Na manhã do dia 30, no Distrito de Saisho, o Hospital Hiroshi Yamamoto permanece como o único local em funcionamento nesta madrugada silenciosa que passa, e por isso, é o mais movimentado tão cedo.
O céu, ainda límpido desde os golpes devastadores de Masaru e Azaael, exibe seus resquícios de sua fúria, com pigmentos negros dançando no ar, semelhante a sombras sinistras em uma tela branca.
E nos noticiários denunciam sobre o terremoto que sacudiu toda Aija, enquanto jornalistas ávidos correm para captar cada detalhe da tragédia, como abutres se lançando sobre uma carcaça fresca.
Helicópteros sobrevoam incessantemente desde os primeiros minutos após o grande impacto, registrando o estado devastado do local. O solo está repleto de enormes crateras, tão profundas que ultrapassam cinco metros de profundidade, testemunhando a magnitude da destruição.
E no agitado ambiente do hospital, médicos trajando suas vestes brancas movimentam-se freneticamente entre os corredores abarrotados de pacientes. No entanto, em meio ao tumulto, a figura solene de um exorcista destaca-se, sua aura tranquila e sobrenatural parece trazer atenção a si, concentrando todo o caos.
Naquele corredor saturado de dor e desesperança, cada passo de Gabriel ressoa como uma sentença proferida pelo destino. Os sussurros de aflição e lamentação pairam no ar, entrelaçando-se ao aroma penetrante do desinfectante.
— Maldito seja! Você tirou a vida da minha filha! — o grito dilacerante do homem, envolto em bandagens, corta o silêncio como uma lâmina, ecoando como um lamento desesperado, enquanto ele aperta um urso de pelúcia rosa, emblema da inocência manchada pela tragédia.
Imerso na atmosfera pesada de culpa e desgosto, Gabriel permanece em silêncio, mesmo que a responsabilidade não seja totalmente sua, suas entranhas retorcendo-se com o peso do fardo. Seus punhos cerrados não apenas expressam determinação, mas também representam uma tentativa desesperada de conter a avalanche de emoções que ameaça engolfá-lo.
Em uma fuga, ao adentrar a última sala do corredor, depara-se com Masaru, acompanhado pela mulher que os conduziu até ali. Os olhos de Masaru refletem uma mistura de exaustão e frustração, enquanto a mulher mantém um semblante sereno, como se fosse uma guardiã entre o caos que os rodeia.
Ele está sentado, visivelmente aborrecido, absorto na tela danificada de seu smartphone. Metade dela está queimada e trincada, exalando um cheiro de enxofre que invade todo o lugar. Mas ele não se importa; nada o incomoda mais do que o ocorrido.
Ele mantém a cabeça baixa, enquanto Elizabeth Zahira o observa com uma expressão confusa. Ela é uma das exorcistas enviadas ao distrito fantasma em resposta aos distúrbios energéticos que afetaram a cidade. Portadora do título de grau Celeste, Elizabeth é a famosa Condessa Maldita, o flagelo dos demônios, cuja reputação atemoriza até as criaturas mais sombrias.
— Ele está quieto até agora, então, é assim que um cara bobo fica frustrado? — ela pergunta, seus cabelos negros e ondulados balançando. Seus olhos esverdeados encontram-se com os de Gabriel, — É isso? — continua, meio provocativa.
— Zahira… — resmunga Gabriel, colocando as mãos nos bolsos após fechar a porta. Com um semblante resiliente, ele se aproxima dos dois — Deve ser porque o demônio escapou, não?
A mulher, imersa na conversa, deixa escapar uma risada meio contida, denotando surpresa e incredulidade diante do que acabara de ouvir.
— Sério mesmo? E ele simplesmente ignora o fato de ter perdido um pedaço do braço? Aliás… — ela murmura enquanto se agacha, seu corpo inclinado na direção do que restava de seu membro amputado — Isso aí não se cura nem com milagre. Caramba, esse demônio era realmente surpreendente, não é?
Seu traje, provocativo por natureza, é capaz de atrair a atenção de qualquer homem que cruze seu caminho. Em meio a esse cenário, ela nota o olhar penetrante de Gabriel em sua direção, em um jogo de olhares que demonstra interesse mútuo.
— Ai ai… Meu querido Gabriel, teu parceiro é meio doidinho…
Quando diz isso, Masaru larga o aparelho com um gesto de desdém, erguendo sua face para encará-los. Seus lábios estão firmemente contraídos.
— Idiotas, não é por isso… — ele murmura, desviando o olhar enquanto se joga de costas contra o travesseiro, afundando sua cabeça e corpo na maca, — O desgraçado do Kyotaka… não permitirá mais serviços independentes… o que aquele velho tem na cabeça, hein? — ele diz, com uma sinceridade palpável em sua voz, revelando sua indignação com a situação.
