...Sons de Água Correndo...
- "OF... ha... ha... cof... cof... cof... M-maldição... cof... cof... ha... ha, o-onde estou?" Eu me perguntei ao acordar, ainda à beira do rio.
- "O-o que aconteceu? … ha… ARGH... MINHA... C-CABEÇA... ELA... DÓI..." Eu disse enquanto me levantava, segurando a cabeça e, cambaleando, saía da água.
- "Ha... ha... m-maldição... n-nós estávamos fugindo e... então..." Eu me lembrava, lutando naquele momento enquanto andava alguns metros e, na margem mais seca do rio, me deixava cair novamente no chão.
- "...e então... minha mãe... minha... mãe..." Eu disse, levando as mãos ao rosto e deixando as lágrimas escorrerem incontrolavelmente.
Cinco anos... Essa era praticamente a minha idade na época em que tudo aquilo aconteceu. Faltavam apenas alguns meses para o meu aniversário, e era para isso que eu estava vivendo? Tudo isso era um presente? Por muito tempo, questionei se aquilo tinha um significado maior ou se os Deuses que nos observavam estavam apenas muito entediados, criando tudo aquilo para sua diversão. Afinal, que outra explicação poderia haver para o que eu estava passando? Da noite para o dia, eu perdi tudo: meus pais, amigos, meus pertences que eu considerava extremamente importantes... tudo, TUDO. Aquilo precisava ter algum significado, ainda que mínimo.
E então, naquele dia, deitado à beira daquele rio, ouvindo o som da água fluindo e o vento balançando as folhas das árvores... enquanto tentava digerir tudo o que estava acontecendo, assombrado pelas últimas memórias que tinha de minha mãe — que me olhava com uma expressão triste, quase como se pedisse perdão por algo que nunca havia feito, enquanto uma flecha atravessava seu crânio — tentava esquecer tudo aquilo, atormentado por uma culpa inexplicável. Foi aí que entendi. Finalmente entendi o que estava acontecendo. Entendi quem eram os culpados por tudo aquilo. Entendi o quão fraco, incapaz e imaturo eu era, apesar de me achar um gênio. Entendi como fui abandonado por aqueles em quem confiava e, mais importante, entendi — e tive uma primeira visão — do que queria me tornar a partir de então.
Essa visão, embora breve, me fez perceber algo claro, algo que eu disse a mim mesmo em voz alta, algo que, no futuro, mudaria o rumo de reinos, impérios e até do mundo. Deitado ali, sob aquelas árvores que balançavam cada vez mais ferozmente, como se uma tempestade se aproximasse, enquanto chorava pela perda de tudo que eu tinha e de quem um dia fui, eu disse a seguinte frase, rindo:
- "...HA... HAHA... HAHAHAHAHAHA... EU JURO HAHAHAHA QUE NÃO IMPORTA COMO, ONDE OU QUANDO, EU JURO QUE TRAREI O INFERNO PARA CADA UM DE VOCÊS, SEUS PORCOS NOJENTOS! HAHAHAHA..."
Naquele momento, uma raiva que eu nunca tinha sentido ou sequer imaginado sentir tomou conta de mim. E, pela primeira vez, entendi que, por tudo o que os humanos estavam fazendo consigo mesmos e com outros seres vivos, era necessário que alguém se tornasse algo pior do que tudo aquilo. Algo que os fizesse temer toda vez que ouvissem seu nome, algo milhares de vezes pior do que os próprios demônios que eles temiam. Ali, decidi me tornar isso e fazê-los pagar, lentamente, por tudo que haviam feito comigo e com as pessoas que me eram tão especiais.
A partir de então, decidi me levantar. Mesmo com o corpo se recusando e reclamando de dor, simplesmente ignorei. Mancando, molhado por ter acabado de sair do rio e com vários ferimentos e provavelmente algumas costelas fraturadas, continuei a me forçar em direção à floresta. O dia, como disse, estava nublado e ventava, como se uma tempestade estivesse se formando, então não conseguia dizer a hora aproximada pela luz de nossa estrela mãe. Portanto, decidi, primeiro, planejar meus próximos passos para sobreviver naquele lugar.
Eu não sabia onde estava nem quanto tempo havia viajado ao longo do rio. Talvez já estivesse perto do mar, mas não podia saber naquele momento, apenas quando pudesse caminhar melhor ou encontrar um lugar alto o suficiente para ter uma visão melhor do terreno distante eu teria uma ideia de onde estava. Felizmente, meu velho livro de geografia do reino continha alguns mapas detalhados para a época, o que me ajudaria bastante durante aquela jornada. Além disso, o conhecimento que ainda tinha de outros livros e as experiências diárias que meu pai proporcionava como treinamento, caso eu me encontrasse em um cenário como aquele, certamente seriam úteis no futuro próximo.
