A manhã chegou. Antes mesmo que os kaorrax começassem a cantar, eu já estava de pé, nas primeiras horas do dia. Organizei meus livros, olhei para eles, não gostei da posição, e os organizei de novo. Esse processo durou até o café da manhã, tudo por um único motivo: a visita de Scilia. Por que eu estava fazendo isso? Não me pergunte. Naquele momento, era algo que eu também não entendia, mas agora, eu sei muito bem o que era. Durante o café da manhã, meus pais ficaram perplexos com meu comportamento, de uma maneira que nunca tinham visto antes. Sempre fui calmo, mas, naquele dia, corria de um lado para o outro, checando se tudo estava exatamente como eu queria.
- "T-Taryn... Você já viu ele assim antes?" minha mãe perguntou em tom baixo para meu pai, enquanto tomava seu chá matinal.
- "Eu não me lembro de já ter visto ele assim..." meu pai respondeu, enquanto comia um grande bife de Hornock antes de ir trabalhar.
- "Hmm... Mas se fosse para dizer o porquê dele estar assim... Eu diria que é por causa da menina que vai visitá-lo hoje, qual era o nome dela?... Ah, sim, Scilia, né?" completou meu pai, enquanto terminava seu suco de fruta citro e se levantava para levar o prato até a pia.
- "P-pela menina? Taryn, ele ainda é muito jovem para pensar nessas coisas, acho que você bateu a cabeça para dizer isso" disse minha mãe, indignada.
- "Hmm... Já eu, acho que ele já está na idade de ter várias namoradas, assim como eu tive nessa época, hahahaha" disse meu pai, rindo alto.
Enquanto minha mãe dava uns tapas no meu pai pelo que ele tinha dito, eu terminava os preparativos para a chegada de Scilia. Agora, com tudo do jeito que eu queria, só restava esperar pelo momento em que alguém bateria na porta. Sentei-me ali, na cadeira, perto da entrada, esperando. O tempo passou e passou. Já era quase meio-dia e nada de Scilia ou da senhorita Vyresska. Eu começava a perder as esperanças naquele momento. Minha mãe, que vinha observando meu comportamento desde cedo, estava cada vez mais apreensiva, pois nunca tinha me visto fazer algo assim por alguém antes, e temia que, se Scilia e a senhorita Vyresska não aparecessem, eu ficaria receoso em me relacionar com outras pessoas no futuro. Além disso, ela não queria me ver triste.
No entanto, antes que ela pudesse tomar qualquer atitude ou fazer qualquer movimento, alguém bateu na porta. Naquele instante, eu saltei da cadeira e corri até a porta. Ao abri-la, fiquei radiante ao ver que tanto Scilia quanto a senhorita Vyresska tinham aceitado meu convite e vindo até minha casa. Antes de entrarem, a senhorita Vyresska se desculpou pelo atraso, dizendo que tiveram um pequeno imprevisto, mas vieram assim que puderam.
- "S-Senhorita Vyresska, Scilia... Vocês vieram, que ótimo..." eu disse, sorrindo.
- "Olá, Dravyn e senhorita Elaris! Desculpem o nosso atraso, tive um pequeno problema na padaria hoje porque muitas pessoas queriam comprar pães e bolos" disse ela, rindo, um pouco envergonhada.
- "Sem problemas, senhorita Vyresska, o número de pessoas na vila aumentou bastante, então é esperado que o trabalho também aumente" eu disse, assentindo.
- "E você também, Scilia, olá!" eu disse, sorrindo.
- "O-olá, Dravyn..." ela disse, num tom tímido.
- "Vamos entrar? Vou preparar algo para comermos!" disse minha mãe, muito menos apreensiva do que antes.
Elas então entraram, e enquanto minha mãe e a senhorita Vyresska conversavam e preparavam algo para comermos, Scilia e eu fomos para o meu quarto. Lá, mostrei a ela minha coleção de livros, que estava, devo dizer, muito bem organizada. Scilia olhou para aquela enorme coleção de livros e, embora hesitante no início em aceitar meu convite para lê-los, não pôde deixar de se surpreender com a quantidade de livros e o cuidado com que eram mantidos. Ela então perguntou se poderia pegar algum deles, ao que eu prontamente afirmei.
- "Uau... Dravyn... Q-quantos livros você tem aqui?" ela perguntou.
- "Hmm... Uns cem? Algo assim... Não contei todos" eu disse, rindo, um pouco envergonhado.
- "P-posso pegar algum deles?" ela perguntou, um pouco tímida.
- "Claro, fique à vontade, Scilia, mas se eu puder recomendar alguns desses livros, recomendaria esses aqui..." eu disse, enquanto entregava os primeiros livros que recebi quando pequeno.
- "Matemática Elementar... Magia e a Expansão da Veia de Energia... e... Geografia do Império? Uau, incrível..." ela disse, com os olhos brilhando ao abrir e ver o conteúdo.
E assim ficamos ali, lendo e comentando sobre tudo o que víamos nos livros. De alguma forma, isso parecia nos aproximar e nos acalmar, tornando todos os momentos ruins que guardávamos apenas para nós insignificantes diante do vasto novo mundo que tínhamos ali.
Em certo ponto, minha mãe e a senhorita Vyresska nos chamaram para tomar café. Ao chegarmos à cozinha, fomos agradavelmente surpreendidos ao ver que haviam preparado vários tipos de pães e doces, que tinham um cheiro maravilhoso. Um deles, em especial, uma espécie de sobremesa congelada feita com uma fruta chamada Alkarith, conquistou meu coração. Era algo esplêndido e refrescante, conseguido apenas graças à senhorita Vyresska, cujas veias de mana não estavam estreitadas e, portanto, podiam produzir uma espécie de poder mágico que lembrava gelo.
