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Chapter 29 - Capítulo 23: O Peso de Ser Nada

A espada do anjo caiu entre nós, e sua luz cintilante parecia dividir mais do que o chão do Inferno — ela dividia ideologias, mundos, e qualquer resquício de neutralidade. Era como se o ar ao nosso redor fosse sugado, deixando um vazio esmagador que antecedia a tempestade.

— Você não pertence a este lugar. — A voz do anjo era firme, implacável, quase como se viesse do próprio coração das escrituras divinas. — Nem à Terra, nem ao Céu. Suas escolhas, ou a ausência delas, são uma ameaça ao equilíbrio.

Lúcifer, ainda se recompondo do último embate, gargalhou, um som rouco e quebrado. — O equilíbrio... sempre essa palavra inútil. Você não vê? Ele não ameaça nada. Ele é a própria ameaça. Uma falha, um erro cósmico que não deveria existir.

Eu fiquei parado, no centro de seus olhares. Um mortal enfrentando duas forças absolutas. Mas não havia medo em mim, nem orgulho. Apenas um cansaço profundo.

— Vocês falam de equilíbrio, de propósito, de ameaça... Mas e se nada disso importar? — perguntei, minha voz cortando o silêncio como uma lâmina.

O anjo ergueu sua espada, apontando-a diretamente para mim. Sua luz era tão intensa que queimava o chão de carne sob nossos pés, mas seus olhos estavam calmos, quase compassivos. — Isso é o que um pecador diria. Alguém que se perdeu tanto que não consegue enxergar o caminho de volta.

Lúcifer deu um passo à frente, sua silhueta negra tremeluzindo. — Pecador? Não. Ele não é digno nem disso. Um pecador ao menos escolhe. Este humano... ele é vazio.

— Eu sou vazio? — interrompi, dando um passo à frente. — Ou sou o único que vê a verdade? Vocês dois são apenas peças de um jogo que não criaram. Deus e o Diabo. Luz e Trevas. Vocês pensam que são opostos, mas são iguais. Escravos de uma narrativa maior que nem conseguem compreender.

O rosto do anjo se endureceu. — Você é cego, humano. Sem Deus, não há propósito. Sem propósito, há caos.

— E sem o caos, não há liberdade, não é isso? — completei, olhando para Lúcifer.

Ele sorriu, um sorriso frio e cortante. — E por que não haveria de ser? Eu sou a liberdade que vocês temem. A escolha de desobedecer.

— Não — retruquei, virando-me para ele. — Você não é liberdade. É apenas outra forma de controle. Um rei em um trono feito de mentiras. Você não quer liberdade. Quer substituir Deus.

O sorriso de Lúcifer desapareceu, substituído por uma fúria latente. O anjo, ao meu lado, parecia confuso por um momento, como se não esperasse que eu fosse atacar ambos com a mesma intensidade.

— Então o que você quer, humano? — perguntou o anjo, sua voz agora carregada de frustração. — Se rejeita o Céu, o Inferno, a luz e as trevas, o que resta para você?

Eu ri, um som seco que reverberou pelo salão. — Nada. Absolutamente nada. E é exatamente isso que vocês temem. Não o pecado, não a virtude, mas o vazio. Vocês temem o que não podem controlar.

O anjo hesitou por um instante, mas então sua espada brilhou ainda mais forte. — Você é perigoso demais para continuar.

Lúcifer rosnou, sua forma oscilando entre humanoide e monstruosa. — Pela primeira vez, concordo com ele.

Os dois avançaram ao mesmo tempo, luz e trevas convergindo em uma tempestade que ameaçava me consumir.

A luta não era justa. Não era uma batalha entre iguais, mas entre forças absolutas e um mero humano. Cada golpe do anjo era como uma sentença divina, sua espada cortando o ar com precisão mortal. Lúcifer, por outro lado, atacava como uma besta descontrolada, suas garras rasgando o chão e criando fissuras que vomitavam fogo e fumaça.

Eu esquivava, mais por instinto do que por habilidade. Não era força ou velocidade que me mantinham vivo, mas pura obstinação.

— Você é só um mortal! — gritou o anjo, sua voz ecoando como um trovão. — Um grão de poeira tentando desafiar o cosmos!

— Eu sou mais do que isso — respondi, agarrando um pedaço de escombro que havia sido arremessado por Lúcifer. — Porque, ao contrário de vocês, eu não preciso de significado.

Arremessei o escombro contra o anjo. Ele o cortou com facilidade, mas a distração me deu tempo para esquivar de outro ataque de Lúcifer, que quase me acertou.

O chão sob nossos pés começou a ruir, pedaços do Inferno desmoronando como se não suportassem a intensidade do conflito. Mas eu não parava. Cada movimento, cada esquiva, era um ato de pura rebeldia.

Lúcifer rugiu, suas asas negras se expandindo enquanto ele me atacava novamente. Eu desviei, mas desta vez não apenas para escapar. Usei sua força contra ele, girando meu corpo e lançando-o contra o anjo.

Os dois colidiram, luz e trevas explodindo em todas as direções. O impacto foi tão poderoso que ambos caíram, ofegantes e feridos, mas ainda determinados.

Eu fiquei de pé, olhando para eles. Minha respiração era pesada, e meu corpo doía em cada fibra, mas minha voz saiu firme:

— Vocês são escravos de um sistema que nunca os libertará. O Céu é obediência cega. O Inferno é rebeldia sem propósito. E eu? Eu sou o erro. O que não deveria existir. E é exatamente isso que me torna livre.

Eles se levantaram, seus olhos cheios de ódio e determinação. O anjo ergueu sua espada novamente, e Lúcifer preparou suas garras, mas eu não me movi.

— Vocês podem me matar — continuei. — Mas não podem apagar o que sou. O vazio é eterno, e vocês sempre temerão aquilo que não podem controlar.

Eles avançaram juntos, e eu me preparei, não porque acreditava que venceria, mas porque sabia que nunca cederia.