Ariandel deitou-se, usando as mãos como travesseiro. Sem pensar muito, fixou os olhos no céu negro, enquanto aguardava. O som das ondas ondulantes e a presença de Cássia, deitada ao seu lado, tornavam o momento estranhamente relaxante.
Após algum tempo, deixou sua Refração em vigília e adormeceu. Os minutos se fundiram em horas.
De repente, ele notou uma sutil mudança no som do mar. Era como se algo estivesse se movendo. Observou através dos olhos de sua Refração e percebeu que um canto do céu começava a se tingir de cinza. Logo, o vislumbre de um sol pálido despontou no horizonte.
Um novo dia chegava à Costa Esquecida, trazendo consigo um espetáculo singular. O mar escuro, subitamente agitado, parecia uma criatura viva, desesperada para evitar a luz do amanhecer. Ariandel levantou-se devagar, o coração pulsando em antecipação, e caminhou até a borda da plataforma de pedra.
Curvou-se, piscou e então se ajoelhou, contemplando algo que até então parecia existir apenas em sonhos.
O mar começava a recuar.
Lentamente no início, depois com maior rapidez, o nível da água diminuía. A formação de coral onde ele se refugiava, antes quase submersa, agora revelava metros de sua superfície molhada, emergindo das ondas inquietas.
Conforme o sol subia, a maré baixa assumia proporções monstruosas. Ariandel logo se viu à beira de um penhasco elevado, onde uma queda de cem metros o separava das águas turbulentas.
Então, algo incomum começou a surgir. A superfície negra foi perfurada por lâminas afiadas, vermelho-escarlates, que se projetavam das profundezas. À medida que o mar recuava, uma floresta de coral vermelho-escarlate lentamente emergia, desafiando a vastidão do vazio iluminado pelo sol.
As estruturas eram colossais, salpicadas de protuberâncias irregulares que se entrelaçavam e cresciam em direções caóticas. Pareciam monumentos retorcidos e imponentes, formados no caos primordial. O labirinto desse recife se estendia até onde os olhos alcançavam, pontuado por penhascos isolados, abismos profundos e paisagens distantes que desafiavam a lógica.
Meia hora se passou. Ariandel, completamente absorto, observava o cenário abaixo. O mar havia desaparecido por completo. Se não fossem as algas negras penduradas nas rochas e os pilares escarlates de coral, seria difícil acreditar que ele algum dia existira.
A pequena ilha agora se transformara no pico de um penhasco imponente, irregular e esculpido pelo tempo. De onde estava, Ariandel sentiu um misto de liberdade e conexão com algo vasto e incompreensível.
Quando a noite recuou por completo, cedendo à luz da manhã, ele se permitiu um pensamento:
"Isso é simplesmente fantástico."
***
Sunny guardou algo em uma mochila improvisada, feita de algas marinhas pretas, e olhou para o sol.
O dia ainda estava jovem. Ele tinha uma boa chance de alcançar a colina distante antes que o mar voltasse. No entanto, sua perna esquerda, ferida durante a luta com a besta carniceira, dificultava sua locomoção. Rangendo os dentes, começou a mancar.
Horas se passaram. Por conta dos hematomas e da necessidade de manter a vigilância, seu progresso diminuiu consideravelmente. O suor escorria por seu rosto enquanto ele lutava contra a dor de cada passo. Para piorar, os caminhos do labirinto ficavam cada vez mais confusos e entrelaçados. Mesmo com a ajuda da sombra, ele frequentemente tinha que retroceder, lutando para seguir na direção certa.
"Maldição, maldição, maldição...", pensou ele.
Se nada mudasse, Sunny não alcançaria seu objetivo — e isso significava que seria esmagado pela maré que estava voltando.
Determinado a não ceder ao desespero, Sunny tentou andar mais rápido. Mas não podia se apressar demais: um caminho errado custaria minutos preciosos, e ele precisava estar atento a possíveis emboscadas mortais.
"Maldições!" ele praguejou.
Justo quando o desespero começava a tomar conta, a sombra viu algo que chamou sua atenção, deixando-o momentaneamente estupefato.
Mais à frente, além de algumas curvas, os corais se alargavam, formando uma pequena clareira. No centro dela, uma figura caminhava pela lama.
