Chereads / A Ordem Espiritual[PT/BR] / Chapter 19 - Fragmento, Desfragmento: Partes de Quem Somos

Chapter 19 - Fragmento, Desfragmento: Partes de Quem Somos

O passado, até que ponto ele molda quem você é?

Essa é a pergunta que ecoava na mente de um tolo enquanto ele caminha pelas terras desoladas, dominadas pelos fantasmas que sua mente inquieta não consegue apagar.

Com os dedos tocando as grades enferrujadas de um terreno abandonado ao tempo, ele pode ver e perceber as marcas deixadas pelas mazelas de um passado nada glorioso.

Lá, diante de seus olhos, estão as ruínas do antigo Jardim das Flores Douradas, um bordel outrora famoso aos arredores do distrito de Gou, agora um local sombrio que ainda assombra a mente de seu visitante.

Rasen, aquele tolo que não visita o lugar já há cinco anos, caminha com passos suaves, porém determinados.

Ao atravessar o portão sem cadeado, sujou os sapatos no solo enlameado. O terreno, que um dia fora parte das luxuosas entradas de Nova Tóquio, dignas de um cartão postal, já foi a casa dos prazeres e pecados.

O tempo transforma a glória em decadência, e ele não pode deixar de se perguntar o quão profundamente seu próprio passado está entrelaçado com aquele cenário desolado.

"Me encontro aqui, novamente, nas terras do purgatório…"

Ele pensa enquanto sobe a escadaria à sua frente, doze degraus que o levam até a grande porta dupla de madeira. Ao tocar a superfície da porta, sente a poeira cobrir seus dedos e, com um empurrão firme, a porta range e quase cede.

O cenário se desenha primeiro em sua mente, mais nítido do que aquilo que seus olhos enxergam.

Enquanto caminha lentamente pelo salão, ele observa como o esplendor do passado contrasta com a decadência do presente. O chão, outrora lustrado, agora está opaco e coberto por fragmentos de vidro e destroços de móveis antigos.

Ele imagina as festas e celebrações que um dia preencheram aquele espaço com vida e música, onde risos, gemidos e toques sussurrados ecoavam pelas paredes.

Agora, o silêncio pesado predomina, interrompido apenas pelo ruído suave de sua respiração. Os quadros nas paredes estão desgastados pelo tempo, suas cores desbotadas, mas ainda capazes de despertar memórias esquecidas.

À medida que avança, ele nota vestígios de um luxo passado, como cortinas de veludo desbotadas e candelabros ornamentados, agora encobertos por uma camada de pó.

É como se o tempo tivesse parado ali, preservando as lembranças de uma época mais brilhante, mas o peso da realidade não pode ser ignorado. Ele percebe que está andando sobre as sombras de um lugar que um dia fora grandioso, agora transformado em um reflexo sombrio de seus dias de glória.

Crec-Crec

A madeira range enquanto alguém desce a escadaria, interrompendo seu déjà vu, e seus olhos pousam sobre a fonte de seu tormento. Lá, sozinho e exausto, está seu pai, o homem que destruiu sua primeira vida e atormentava sua alma, com as lembranças de seus abusos cruéis.

Já enfraquecido, ele parece uma sombra do que já fora, um fantasma de seu próprio passado. A visão é um confronto amargo com as lembranças dolorosas que nunca o deixaram. Mas agora, ao encarar seu pai, ele sente um turbilhão de emoções, uma mistura de dor, rancor e uma estranha sensação de liberação. E o fato dele ainda estar vivo, lhe trazia um alívio, no mínimo estranho.

Pois o momento é, ao mesmo tempo, perturbador e catártico, um confronto direto com a lâmina que açoitou seu coração.

Enquanto desce a escadaria, Raisen se vê diante de um homem extremamente envelhecido, quase calvo, vestido em trapos, segurando um prato com uma vela acesa.

— Quem é você? Já não há mais nada que valha aqui! Vá embora! — diz o senhor com uma voz rouca e desgastada pelo tempo.

A surpresa toma conta de Rasen ao ouvir as palavras do homem. Como poderia esquecer aquele que trouxe a morte à sua vida?

A sensação é amarga, e, ao mesmo tempo, carrega uma tensão de se arrepiar, enquanto eles se encaram naquele salão esquecido pelo tempo.

— Quem? Não reconhece sua vítima? Seu filho? — pergunta, seus olhos ardendo com uma tempestade que despedaça a pouca calmaria que o havia tomado.

Os olhos dele ardem com uma tempestade ao encarar o homem com determinação. Ele se sente forte e confiante, como um lobo diante de uma ovelha. Não teme mais os dedos gélidos de seu agressor, pois está pronto para confrontar seu passado e buscar justiça.

