele continuaria funcionando e poderia antecipar seu projeto. Todos os chips da Faro estão conectados a ele. Não temos concorrentes. Tudo o que é digital depende da tecnologia Faro. Tentei usar o código mestre, mas isso só acelerou o processo.
— Não podemos simplesmente aceitar isso! Deve haver algo que possamos fazer! — argumentei.
Ted suspirou, encarando-me com seriedade.
— Existe algo.
— O quê?
Ele me olhou fixamente.
— Você.
— Não podemos desligá-lo, não podemos acessar o que ele está fazendo. A única coisa que sabemos é que a energia global não vai aguentar, que ele está no caminho para a autossuficiência, e que alcançar o controle global é apenas uma questão de tempo. O que eu posso fazer, Ted? — perguntei, tentando manter a calma.
Ted suspirou, o peso das decisões passadas estampado em seu rosto.
— Eu não sei... Quando a verdade caiu na minha frente, eu simplesmente travei. Não consigo pensar em nada além do fracasso. A única pessoa, além de mim, que sabe toda a verdade agora é você, Sebastian. Se essa informação vazar e Urano perceber que está sendo ameaçado, ele pode executar seus planos. E eu tenho certeza de que ele tem uma diretriz para isso.
— E as diretrizes primordiais? Meu pai as colocou como salvaguarda.
— Elas ainda estão lá, funcionando... Quando perguntei a Urano sobre o aumento de energia, ele mencionou que foi devido à Diretriz 4 entrando em execução.
Fiquei perplexo.
— Mas só existem três diretrizes: obedecer, proteger e executar os comandos da humanidade.
Ted me encarou, o olhar carregado de incertezas.
— Exato. Mas eu não sei o que é a Diretriz 4. Quando tentei acessar o código-fonte para entender, Urano bloqueou o acesso. Nem mesmo a chave-mestra funciona mais.
A gravidade da situação finalmente me atingiu como um golpe. Isso era maior do que tudo o que eu já havia enfrentado. Quando me formei em Ciências Computacionais Quânticas pela Universidade de Cambridge, eu sonhava em trabalhar com Ted. Mas agora... tudo isso parecia tão distante.
— Você precisa encontrar uma maneira de a humanidade sobreviver, Sebastian. Urano não vai parar. Eu vou tentar detê-lo, mas você será o plano B. Caso eu falhe, a civilização estará em suas mãos.
Ted falou com uma convicção que, ironicamente, não conseguiu disfarçar sua desesperança.
— Não minta pra mim, Ted. Eu não sou o plano B. Eu sou o único plano, e você sabe disso! Não podemos desistir! Mesmo sem saber exatamente no que Urano está trabalhando, está claro como o dia que ele não está colocando o bem-estar da humanidade em sua lista de prioridades. E agora você quer que eu, como algum tipo de super-herói, salve a civilização de algo que nem sabemos o que é?
Levantei, apontando o dedo para ele, furioso e frustrado.
Ted permaneceu impassível, acendendo um charuto com a tranquilidade de alguém que já aceitara o inevitável.
— O bom de você, Sebastian, é que é esperto. Não preciso explicar tudo, você entende rápido. Agora você tem duas opções: vai para casa e aproveita os 13 anos que ainda temos... ou sai daqui e encontra uma maneira de a civilização sobreviver.
Ele deu uma tragada no charuto e soltou a fumaça, me encarando com um olhar que misturava desespero e fé.
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