A primeira coisa que Sunny percebeu foi a pele clara, visível através das aberturas de uma túnica simples. A garota alta e ágil vestia uma capa da cor das ondas do mar, que fluía suavemente ao seu redor sem atrapalhar seus movimentos. Com uma expressão serena, ela parou e olhou para trás. O vento brincava com seus cabelos curtos e prateados.
Era Nephis, a Estrela da Mudança.
Logo atrás dela, Ariandel seguia com uma graça que parecia deslocada naquele ambiente mortal. Vestia uma túnica branca acinzentada, solta e sem amarras, e caminhava descalço. Seu semblante calmo contrastava com o cenário hostil ao redor. Ele guiava Cássia, a garota cega, pela mão. Apesar de não enxergar, ela avançava com surpreendente confiança, o cajado em sua outra mão apenas auxiliando sua caminhada, como se a orientação firme, porém gentil, de Ariandel fosse tudo o que ela precisava.
O céu cinza, a lama preta e o mar de vermelho formavam um cenário surreal, onde três figuras belas caminhavam pelo labirinto. Elas pareciam saídas de um quadro que Sunny gostaria de pintar, se ao menos fosse artista. Mas ele logo afastou esse devaneio — havia pessoas ali! Talvez soubessem como alcançar a colina alta e escapar da maré mortal.
Apesar de sua natureza antissocial e da má reputação que cultivara, Sunny sabia que poderia ser útil. Com essa esperança em mente, escondeu-se nas sombras e observou o grupo, preparando-se para abordá-los.
Ariandel trocou um olhar com Nephis e então parou. "Então...", ele disse, antes de olhar para o céu e continuar: "Você acha que devemos voltar?"
Houve uma breve pausa antes de Nephis piscar e responder. "Sim."
Sunny achou graça na troca deles. 'O que ela é, do tipo forte e silenciosa?'
Logo depois, ele voltou ao seu próprio dilema e fez uma careta. 'Como eu os abordo? Droga, por que isso é tão difícil? Apenas vá lá e diga oi!'
Assim que Nephis começou a se mover novamente, Ariandel virou-se e olhou diretamente para o local onde Sunny estava escondido. Com um sorriso tranquilo e um tom natural, ele perguntou:
"Sunless, quer vir conosco?"
Sunny sentiu o sangue gelar. O som das palavras de Ariandel ainda ecoava em sua mente, como se o mundo tivesse parado por um instante.
'Sunless, quer vir conosco?'
Seu coração deu um salto. Como ele sabia? Ele estava bem escondido! Sunny apertou os punhos e prendeu a respiração, tentando decidir entre correr ou enfrentar a situação.
Nephis parou de andar. Sua postura, quase imperceptivelmente, ficou mais rígida. Seus olhos cinzentos se voltaram levemente na direção de Sunny, avaliando o ambiente, mas seu rosto permaneceu impassível.
Cássia, por outro lado, virou a cabeça em sua direção, a expressão de surpresa suavemente marcada em seus traços.
"Sunless?" — ela disse, a voz calma, mas carregada de curiosidade.
Ele engoliu em seco. Seu Defeito só aumentava seu pânico.
"Você o conhece?" — a pergunta de Nephis foi direta, mas sem emoção.
Cássia fez um pequeno gesto com a cabeça.
"Sim. Ele se sentava na mesma mesa que nós no refeitório... antes de tudo isso começar."
Sunny viu a sombra de reconhecimento passar pelo rosto de Nephis, mas ela não comentou nada.
Foi então que a dor do seu Defeito se tornou insuportável. Ele deveria responder, mas o que dizer? Como abordar alguém como ela, ainda mais alguém que já sabia que ele estava ali?
"Ah..." — sua voz falhou por um momento. Ele pigarreou, tentando parecer mais calmo do que realmente se sentia.
"É... Sou eu."
Ariandel deu um pequeno sorriso, gentil e tranquilo, como se sua pergunta inicial não fosse completamente desconcertante. Seus olhos brilhavam com algo que Sunny não conseguiu decifrar.
"Então você vem?"
Sunny sentiu o sangue pulsar nas têmporas. Por que parecia tão difícil simplesmente concordar? Afinal, não era como se tivesse outra opção. Ainda assim, a tensão no ar era palpável, mesmo com a calma sobrenatural daquele bastardo-florido sempre estranho.