— Rasen… Então, você sobreviveu mesmo…

— Isso mesmo… bem, ainda lembra do meu nome, então o destino não foi tão cruel assim. Mas é sempre desse jeito, não é? O mal nunca paga por suas ações…

Enquanto fala, as cenas vêm à sua mente como uma tormenta; aquilo precisa terminar.

"Enquanto isso continuar, o mundo jamais mudará…"

As palavras de seu acusador são devaneios que mal atingem os ouvidos do velho, que permanece alheio à dor e ao sofrimento que causou.

— O que quer dizer? Droga, olhe para mim! Você já me arruinou, miserável, você e aquela vadia da sua mãe! — grita o velho, com a voz carregada de ressentimento e ódio, — Meu bordel, meu dinheiro, minha dignidade se foram! Filho da puta! — continua.

— Eu ferrei você? Você não se arrepende de nada, não é? Bem, para mim, tanto faz… o arrependimento é um luxo que você não conhecerá — responde Rasen, com uma intensidade fria em sua voz, enquanto seus olhos perfuram o velho como lâminas afiadas.

— Arrependimento? O único arrependimento que tenho é não ter mandado sua mãe abortar você! Criança maldita… Mas eu sou tolo, sempre enxerguei o mal escondido em seu ser, mas preferi me cegar… — diz o velho, descendo as escadas com pressa, seus olhos cheios de ódio.

— Mal? Você é uma fruta podre nascida de uma boa árvore. Eu, por outro lado, sou uma fruta rara que brotou de um solo árido e de uma árvore incapaz de dar bons frutos. Quem é realmente a criança maldita aqui? Você jamais entenderá isso, e eu mesmo não permitirei que perceba — responde, cruzando os dedos e fitando o homem com determinação. Quanto mais se aproxima, mais a aura do rapaz se eleva, enquanto a ferida em seu coração ainda exposta sangra de ódio.

"Assim somos, iluminados!"

Naquele instante, ele se apressa e toma uma decisão definitiva: pôr fim à sua dor e angústia, encarnadas naquele homem que representa o seu tormento.

— Cosmicae Expansionis Punctum: Origo Mundi in Spirali… — suas palavras soam como um prenúncio de morte, enquanto sua aura se expande e engole o local, envolvendo o velho.

Revelando sua técnica inata, o ápice de um exorcista, a essência da energia espiritual, Rasen finalmente enfrenta seu passado com uma força que nunca imaginou possuir, pronto para superar o junto ao tormento que ele traz.

E de repente, desaparecem daquele local fisicamente, e sob os pés de ambos, surge uma escadaria infinita que se acabaria em um abismo, em espiral. Eles se encontram diante de um cenário surreal, com o velho contemplando o vazio absoluto aos céus, a escuridão eterna, enquanto o rapaz permanece firme à sua frente, do outro lado.

— O que é isso? Que lugar é esse? — pergunta o velho, confuso e alarmado.

— Esta é a origem de tudo, pai. O mundo é como a escadaria em que pisamos, uma espiral eterna, cheia de curvas e degraus que levam à infinitude… impressionante, não acha? — responde Rasen, sua voz tranquila contrastando com a situação tensa.

— Leve-me de volta! Por Elum! — ele grita, tropeçando enquanto escorrega pela escadaria. Seus olhos se arregalam em horror enquanto a escuridão a sua volta o envolve como um manto frio e sombrio.

A escuridão é tão intensa que parece sussurrar promessas assustadoras, agarrando seus pés com garras geladas, mesmo através dos sapatos.

— Clama ao seu criador? Mesmo sendo uma pária para ele? Que desgraça… — ele ironiza, descruzando os dedos com lentidão e um sorriso sinistro. Seus olhos são frios como o gelo enquanto ele encara o braço do velho, — Disrumpe! — pronúncia com voz firme e sombria.

No mesmo instante, uma espiral translúcida e ameaçadora surge entre o ombro e o antebraço do velho, penetrando sua carne com uma precisão aterradora e rasgando-o ao meio, deixando um rastro de dor e horror.

— Droga! — ele grita, surpreso, enquanto seu antebraço despencava no abismo. O sangue jorra sobre a escadaria, criando um rastro escarlate.

O sangue respinga e suja suas próprias vestes. E em desespero ele se arrasta até se encostar ao gélido concreto que forma a parede ligada a escada, e seus olhos turvos e opacos passam a refletir uma escuridão insondável.

Frio e indiferente à crueldade, Rasen sorri de lado, encarando entre as pernas trêmulas do velho. E num instante, ele arregala os olhos, os lábios prestes a clamar por misericórdia. No entanto, o único som que ecoou é o da carne se rasgando, após um sussurro macabro…

"Disrumpe…"