O círculo da preguiça era um cemitério vivo, um mar de corpos em decomposição que não se moviam, mas ainda estavam conscientes. O chão era feito de carne apodrecida, exalando um odor ácido que corroía as narinas. Cada passo era como pisar em uma membrana pulsante, e a carne cedia sob os pés, soltando líquidos escuros e viscosos que borbulhavam com um som grotesco. Da superfície brotavam braços esqueléticos, tentando se erguer, mas sempre desistindo antes de alcançar o ar.
No horizonte, torres de ossos e carne torciam-se em formas impossíveis, como se tivessem sido construídas sem propósito, apenas para serem deixadas a desmoronar lentamente. Os céus eram de um cinza opaco, sem sol ou estrelas, e o ar pesado parecia drenar qualquer desejo de continuar. O único som era o de gemidos baixos e constantes, como um coral de almas resignadas ao eterno abandono.
O primeiro que vi foi o servo preguiçoso de Mateus. Ele estava preso dentro de um buraco profundo, tentando escalar suas paredes lamacentas com dedos ensanguentados. A cada tentativa de ascensão, a terra desmoronava sobre ele, enterrando-o mais fundo. O saco de moedas que ele havia enterrado em vida estava agora costurado em sua pele, os contornos das moedas formando protuberâncias grotescas que rasgavam sua carne. "Eu temi e nada fiz", ele murmurava, os lábios rachados e ensanguentados. A lama entrava por sua boca e olhos, sufocando-o lentamente, mas ele continuava tentando escalar, apenas para cair novamente. Ele era o retrato grotesco da inércia: um corpo deformado e uma mente consumida pela futilidade de sua própria apatia.
Adiante, deparei-me com o homem preguiçoso de Provérbios. Ele estava fundido a uma cerca podre que parecia parte de sua própria carne. Espinhos cresciam de seu corpo, rasgando sua pele e florescendo com brotos de um vermelho pulsante, como se sua preguiça tivesse dado frutos de dor e decadência. Ervas daninhas rastejavam de dentro de sua boca, enrolando-se em torno de sua língua e sufocando suas palavras. Sua voz era um lamento arrastado, abafado pelos espinhos que se cravavam em sua garganta. "Eu observei... mas nunca agi." À sua volta, um campo desolado se estendia, as plantas que um dia poderiam ter crescido ali agora mortas, secas, como um reflexo de sua alma estéril. Ele era devorado lentamente por suas próprias raízes, enquanto sua carne era consumida por vermes que emergiam do solo.
As almas condenadas estavam espalhadas pelo terreno, algumas enterradas até o pescoço na carne viva, outras presas em casulos feitos de teias viscosas que apertavam lentamente seus corpos até os ossos quebrarem. Seus olhos estavam abertos, mas sem vida, fixos em algo que ninguém podia ver, enquanto a carne de seus rostos derretia e escorria em um ciclo interminável de decomposição regenerativa.
Mais adiante, vi uma versão grotesca de Sísifo, cuja punição aqui era ainda mais macabra. Ele estava preso a uma cadeira de ferro fundido, onde suas pernas e braços eram amarrados com correntes vivas que se contorciam como serpentes. Ao invés de uma pedra, ele era forçado a empurrar sua própria cabeça para cima com as mãos, os ossos de seu pescoço rangendo sob a pressão. Cada vez que conseguia levantá-la, a cadeira afundava na lama sangrenta, e ele afundava junto. "Eu fingi esforço, mas nunca busquei propósito", ele dizia, sua voz um sussurro quebrado. Sua preguiça havia se tornado uma prisão onde o movimento era inútil, e cada esforço o trazia de volta ao ponto de partida. O corpo dele era uma metáfora viva: fraturado, mas incapaz de descansar.
Em uma parte do círculo, havia uma gigantesca lagoa de um líquido negro e oleoso, onde corpos flutuavam preguiçosamente, suas bocas abertas para o céu. De suas gargantas escorria um líquido verde, como bile, que alimentava a lagoa, enquanto criaturas sem forma rastejavam sobre eles, devorando pedaços de carne que logo cresciam de volta. Ninguém resistia. Ninguém lutava.