Sabendo disso, me senti um pouco menos estressado e um pouco mais determinado a continuar naquele momento. A primeira coisa que fiz a partir dali foi improvisar uma tala para minha perna machucada e um suporte para meu corpo ferido usando alguns galhos que encontrei por perto e cordas feitas trançando um tipo de planta cujas folhas eram muito resistentes, chamada Fynllorath. Assim, consegui aliviar o peso do meu corpo sobre meus ossos.
Depois disso, o próximo passo foi reunir materiais para fazer fogo e obter água e comida. Água não seria difícil de encontrar, já que estava próximo à margem do rio. Quanto à comida, também não parecia extremamente complicado, pois onde há fluxo de água, geralmente há vida. Poderia encontrar animais, tanto na água quanto próximos a ela, além de árvores com frutos.
Procurei, então, um galho seco grande o suficiente para começar. Em seguida, encontrei um galho menor que poderia ser talhado, criando uma ponta arredondada em uma extremidade. Por fim, encontrei um galho curvado para completar meu kit improvisado de acendimento de fogo. Esse conhecimento, embora não originado deste mundo, ainda estava claro em minha mente. O nome desse método era "Arco Egípcio," uma técnica primitiva de fricção com dois gravetos para gerar brasas. Assim, comecei os preparativos. Após alguns minutos de esforço e suor, finalmente consegui acender um pequeno fogo, suficiente para iluminar, aquecer e preparar comida.
Com o fogo aceso e meu espaço inicial organizado, concentrei-me em obter água e comida. Caminhei até uma área do rio com pedras maiores e procurei uma com uma cavidade natural. Essa pedra serviria como um pote improvisado para ferver água. Aquecer a água sobre o fogo ajudaria a eliminar impurezas e microorganismos nocivos. Embora isso fosse uma prática incomum para as pessoas deste mundo, eu entendia sua importância, e esse pensamento me soou estranho, afinal, como eu sabia de tudo isso? Essas peças de conhecimento pareciam vir de uma vida que mal me lembrava, mas sem elas, talvez eu não sobrevivesse.
Para encontrar comida, decidi usar uma abordagem variada, começando pela pesca. Improvisei uma vara com um galho, uma corda feita de fibras naturais e um anzol de dois pequenos gravetos entrelaçados. Após algum tempo procurando isca, encontrei um verme chamado Kozvhyn, conhecido como a "praga da madeira" por destruir as árvores de melhor qualidade, mas excelente para atrair peixes. Com a isca presa, fui até uma rocha que se projetava no rio e lancei a linha.
Enquanto esperava, observei os arredores. Perto do fogo, notei um grupo de árvores muito próximas umas das outras, que poderiam servir como base para construir um abrigo improvisado. Naquele momento, comecei então a refletir sobre como montá-lo quando senti um puxão na linha. Algo havia mordido a isca. Cuidadosamente, comecei a puxar a linha, lutando contra a resistência do peixe. Após uma breve batalha, consegui trazê-lo para fora. Não era um peixe especial ou raro, mas encheria meu estômago e restauraria minhas forças.
Voltei para o fogo com o peixe e preparei um tripé com três galhos para assá-lo. Enquanto o calor fazia seu trabalho, fui até as árvores próximas e comecei a erguer o abrigo. Usei galhos para criar paredes rudimentares, deixando um espaço como entrada. Para o teto, utilizei mais galhos e os cobri com folhas secas. Também descobri uma árvore cuja casca externa, já morta, era fácil de descascar e funcionava como um excelente isolante contra chuva e umidade. Com essa proteção adicional, o abrigo ficou mais resistente e seguro contra as intempéries.
Depois disso, voltei para o peixe, que estava quase pronto, faltando apenas assar a parte que ainda não havia entrado em contato com o calor do fogo. Então, virei o peixe e esperei até que estivesse completamente cozido. Antes de comer, agradeci mentalmente pela comida que me daria forças para continuar. Devorei o peixe e bebi a água que havia fervido, embora já não estivesse quente. Isso me trouxe uma sensação de alívio e renovação, mesmo que temporária, algo de que eu precisava desesperadamente naquele inferno em que me encontrava.
Enquanto o fogo crepitava diante de mim, comecei a pensar em tudo o que havia acontecido. Olhei para as chamas dançantes, lembrando dos altos e baixos da minha vida. Apesar de ter apenas cinco anos, eu já havia enfrentado mais desafios do que muitas pessoas.
Abaixei a cabeça, e as palavras escaparam sem que eu percebesse:
- "Maldição... Como vou continuar agora? Mãe? Pai? Vocês podem me ouvir?... Hahaha, acho que não. O que vocês fariam neste momento? Hmm?..."
Tentei conter as lágrimas, mas foi impossível. Elas escorriam pelo meu rosto, e eu fiquei ali, sentado em frente ao fogo, até que a noite caiu. As estrelas no céu e as duas luas brilhando tornaram-se minhas únicas testemunhas. Testemunhas de uma infância que nenhuma criança deveria conhecer.