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Chapter 4 - PERDAS

As palavras da mulher da assistência social atingiram Deniel como uma lâmina fria. Ele permaneceu em silêncio, imóvel, enquanto a voz dela continuava do outro lado da linha, explicando a situação com uma neutralidade que parecia cruel. A realidade, no entanto, foi esmagadora. Deniel não conseguia processar as informações. Um turbilhão de emoções tomou conta dele: arrependimento, culpa e uma dor tão profunda que parecia arrancar-lhe o ar.

Quando a ligação terminou, Deniel não se moveu por alguns segundos. Suas mãos tremiam enquanto ele apertava o celular contra o peito. Sentiu uma necessidade desesperada de fugir, mas sabia que não havia para onde ir. Sem olhar para frente, caminhou de volta ao prédio, tropeçando em seus próprios passos.

No saguão, com os olhos fixos no chão, ele esbarrou em uma garota. Seu cabelo ruivo brilhava à luz do sol, e seus olhos verdes carregavam uma gentileza que Deniel ignorou.

— Oi, meu nome é Gi... — começou a garota, com um tom doce e acolhedor.

Antes que ela pudesse terminar, Deniel simplesmente passou por ela, sem levantar o olhar ou dizer uma palavra. Ele subiu correndo as escadas até seu quarto, onde se jogou na cama. O peso do mundo parecia cair sobre ele, e o colchão logo se molhou com suas lágrimas silenciosas, abafadas pelo travesseiro.

Ele chorou até o sono o dominar

Na manhã seguinte, o sol atravessava as cortinas, iluminando o quarto de forma cruel. Deniel abriu os olhos, o rosto inchado pelas lágrimas da noite anterior. Cada movimento parecia exigir um esforço sobre-humano, mas ele sabia que precisava ir. O enterro era hoje.

Ao descer as escadas, encontrou novamente a garota ruiva. Ela estava entrando no prédio, com uma expressão que misturava preocupação e melancolia. Quando passou por ele, tocou gentilmente seu pulso.

— Ei... Desculpe me intrometer, mas vi como você está abatido. Eu também já estive assim — disse ela, sua voz cheia de empatia.

Deniel parou, mas não respondeu. Apenas olhou para a porta à sua frente.

— Pode me chamar de Gi. Moro no apartamento 402. Se precisar de algo, pode me procurar. Quem sabe um dia eu te conte meu nome completo — acrescentou ela, com um sorriso triste.

Deniel apenas murmurou um "certo" e saiu do prédio.

A cidade parecia indiferente à dor de Deniel. O céu estava limpo, os pássaros cantavam, e o sol brilhava intensamente, como se o mundo estivesse zombando de sua tristeza. Quando o ônibus chegou, ele subiu e se sentou ao lado de uma senhora que conversava animadamente com sua amiga no banco da frente.

Deniel, por outro lado, permanecia estático, encarando um ponto fixo no chão. Seu rosto pálido e olhos vazios denunciavam o turbilhão interno que o consumia.

O centro da cidade estava movimentado, mas Deniel parecia alheio a tudo. Quando chegou à capela, sentiu o coração apertar no peito. A ideia de entrar o paralisou. Ele apertou os dentes, sentindo que não tinha o direito de estar ali.

Foi então que uma lembrança o atingiu como um raio.

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Deniel estava voltando para casa mais cedo, recém-formado no ensino médio. Como havia esquecido as chaves, pulou o portão e entrou pela janela do quarto. Porém, ao atravessar o corredor, ouviu sons que o deixaram em alerta. Ele abriu a porta do quarto dos pais e viu algo que jamais poderia esquecer: sua mãe e seu tio por parte de pai juntos.

A visão destruiu tudo o que ele acreditava sobre sua família. Ele sentiu o sangue ferver. Suas mãos cerraram-se em punhos, e ele confrontou os dois com uma fúria que nunca havia sentido antes.

— Meu pai trabalha como um escravo para sustentar vocês, até o irmão incompetente, e é isso que ele recebe? — gritou, enquanto lágrimas de raiva escorriam por seu rosto.

A discussão rapidamente escalou, e Deniel, tomado por um impulso derrubou sua mãe na cama com um tapa e atacou seu tio. Seus punhos desferiram golpes que não pararam até que o silêncio preencheu o quarto. Quando percebeu o que havia feito, era tarde demais.

Para proteger seu pai e sua irmã, Deniel assumiu o papel de vilão. Ele e sua mãe esconderam o corpo, e a história foi convenientemente atribuída a dívidas de jogo do tio.

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Deniel entrou na capela com passos hesitantes. Ao ver seus avós maternos, desabou em lágrimas.

— Me desculpem... Eu sinto muito... — repetia, enquanto eles o abraçavam com força.

Mas sua tristeza não era pela mãe. Ele apenas pensava em Chloe.

Seu pai, ao vê-lo, aproximou-se com um olhar severo.

— Você não tem vergonha? Depois de tudo que fez, agora aparece aqui? — disse ele, empurrando Deniel com raiva.

Deniel levantou-se, encarando o pai com olhos cheios de lágrimas e fúria.

— Você não sabe de nada! Por que não procura a verdade, ao invés de me julgar? — gritou, a voz trêmula de emoção. — Você é tão patético quanto ela. Foi um erro vir aqui.

Ele saiu correndo, ignorando os apelos dos avós. Seu pai ficou parado, chocado com as palavras de Deniel. Pela primeira vez, ele se perguntou: Deniel, então esse é o caminho que escolheu trilhar?