Seguindo adiante, encontrei uma figura imperial deformada: Dom Pedro II. Ele estava sentado em um trono que parecia estar derretendo, sua carne fundindo-se ao mármore quente como cera. Em volta dele, uma multidão de sombras clamava por liderança, suas vozes ecoando como trovões surdos. Ele permanecia imóvel, os olhos vazios e vidrados, enquanto uma coroa de ferro fundido derretia lentamente sobre sua cabeça, queimando sua carne. "Eu observei... mas nunca me movi", ele dizia, os lábios praticamente colados pelo calor. Cada grito das sombras fazia o trono afundar mais na lama escaldante, enquanto ele se tornava uma extensão da própria cadeira. Sua passividade o aprisionou em um ciclo de dor estática, onde até mesmo a liderança que ele evitou se tornou uma carga esmagadora.
No centro do círculo, uma montanha de carne morta e ossos quebrados se erguia, coroada por uma figura grotesca: um humanoide deformado, de pele translúcida, que revelava órgãos preguiçosamente pulsando dentro de seu corpo. Ele estava preso em uma cadeira de ferro enferrujado, cujos espinhos lentamente perfuravam sua carne, mas ele sequer se movia para tentar escapar. Sua boca abria-se esporadicamente, liberando um som gutural que reverberava pelo círculo, como uma ordem muda para que todos permanecessem imóveis.
No coração do círculo, encontrei Endimião, mas sua forma era uma abominação contra a própria ideia de beleza. Ele estava preso a um leito de mármore, mas seu corpo estava coberto por uma pele translúcida que revelava insetos rastejando em seu interior. Suas feições, outrora perfeitas, eram agora uma máscara de complacência vazia, com os olhos abertos, mas opacos. Ele estava consciente de sua condenação, mas incapaz de reagir. A cada visita de Selene, a deusa da lua, sua carne se desintegrava um pouco mais, como se a luz dela o queimasse em vez de iluminá-lo. "Eu escolhi o sono... e agora sou prisioneiro do vazio", ele sussurrava, mas sua voz era uma cacofonia de zumbidos, como se os insetos dentro dele falassem em coro. Sua preguiça foi transformada em uma eternidade de impotência, onde até mesmo o amor divino era uma forma de tortura.
Por fim, encontrei Luís XVI, uma visão aterradora de indecisão eternizada. Ele estava preso em uma sala circular onde todas as portas estavam cobertas por guilhotinas que caíam e se levantavam repetidamente, mas nunca o alcançavam. Suas mãos estavam amarradas a uma pena gigantesca feita de ossos, e ele era forçado a tentar escrever um decreto em uma mesa que se movia constantemente. Cada vez que ele quase completava sua assinatura, a pena se quebrava, e ele tinha que começar de novo. "Minha hesitação destruiu meu mundo", ele dizia, a voz um eco vazio. Seus dedos estavam enegrecidos, os ossos expostos, mas ele continuava a escrever, incapaz de terminar. Ao seu redor, as guilhotinas riam, o som das lâminas sendo mais alto que seus próprios lamentos. Sua preguiça política e sua falta de ação agora se tornaram sua prisão eterna.
Eles não se movem, não se importam. Cada uma dessas almas, se tivesse algum resto de vontade, tentaria lutar. Mas o que vejo não é luta, não é angústia real. O que vejo são tentativas falhas e desesperadas, tentativas de se mexer, mas o corpo não responde, cansado até o último fio de força. É como se a própria energia vital tivesse sido drenada, deixando apenas corpos moleculares e desprovidos de qualquer centelha de ação.
Ah, e a lama, não é apenas lama. Ela entra nos corpos através de cortes e fendas, arrastando pedaços de carne e ossos, misturando-os ao próprio ambiente infectado e podre. Cada passo deles afunda mais fundo, cada tentativa de movimento os faz afundar como se estivessem sendo engolidos por uma boca gigante, uma boca feita do próprio vazio da inatividade.
Das paredes de carne brotavam olhos gigantescos, sempre observando, mas nunca piscando, como juízes eternamente apáticos. Em algumas partes, massas inteiras de corpos eram arrastadas lentamente para o chão, engolidas por algo que ninguém podia ver. Os gemidos aumentavam por um breve momento antes de desaparecerem por completo, deixando o ar ainda mais pesado com o silêncio opressor.
E no chão, gravado com sangue coagulado, estava uma única frase repetida em todo lugar: "O descanso eterno não é misericórdia, mas maldição."