O submundo estava mais silencioso do que de costume, como se até as próprias sombras tivessem recuado diante do impacto do recente confronto. Gtx, sentado à beira de um penhasco rochoso, observava o abismo abaixo com olhar vazio. Seu corpo ainda estava coberto de feridas abertas, mas a dor física era mínima comparada à batalha interna que ele enfrentava.
As palavras de Seraphion ecoavam em sua mente: "Aberração... afronta... destruição." Cada uma parecia uma lâmina, perfurando seu espírito. Gtx sempre acreditara que sua existência tinha um propósito, mas agora se via tomado por dúvidas. O que ele representava realmente? Seria mesmo um erro, como o Guardião Celestial afirmara?
– Pensativo demais para um guerreiro que sobreviveu a Seraphion, não acha? – disse uma voz familiar atrás dele.
Gtx virou-se lentamente e viu Askar, seu mentor, emergindo das sombras. O homem, uma figura imponente e enigmática, tinha sido um guia para Gtx desde que este começou a compreender suas habilidades. Askar tinha olhos penetrantes e uma postura firme, como alguém que sempre conhecia a resposta antes mesmo de a pergunta ser feita.
– Não estou no humor para sermões, Askar – respondeu Gtx, voltando a olhar para o abismo.
Askar cruzou os braços, estudando o jovem com atenção.
– Não vim dar sermões – disse ele, sua voz grave e controlada. – Vim lembrar quem você é. Porque parece que você esqueceu.
Gtx soltou uma risada amarga.
– Quem eu sou? Uma aberração, pelo que ouvi. Nem Seraphion acredita que mereço existir. Talvez ele esteja certo.
Askar se aproximou, sentando-se ao lado de Gtx. Ficou em silêncio por um momento, permitindo que o peso das palavras do jovem preenchesse o espaço entre eles. Então, com um tom mais severo, ele falou:
– Você realmente acredita que sua existência é um erro porque um fanático celestial assim decidiu? Gtx, o mundo não é feito de extremos. Nem luz, nem trevas, sozinhas, conseguem manter o equilíbrio. Você é uma ponte entre esses dois opostos. Uma ponte que eles temem porque não podem controlar.
Gtx olhou para Askar, seus olhos refletindo dúvida e raiva.
– Se sou tão importante, por que sempre sou caçado? Por que ninguém vê o que você diz que eu sou?
Askar respirou fundo, seu semblante endurecendo.
– Porque o mundo teme o que não entende. A luz teme ser contaminada pela escuridão, e a escuridão teme ser superada pela luz. Você é a união que eles não conseguem aceitar. Mas o que importa não é o que eles pensam, Gtx. O que importa é o que você escolhe ser.
As palavras de Askar começaram a penetrar a armadura emocional de Gtx. Ele não queria admitir, mas havia uma verdade naquilo. Mesmo assim, o peso da batalha contra Seraphion ainda pairava sobre ele.
– Ele não vai parar, Askar – murmurou Gtx. – Seraphion não vai descansar até me destruir.
Askar deu um sorriso enigmático.
– Então não fuja. Mostre a ele quem você realmente é. Não como uma aberração, mas como um equilíbrio que ninguém pode negar.
As palavras de Askar acenderam algo em Gtx, um fogo que ele pensava ter sido extinto. Ele levantou-se lentamente, sentindo as feridas em seu corpo arderem, mas ignorando a dor.
– Eu vou enfrentá-lo novamente – declarou Gtx, com determinação em sua voz. – Não para provar algo a ele, mas para provar a mim mesmo que eu sou mais do que eles enxergam.
Askar assentiu, satisfeito com a resolução do jovem.
– Essa é a atitude. Mas lembre-se: Seraphion não é apenas força bruta. Ele acredita estar lutando pelo que é certo. Para vencê-lo, você precisará fazer mais do que lutar. Precisará mostrar que há outra verdade além da dele.
Gtx olhou para o abismo mais uma vez, mas desta vez com uma nova clareza em seus olhos.
– Que assim seja – disse ele, enquanto um brilho sombrio começava a envolver seu corpo.
A dúvida ainda pairava em sua mente, mas agora estava acompanhada por algo mais poderoso: a convicção de que sua existência tinha um propósito. E ele estava disposto a lutar, não apenas contra Seraphion, mas contra o destino que os outros tentavam impor a ele.