Kai apertava a espada com força. A criatura diante dele parecia vibrar entre o físico e o digital, seu corpo oscilando como se estivesse em constante formação e deformação. Fragmentos dela flutuavam para fora como estilhaços de vidro, dissolvendo-se no ar antes de tocar o chão. O olhar vazio da criatura parecia fixado nele, e Kai sentiu o peso daquilo em seus ossos, como se ela pudesse ver algo que ele mesmo não entendia.
— Respire — disse Aya, sua voz firme, mas calma. — Não perca o foco. Você vai lutar comigo, entendeu?
Ele respirou fundo, tentando se concentrar nas palavras dela, mas a sensação de medo não diminuía. A criatura soltou um som que era impossível de descrever, algo entre um grunhido e um ruído estático, e avançou.
Aya foi a primeira a agir. Ela girou a lança, atingindo a lateral da criatura. O impacto fez faíscas voarem, mas não causou nenhum dano aparente. A criatura virou-se para ela, e em um movimento impossível de acompanhar, tentou acertá-la com algo que parecia um braço, mas era apenas uma extensão instável de seu corpo. Aya saltou para trás, desviando por pouco.
— Kai! Vai no núcleo! — gritou ela, apontando para o centro do corpo da criatura, onde uma luz pulsava irregularmente.
Ele hesitou. Suas pernas pareciam pesadas, e o medo o prendia no lugar. A criatura se virou para ele agora, como se sentisse sua inexperiência. O chão tremia levemente sob seus pés enquanto ela avançava.
Kai fechou os olhos por um instante. Ele pensou no que Aya dissera antes: "Foque no que você pode fazer." Ele abriu os olhos e deu um passo à frente, erguendo a espada. Quando a criatura atacou, ele desviou para o lado, quase tropeçando, e tentou golpear o núcleo. A espada acertou, mas foi como bater em algo feito de borracha endurecida. A criatura rugiu, girando o corpo e acertando-o no peito.
Kai foi lançado para trás, caindo de costas. A espada escorregou de sua mão, deslizando alguns metros à sua frente. Ele tentou recuperar o fôlego, mas sua visão estava embaçada. Tudo parecia tão real — o impacto, a dor — que ele quase esqueceu que era apenas um jogo.
— Levanta, Kai! — gritou Aya, girando sua lança para afastar a criatura. — Isso aqui não é um treino!
Ele engatinhou até sua espada, pegando-a com dedos trêmulos. A criatura agora dividia sua atenção entre ele e Aya, os movimentos caóticos e imprevisíveis dificultando qualquer tentativa de atacar diretamente.
Aya avançou de novo, mirando o núcleo com precisão. Sua lança perfurou a luz pulsante, mas foi repelida por uma onda de energia que a jogou para trás. Ela caiu de joelhos, ofegante, mas manteve a lança firme.
— Isso é mais resistente do que eu pensei — murmurou ela.
Kai olhou para a espada em sua mão e para a criatura à sua frente. Ele sabia que precisava fazer algo, mas o quê? Seu coração batia tão rápido que parecia impossível pensar com clareza. Ele olhou ao redor, buscando qualquer vantagem no ambiente. Foi quando percebeu as rachaduras no céu, ainda brilhando. Uma delas parecia emitir pequenos fragmentos de luz que caíam como neve ao redor da criatura.
"Talvez… isso esteja conectando a criatura ao mundo aqui," pensou.
— Aya! E se a gente focar na energia das rachaduras? Talvez isso enfraqueça ela!
Aya olhou para cima, avaliando rapidamente.
— Faz sentido, mas como vamos atingir isso?
Kai pensou por um momento antes de erguer a espada. Ele nunca havia tentado lançar algo assim, mas sabia que precisava tentar. Ele respirou fundo, girou a espada em sua mão e arremessou com força em direção à rachadura mais próxima.
A espada girou no ar antes de atingir um dos pontos de luz brilhante. Um som alto, como vidro se quebrando, ecoou, e a rachadura pareceu diminuir levemente. A criatura rugiu de dor, recuando como se tivesse sido atingida diretamente.
Aya sorriu. — Parece que você acabou de descobrir algo útil.
Ela se levantou, ajustando a posição da lança. Com um salto impressionante, ela arremessou a arma direto para outra rachadura. O impacto gerou outra onda de som e luz, e a criatura começou a se desestabilizar.
— Isso tá funcionando! — gritou Kai, correndo para pegar a espada novamente.
As rachaduras começaram a diminuir uma a uma enquanto eles revezavam os ataques. Cada vez que uma rachadura desaparecia, a criatura se tornava mais instável, até que finalmente caiu de joelhos. Sua forma vibrava como uma chama prestes a se apagar, e o núcleo brilhava com intensidade.
— Kai, termine isso! — gritou Aya, segurando a lança com força enquanto se preparava para proteger qualquer tentativa de contra-ataque.
Kai correu em direção ao núcleo. Com um grito que misturava medo e determinação, ele cravou a espada com todas as suas forças. A luz explodiu ao seu redor, cegando-o momentaneamente.
Quando abriu os olhos, a criatura havia desaparecido. O céu estava mais claro, as rachaduras agora apenas cicatrizes tênues que lentamente se dissipavam. Ele caiu de joelhos, a espada ainda em sua mão.
Uma notificação apareceu em sua visão:
"Missão Concluída: Evento Anômalo Resolvido."
"Recompensa: 300 moedas de prata e Habilidade Passiva: Resiliência Inicial."
Kai sentiu o calor se espalhar por seu corpo, indicando que a habilidade havia sido ativada. Ele olhou para Aya, que caminhava até ele com um sorriso cansado.
— Nada mal, novato. Nada mal mesmo.
— Isso foi… — Kai parou, procurando as palavras. — Isso foi loucura.
Aya riu, estendendo a mão para ajudá-lo a se levantar. — Bem-vindo ao Interverse. Aqui, até o tutorial pode ser uma experiência de vida ou morte.
Kai olhou para o céu, agora livre das rachaduras, mas ainda carregando a sensação de que algo estava terrivelmente errado.
— Isso não foi só um bug, não é? — perguntou ele, mais para si mesmo do que para Aya.
Ela balançou a cabeça, o sorriso desaparecendo de seu rosto. — Não, Kai. Isso foi algo muito maior. E eu acho que é só o começo.