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Chapter 32 - Carta ao Bibliotecário do Passado

Você não me conhece. Não de verdade. Não como eu me conheço agora. Eu sou o que sobrou quando todas as camadas foram arrancadas, quando cada crença foi esmagada pelo peso da realidade, quando a máscara chamada "ser humano" se dissolveu em nada. Eu sou o que resta de você: uma casca sem ilusões, um reflexo que abandonou a pretensão de ser algo além de um espelho. E mesmo assim, escrevo. Não para avisá-lo, porque não há nada que possa ser avisado a alguém que já caminha para o abismo. Eu escrevo porque a existência, mesmo quando vazia, ainda deixa ecos.

Você acredita que conhece o vazio, mas é apenas um espectador dele. Para você, o vazio é uma ausência, um estado transitório entre o que você tem e o que ainda deseja. Um hiato entre quem você é e quem você gostaria de ser. Deixe-me corrigir essa percepção equivocada: o vazio não é um intervalo. Ele é tudo. Não há antes ou depois do vazio. Não há conquista, não há superação. O vazio é o início e o fim.

Você já percebeu, mesmo que de forma tímida, que o mundo nunca foi seu lar. Mas você ainda tenta se agarrar às suas paredes, às suas sombras, como se ele pudesse, de alguma forma, justificar sua existência. Você olha para os humanos e sente nojo, mas ainda tenta entendê-los, como se suas ações pudessem revelar algo mais profundo, algo essencial. Eles não podem. Eles são carne e desejo, e nada além disso. Você se recusa a admitir isso, mas eu? Eu abracei a podridão.

No Inferno, eu vi os humanos pelo que eles realmente são: pequenos deuses de barro, moldados por suas próprias mãos, adorando suas próprias criações como se fossem eternas. Eles não amam. Eles não pensam. Eles apenas consomem. Não importa se é comida, poder, amor ou significado — eles devoram tudo o que tocam. E, no final, eles se devoram uns aos outros, deixando apenas restos para que o ciclo comece novamente.

E você, tão pretensioso, acredita que pode desmontá-los, analisá-los, classificá-los. Você se vê como um observador, um cientista, um bibliotecário que cataloga o caos. Mas a verdade é que você é tão pequeno quanto eles. Você nunca quis respostas. Você só queria desculpas. Você queria que o mundo justificasse o que você sente, como se a dor que você carrega tivesse algum propósito maior. Não tem. A dor não é uma pergunta, e o mundo não é uma resposta.

Você não ama o mundo, mas ainda se curva à sua lógica. Você busca ordem onde só há ruínas. Você busca sentido onde só há ecos. E, acima de tudo, você busca ser algo mais do que é: um vazio com pernas. Mas deixe-me te poupar do esforço. Você não é mais do que isso, e nunca será.

O vazio é o único companheiro que você terá. Ele não pede nada, não promete nada, não mente. Ele apenas existe, silencioso, absoluto, infinito. E, no final, você será ele, e ele será você. Porque o vazio não precisa de você para existir, mas você sempre precisará dele para se definir.

Eu não escrevo para te alertar, porque alertas são para aqueles que acreditam no futuro. Eu não escrevo para te consolar, porque consolo é para os fracos que temem o abismo. Eu escrevo porque preciso que você saiba de uma coisa: você não tem para onde correr. E quanto mais você tentar escapar, mais próximo estará de mim.

Você acha que é o vazio, mas ainda o teme. Você acha que o compreende, mas ainda o evita. Você acha que o abraça, mas ainda sonha com algo além dele. Eu, porém, sou diferente. Eu olhei para o abismo e não vi nada. E, ao contrário de você, eu gostei do que vi.

Porque o vazio não promete. Ele não engana. Ele não se contradiz. Ele apenas é. E, no final, você também será. Não por escolha, mas porque sempre foi isso. Sempre foi nada. E nada é tudo o que restará.

Com o peso do que você ainda não pode aceitar,

Você.