Os passos de Kael ecoavam pelo que restava da realidade ao redor. Ele e Lira caminhavam por uma cidade que parecia estar suspensa entre tempos, com edifícios e ruas que mudavam de forma e cor à medida que avançavam. Cada estrutura era um reflexo de uma dimensão diferente, uma espécie de projeção desajustada da mesma cidade em realidades paralelas.
Conforme se aprofundavam, Kael começou a notar sombras se movendo à sua volta. Não eram pessoas, mas formas espectrais, ecoando de uma dimensão para outra. Ele sentia o peso de seus olhares invisíveis, uma presença inquietante que parecia seguir seus passos.
"Lira, o que são essas sombras?" ele perguntou, sentindo um arrepio ao ver uma delas deslizar para trás de uma parede em ruínas.
Lira parou e olhou ao redor, como se também estivesse sentindo a mesma pressão. "Esses são os resíduos das realidades. Quando uma ruptura acontece, fragmentos de diferentes mundos acabam colidindo, criando esses ecos... são reflexos de vidas que não conseguimos ver completamente, mas que estão conectadas a nós."
Kael estreitou os olhos, tentando entender o que isso significava. "Então, cada sombra representa... uma vida? Outra versão de nós mesmos?"
Ela assentiu, observando uma das sombras com olhos atentos. "Sim, versões diferentes, com histórias e destinos diferentes. Algumas dessas sombras podem nos ajudar, enquanto outras... podem tentar nos deter. Nem todas as realidades são amigáveis."
Kael sentiu o peso dessas palavras e continuou andando, tentando manter a calma. A cidade ao seu redor começou a desmoronar novamente, com fachadas e ruas distorcidas se deformando e retornando a formas alternativas. Ele sentiu uma nova onda de dor pulsar em sua cabeça, mas desta vez, ao invés de lutar contra, ele tentou se concentrar no sentimento.
De repente, uma das sombras se aproximou. Não era apenas uma silhueta indistinta como as outras — ela tinha um contorno mais definido, e Kael viu algo familiar em seus traços. A sombra levantou o rosto, e ele teve um choque ao ver seu próprio reflexo.
"Kael...?" a sombra disse, sua voz fraca, ecoando como se viesse de uma grande distância.
Ele deu um passo para trás, tentando absorver o que estava vendo. Era ele mesmo, mas ao mesmo tempo, não era. Essa versão parecia mais sombria, com cicatrizes e um olhar frio e distante. Esse "outro Kael" tinha um ar de alguém que havia visto o pior que as realidades tinham a oferecer — e sobrevivido.
Lira deu um passo à frente, posicionando-se entre os dois. "Cuidado, Kael. Esse reflexo é uma manifestação das suas falhas e do medo que você carrega."
A sombra sorriu, um sorriso amargo. "Você é fraco", ela sussurrou. "Sempre fugindo. Foi isso que trouxe as rupturas."
Kael sentiu um nó na garganta, mas se manteve firme. "Eu não estou fugindo. Não mais."
A sombra deu uma risada baixa, que ressoou pelas ruínas da cidade. "Veremos. Você pode achar que está no controle agora, mas quando chegar a hora... não conseguirá encarar o que realmente é."
Antes que Kael pudesse responder, a sombra se dissipou, deixando apenas uma sensação de vazio no ar. Ele olhou para Lira, confuso, tentando entender o significado da aparição.
"Esse reflexo é um lembrete do que você tem que enfrentar para equilibrar as realidades, Kael. Os maiores desafios que encontrará não serão apenas as forças externas, mas os pedaços de si mesmo que você teme encarar," ela disse, com um olhar firme e determinado. "Mas você não está sozinho. Estamos nessa juntos."
Kael respirou fundo, tentando absorver tudo o que acabara de acontecer. A jornada para estabilizar as realidades seria mais complexa do que ele imaginava, e ele teria que enfrentar não só as ameaças externas, mas também os próprios ecos do seu passado.