Kai olhou uma última vez para o céu limpo de Nova Aurora. As rachaduras haviam desaparecido, mas a sensação de desconforto permanecia. Aya dizia que aquilo era uma "anomalia rara", mas como poderia algo tão avançado como Interverse falhar? O jogo era um marco tecnológico, amplamente divulgado como perfeito: sem bugs, sem falhas, sem vulnerabilidades. Tudo funcionava como um relógio suíço, imerso em uma simulação tão real que era difícil acreditar que não fosse o próprio mundo.
Ele balançou a cabeça, tentando afastar os pensamentos. Talvez fosse um evento secreto ou algum tipo de teste para iniciantes. De qualquer forma, ele tinha uma missão a cumprir.
Aya caminhava à frente, ajustando a lança nas costas.
— Vamos para as Terras Abandonadas. É lá que você vai realmente aprender como jogar isso aqui.
Kai franziu o cenho enquanto a seguia.
— Aya, uma pergunta. Quem criou o Interverse?
Ela olhou por cima do ombro, surpresa.
— Por que isso importa?
— Não sei. Só me parece estranho… ninguém fala sobre quem desenvolveu isso. Não há logos, empresas, nada.
Aya deu de ombros, voltando a olhar para frente.
— É o tipo de coisa que as pessoas pararam de perguntar. Interverse apareceu, perfeito e funcional, sem bugs, sem anúncios, sem publicidade. Só um mundo inteiro pronto para explorar. As pessoas se importam mais com o que podem fazer aqui do que com quem está por trás disso.
Kai permaneceu em silêncio. Era verdade que ele nunca havia pensado nisso antes. Nina também nunca mencionara nada além de como o jogo era revolucionário. Ele tentou deixar isso de lado enquanto seguiam pelos portões da cidade.
—
O vento seco das Terras Abandonadas soprava com força, levantando poeira ao redor das formações rochosas. O solo era rachado e duro, pontuado por arbustos secos e pedras espalhadas. Aya caminhava à frente, movendo-se com confiança por um caminho que parecia improvisado. Kai segurava sua espada curta com firmeza, tentando não demonstrar nervosismo.
— Então, qual é o plano? — perguntou ele, finalmente quebrando o silêncio.
Aya parou, apontando para um grupo de criaturas à distância.
— Ali estão seus primeiros inimigos reais. Felinos Rochosos. São rápidos, mas previsíveis. O segredo é observar os padrões de ataque e atacar no momento certo.
Kai olhou para as criaturas. Elas pareciam pequenos predadores ágeis, com caudas longas e garras afiadas. Mesmo à distância, ele podia sentir a tensão no ar.
— E você? Não vai ajudar? — perguntou ele, tentando soar mais confiante do que estava.
Aya cruzou os braços, sorrindo.
— Vou observar. Quero ver como você se sai.
Kai respirou fundo, reunindo coragem, e começou a avançar. À medida que se aproximava, os Felinos levantaram a cabeça, notando sua presença. Eles começaram a circular ao redor dele, movendo-se de maneira coordenada. Kai apertou a espada, tentando não perder o foco.
O primeiro Felino atacou. Kai desviou para o lado, desferindo um golpe que passou perto, mas não acertou. Outro Felino aproveitou a abertura e saltou, empurrando-o para trás. Ele caiu no chão, sentindo o impacto reverberar em seu corpo.
— Não hesite! — gritou Aya de longe. — Movimente-se!
Kai rolou para o lado, levantando-se rapidamente. Ele sabia que precisava fazer algo, mas sua mente estava em branco. Lembrou-se das palavras de Aya sobre observar os padrões. Ele fixou os olhos nos Felinos e notou algo: eles sempre hesitavam por um segundo antes de atacar. Era a janela que ele precisava.
Quando o próximo Felino avançou, Kai esperou até o último momento antes de desviar e desferir um golpe direto no flanco da criatura. O Felino caiu, e uma notificação apareceu:
"Felino Rochoso Derrotado. +50 XP."
Kai não teve tempo de comemorar. Os outros dois atacaram ao mesmo tempo, mas ele estava mais confiante agora. Ele desviou de um, bloqueou o outro e avançou rapidamente, acertando o segundo Felino antes que pudesse recuar. O último hesitou, soltando um rosnado antes de fugir para as pedras.
Kai caiu de joelhos, ofegante, enquanto outra notificação apareceu:
"Felino Rochoso Derrotado. +50 XP."
Aya se aproximou, batendo palmas lentamente.
— Nada mal. Ainda hesita muito, mas você está aprendendo.
Kai riu, exausto. — Isso é muito mais difícil do que parece.
— E vai ficar pior. — Aya olhou para o horizonte, onde o terreno ficava ainda mais hostil. — Mas você fez progresso. Agora está pronto para algo um pouco mais complicado.
Kai se levantou, ajustando a espada. — Tipo o quê?
Aya deu um sorriso enigmático.
— Você verá.
—
Kai desconectou mais tarde naquela noite, sentindo o peso da exaustão. Quando o visor do VR deslizou de sua cabeça, o silêncio de sua casa parecia quase opressor. Ele se encostou na cadeira, passando as mãos pelo rosto enquanto tentava organizar seus pensamentos.
O som do celular vibrando o tirou do devaneio. Era uma mensagem de Nina:
Nina: "Como está indo o treinamento? Amanhã vou entrar no jogo e te ajudar. Quero ver como você está se saindo. 😉"
Kai respondeu rapidamente:
Kai: "Sobrevivi mais um dia. Mas isso é mais intenso do que eu imaginava."
Nina: "Bem-vindo ao mundo real. Ou melhor, virtual. 😂"
Ele colocou o celular de lado e foi até a cozinha pegar um copo d'água. Enquanto bebia, sua mente continuava voltando ao jogo. Aya tinha razão: Interverse era mais do que um jogo de lutas. Havia algo na maneira como ele o envolvia, algo que o fazia querer voltar, mesmo com os perigos.
Quando voltou ao quarto, olhou para o visor sobre a mesa. Sabia que no dia seguinte estaria de volta, tentando entender um pouco mais daquele mundo — e, talvez, de si mesmo.