Além disso, a receita dessa sobremesa era algo que só ela sabia, mas, após alguma insistência, foi passada para minha mãe. Ao perceber que a senhorita Vyresska tinha as veias de mana expandidas, fiquei animado, pois poderia pedir conselhos a ela e ver se o que estava acontecendo comigo era normal.
- "Senhora Vyresska, posso te fazer uma pergunta?" perguntei.
- "Claro, Dravyn. O que é?" ela respondeu, curiosa, enquanto comia uma pequena tigela da sobremesa congelada de Alkarith.
- "B-bem, eu percebi que você disse que suas veias de mana são expandidas e não estreitas, correto?" perguntei.
- "Sim, isso é verdade. Por quê?" ela retrucou.
- "Tenho tentado expandir minhas veias de mana há algum tempo, mas, até hoje, não consegui nem senti-las se movimentando. Contudo, sempre fico muito cansado quando tento, o que acredito ser um sinal de que estou fazendo o processo corretamente, mesmo sem resultados. Você poderia me ajudar a entender o que está acontecendo?" perguntei esperançoso.
- "Você já está tentando expandir suas veias de mana? B-bem, isso é algo que só deve ser feito quando o fluxo arcano está quase pronto para inundar o corpo, geralmente aos 5 ou 6 anos de idade. Claro, é possível tentar antes e até conseguir, mas não haverá muita diferença em relação àqueles que tentam na idade apropriada. Ainda assim, posso tentar sentir o caminho de suas veias de mana. Você quer que eu faça isso para ajudar? Talvez eu consiga identificar o problema..." ela respondeu, surpresa por eu estar tentando expandir minhas veias mágicas tão cedo.
De fato, o livro dizia que a idade ideal para a expansão era quando o corpo estava mais próximo de passar pelo fluxo arcano. Contudo, também mencionava que resultados podiam ser alcançados antes. Portanto, eu não tinha nada a perder tentando.
- "Sim, por favor, me ajude a descobrir se estou fazendo algo errado, Senhorita Vyresska" eu disse.
Todos fomos para o meu quarto. Lá, Scilia estava lendo vários livros, enquanto a Senhorita Vyresska e minha mãe me assistiam entrar em um estado meditativo para localizar minha veia de mana. Assim que a senti, informei a Senhora Vyresska. Ela pediu permissão, levantou minha camisa e colocou a mão aberta em minhas costas. Fechou os olhos e se concentrou.
Após alguns segundos, comecei a sentir uma sensação de formigamento ao redor do meu coração e pulmões, como se uma corrente passasse da Senhora Vyresska para mim, circulasse pelos meus órgãos e voltasse para ela. Não era doloroso, mas trazia uma sensação de paz, difícil de explicar.
Ela então pediu que eu tentasse expandir minha veia de mana novamente, como sempre fazia. Após alguns minutos, ela pediu que eu parasse e finalmente deu sua opinião:
"Hmm... Sua veia de mana é muito estreita. Mas não desista. Já vi pessoas com veias ainda mais estreitas que a sua conseguirem expandi-las com sucesso quando estavam próximas do fluxo arcano. Continue seu treinamento quando estiver mais perto desse momento. Você tem 4 anos agora, certo? Daqui a cerca de um ano, você começará a notar mudanças drásticas. Não desista."
Enquanto passava a mão sobre minha cabeça. Naquele momento, senti-me um pouco desanimado, mas sabia que não podia desistir. Decidi seguir o conselho dela e retomar meu treinamento com mais intensidade quando estivesse mais próximo do fluxo arcano.
Scilia, percebendo minha expressão abatida, aproximou-se com meu livro sobre magia e expansão de veias de mana e gentilmente bateu com ele na minha cabeça, dizendo:
- "Não desista."
Pela primeira vez, ela sorriu de uma forma encantadora. Não sei que expressão fiz, mas aquele sorriso restaurou a confiança que eu havia perdido, enchendo-me de uma energia que não sentia havia muito tempo. Meu coração acelerou e, por um momento, perdi o controle das palavras:
- "C-certo, eu... eu desistirei não... Q-quero dizer, não vou desistir, pode ter certeza!" gaguejei.
Quando percebemos, a luz do dia já havia começado a dar lugar às estrelas e às duas luas. Percebendo isso, Vyresska chamou Scilia para ir embora, pois já era hora. Na porta, antes de sair, Vyresska me chamou para perto, deu-me um abraço apertado — tão forte que quase esmagou meus órgãos internos — e, ao mesmo tempo, gentil, à sua maneira.
Com a voz trêmula, ela disse:
- "sniff... Muito obrigada, de verdade, obrigada..."
E bagunçou meu cabelo enquanto algumas lágrimas corriam pelo seu rosto. Scilia, intrigada, perguntou por que ela havia feito aquilo, mas Vyresska desconversou, dizendo que não era nada.
Quando chegou a vez de Scilia, me despedi fazendo algumas perguntas:
- "Então, como foi o dia de hoje? Gostou?" perguntei, sorrindo.
- "F-foi... bom..." ela respondeu.
- "Então, posso contar com vocês duas vindo aqui novamente no próximo fim de semana?" perguntei, animado.
Os olhos de Scilia brilharam por um momento, e, com uma resposta baixa e tímida, ela disse:
- "...Claro..."
E isso me deixou extremamente feliz.