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Chapter 16 - Demônio da Escolha

Cássia abraçou os joelhos contra o peito, tentando se proteger do frio cortante que rasgava sua pele nua. A superfície sob ela era áspera, coberta de pedras ou corais, enquanto o vento marítimo, gelado e salgado, fazia seus ossos tremerem sem piedade.

A brisa fria lembrava-a de sua própria vulnerabilidade, e a solidão a envolvia por completo, como se o mundo ao redor fosse intangível.

O som das ondas quebrando contra as rochas preenchia o silêncio, refletindo o vazio dentro dela. Sozinha, sem saída, deixou-se levar pela ideia de que já não havia mais nada para ela neste mundo.

Foi então que ouviu a voz—profunda e suave.

Cássia virou a cabeça, tentando localizar a origem do som, mas a escuridão ao seu redor era amorfa, sem um único ponto de referência.

"Cássia."

O nome ecoou suavemente, como se tivesse sido dito diretamente em sua mente. Ela congelou por um instante, sem saber se escutara corretamente, mas a voz se repetiu, agora mais clara.

"Ariandel?" perguntou, sem entender por que aquele nome lhe escapou tão espontaneamente.

O silêncio seguinte era pesado, até que passos firmes se aproximaram, preenchendo o vazio ao redor. Quando ele finalmente parou perto dela, uma leve brisa tocou seu rosto, como se algo invisível, mas poderoso, estivesse ali.

Ele estava ali. Real.

Cássia sentiu um toque cuidadoso em seu ombro—firme, mas sem pressão. Um arrepio percorreu sua espinha, e ela instintivamente se encolheu, consciente de sua nudez.

A voz de Ariandel soou novamente, agora mais próxima e tranquila.

"Não se preocupe, Cássia. Eu não vou te machucar. Deixe-me te dar algo para se cobrir."

Um som sutil ecoou, como se algo estivesse se ajustando, e então ela sentiu algo se moldando ao seu corpo. Não era matéria, nem calor, mas algo que existia como uma corrente etérea de eletricidade. Instintivamente, soube o que fazer.

A Memória a envolveu sem esforço. A sensação foi breve, mas eficaz. Um calor suave espalhou-se por seu corpo, enquanto uma túnica simples parecia se formar sobre ela, acompanhada de sandálias de couro e uma capa leve, fluindo suavemente sobre os ombros.

O feitiço anunciou a Memória, e ela chamou as runas em sua mente:

[Sonho do Coração Profundo].

Classificação: Desperta.

Nível da Memória: VI.

Tipo da Memória: Armadura.

Descrição da Memória: [Uma túnica simples, sandálias de couro e uma capa leve. Sua aparência discreta permite que o portador passe despercebido, como uma sombra entre outras sombras.]

Cássia ficou surpresa ao perceber o Nível. Sabia que, para Ariandel possuir algo assim, ele teria feito o impossível. O simples fato de ter matado um terror desperto era incompreensível para ela, e agora ele compartilhava isso sem pedir nada em troca.

Ela pensou em questioná-lo, mas as palavras não saíram.

"Não se sinta pressionada, Cássia", disse ele, em tom descontraído. "Estou apenas emprestando isso para você. Eu mesmo posso me cobrir com minha Habilidade. Agora, você também pode se cobrir."

Cássia tocou a túnica recém-formada. O material era simples, mas agradável e reconfortante. A sensação de estar menos vulnerável trouxe-lhe algum alívio, ela ergueu a cabeça e, pela primeira vez em muito tempo, exalou lentamente.

A sensação de estar viva, de ainda ter algo pelo que lutar, embora difícil de processar, começou a germinar em seu peito. E, por um momento, enquanto a brisa fria do mar ainda tocava sua pele e as ondas batiam suavemente contra as pedras ao redor, ela não estava mais tão sozinha.

***

Ariandel observou o ambiente ao redor.

A escuridão era absoluta, sem estrelas ou lua para aliviar a opressão da noite. O único som presente era o movimento incessante das ondas, quebrando-se nas formações de coral abaixo. Ele lançou um olhar para Cássia, notando sua inquietação, mas decidiu esperar até que ela estivesse mais à vontade antes de falar.

"Estamos em um lugar peculiar, Cássia", disse ele, finalmente quebrando o silêncio com um tom firme, mas tranquilo. "Parece ser um pico de coral. Uma formação alta que se ergue acima do mar. E... é noite. Não há estrelas ou lua, apenas essa escuridão uniforme."

Cássia continuou em silêncio, mas Ariandel prosseguiu, descrevendo o ambiente de forma prática.

"Pelo que posso perceber, estamos cercados por água. Não parece haver terra firme por perto, mas é difícil ter certeza. Talvez, com o amanhecer, possamos ver melhor o que nos rodeia."

Após uma pausa, ele acrescentou, em tom mais leve, quase casual:

"Além disso, não sou muito fã de nadar. Meu cabelo longo seria um desastre. Sal, vento e água... eu precisaria de horas para refazer minha trança."

Um pequeno ruído escapou de Cássia, algo entre um suspiro e uma risada curta. A tensão pareceu se dissipar um pouco, e Ariandel percebeu que seu comentário havia surtido efeito.

"Vamos nos manter juntos. Não sabemos o que esse lugar guarda, mas teremos uma ideia melhor quando o sol nascer."

Ele estendeu a mão, tocando-a levemente no ombro. O gesto não era apenas reconfortante, mas também uma promessa silenciosa de que ele estaria ao lado dela, independentemente do que viesse.

"Por enquanto, vamos tentar descansar."

Cássia inclinou levemente a cabeça na direção da voz de Ariandel, refletindo sobre o comentário casual. O toque suave dele havia deixado uma impressão reconfortante, mas a menção ao cabelo despertou sua curiosidade.

"Você mencionou seu cabelo...", começou ela, hesitante. "É tão longo assim? Parece que dá muito trabalho cuidar dele."

Houve um breve silêncio antes de Ariandel responder, como se ponderasse se deveria se aprofundar no assunto.

"Longo é pouco. chega até minhas panturrilhas, geralmente preso em uma trança afinada a partir dos ombros, progredindo cada vez mais firme, até se assemelhar a uma lâmina", disse ele, descontraído e levemente orgulhoso. "Não é algo prático, admito. Mas é parte de mim."

Cássia ficou em silêncio por um instante, processando a informação. Ela não podia vê-lo, mas a imagem que sua mente formava era vívida. A ideia de um cabelo tão longo, mantido com tanto zelo, era algo que não esperava.

"Até as panturrilhas?" repetiu, surpresa. "Deve ser... bonito. Não imagino muitas pessoas conseguindo cuidar de algo assim."

"Veio junto com o meu Aspecto, e eu simplesmente adorei", respondeu Ariandel, rindo de leve. "Mas exige paciência. E, claro, evitar nadar ajuda. O mar não é exatamente gentil com fios longos."

Cássia sorriu, imaginando o esforço envolvido.

"É fascinante...", disse ela, o tom de sua voz suavizando-se ainda mais. "Você parece ter tanta dedicação... ao que faz, ao que é."

Ariandel não respondeu de imediato, e Cássia sentiu a mudança no ar. Algo naquelas palavras o fez refletir. Quando finalmente falou, sua voz carregava um tom mais introspectivo.

"Talvez seja o que me mantém... inteiro. Cada um tem algo a que se apegar, não é? Algo que nos lembra quem somos."

Cássia assentiu, mesmo sabendo que ele não podia vê-la. A ideia a tocou de uma maneira inesperada, e, por um breve momento, a escuridão ao redor pareceu menos opressiva.