— É pior… — Gabriel estapeia sua própria face enquanto fala, soltando em seguida uma risada meio sem jeito — Já superou o que aconteceu? Tão fácil, eu pensei, que aquele embate e sua perda, ah esquece, você não amadurece agora nem se ficar paralítico!
Uma risada, sem freios, ecoa da voz sedutora da mulher, preenchendo o ambiente com um toque de leveza.
— Isso é uma merda mesmo, bem… mas fique alegre, Masaru. Você recebeu uma promoção, lembra? Você é um exorcista celeste agora, livre até mesmo de seus deveres… — ela diz, sentando-se em uma cadeira e tentando animá-lo com suas palavras reconfortantes.
— Sério? — Masaru murmura, sua voz soando abafada pelo travesseiro que ele colocou sobre o rosto.
Enquanto isso, seu parceiro observa a cena com uma expressão sem graça.
— Não é bem assim, Zahira, bem… mas é verdade… você não é mais um exorcista Grau Cinco, eu mesmo me encarreguei de cuidar disso… — Gabriel finalmente confessa, encarando-a diretamente. Ele retira o travesseiro de seu rosto, sentindo-se meio sem graça por não compartilhar essa informação antes.
— Ah, valeu cabeça de ovo! — ele responde despreocupadamente, revelando uma careta descarada em seguida, — Já bastou você me atrapalhando, imagina outros pirralhos? Meh! Agora eu tô pior do que com dois braços! — ele graceja, tentando encontrar humor na situação, ele era difícil de ser abalado.
— Imbecil! — responde o homem, elevando o braço até a nuca antes de continuar — mas… escutem bem vocês dois… talvez a ordem enfrente tempos sombrios… hoje, não vai ficar apagado. Me passaram algumas informações preocupantes…
— O que seria, cabeça de ovo? — pergunta Elizabeth, enrolando seus cabelos ao redor do dedo enquanto o fita, adorando provocá-lo, algo que, ao contrário de Masaru, surte efeito.
— Bem… CRIANÇAS… o nível de radiação negra chegou a 128,7… — ele começa a explicar, mantendo um tom sério e preocupado, — Há indícios de que haverá um surto da Síndrome da Escuridão… mas não só isso. Foram registradas mais de vinte e seis mortes e setenta e três feridos… O prefeito da cidade não só fará críticas, mas também exigirá que a ordem sofra represálias, ou seja, punida… — ele conclui, destacando a gravidade da situação que estão enfrentando.
— Merda… é sério? — suspira Elizabeth, mostrando leve irritação em sua expressão — esse bosta desse prefeito mal deve saber como se faz a porra de um exorcismo… mas enfim, Gabriel, dadas as circunstâncias, uma hora ou outra isso iria acontecer…
Seus olhos se fitam no mesmo instante, algo sério lançado entre a conversa dos três celestes.
— O surgir dessa entidade não seria só um começo? — Elizabeth continua, levantando uma questão intrigante, — Luciel não faria um movimento como esse se não estivesse testando nossas forças, não? — pondera, demonstrando uma análise perspicaz da situação e das possíveis motivações por trás dos eventos recentes.
Sua observação instiga os rapazes, deixando-os pensativos sobre o quão próximo estaria… Será que o derradeiro fim estava próximo?
A dúvida cai como uma gota de sangue, que escorre dos lábios de Yamasaki, após despertar, imerso na água de seu chuveiro. Ele se segura nas paredes do box do banheiro, vomitando sangue tingido com um negro profundo.
"Que desgraça…"
Suas pernas tremem enquanto mais sangue escorre, sua respiração estava pesada, e suas costas curvam. Ele enxerga Azaael no vidro abafado, encarando-o como se estivesse em seu lugar.
— É, muleque, aquele merdinha que encarei fodeu bonito a gente! Acho que você terá que ir ao hospital… Minha energia negra só é suficiente para te manter vivo, mas não consigo resolver o problema!
— E o que eu tenho? Que merda! — ele diz, sentindo uma fraqueza sobrepor seu próprio ser. Então, uma aura o envolve, dando-lhe forças suficientes para se manter de pé.
— Bem, deve ser efeito da liberação de energia espiritual, foi alta demais, e você é imune à energia espiritual enquanto envolto dela. É estranho, parece que minha energia negra anula sua proteção, ou seja…
— Não usa mais meu corpo para essas merdas! — ele exclama, interrompendo-o, suas veias saltam do pescoço e estão por todo o globo ocular.
— Tá! — responde, — Minha diversão só será suficiente quando esse corpo for só meu! — profere, enquanto sua voz e sua imagem se desfazem em um vórtice de sangue de Yamasaki, inundando o ambiente com uma sensação de horror e agonia.
As gotas carmesim salpicam as paredes do banheiro, criando manchas grotescas que parecem dançar à luz fraca do chuveiro, enquanto escorrem pelo vidro.
O ar fica impregnado com o cheiro metálico do sangue, enquanto a forma distorcida de Azaael se dissolve, deixando para trás apenas o eco de suas palavras.