"Por que tem um cachorro da Umbra aqui?"
Um grito agitado reverberou pela colina, puxando a atenção das pessoas para a tenda-guia.
Zen, no meio de sair da tenda para tomar um ar, pausou para olhar na direção da voz. Fazia um tempo que alguém o chamava de cachorro da Umbra, não desde que a guilda subiu ao poder na zona vermelha.
Ele esperava ver alguém que conhecia, provavelmente uma das pessoas que viviam sob a opressão da guilda - que não eram poucas, honestamente. Mas ele não conhecia esse homem, que parecia um esper da zona vermelha. Já que todas as guildas aqui eram quase tão sombrias quanto a Umbra, Zen só podia inferir que ele vinha de um grupo mercenário. Um que não era o da Alma.
Zen olhou rapidamente para a guia mercenária sentada no canto. Ela se encolheu com o olhar de Zen, e ele soube de qual grupo o homem agitado vinha.
"Caralho! Você está me ignorando?!" o homem se aproximou ainda mais, pisando forte no chão enquanto andava. "O que você está fazendo aqui, seu pedaço de merda?"
Zen lançou-lhe um olhar. O homem definitivamente tentava ser intimidador, pisando forte com sua lança erguida ameaçadoramente, como se quisesse espetar Zen ao invés das bestas miasmáticas.
Que fofo.
"Guiando, obviamente," Zen respondeu despreocupadamente, olhando o homem diretamente nos olhos. Ele tentava lembrar quem era esse homem, mas simplesmente não conseguia. Zen não era bom em associar nomes a rostos de primeira, e só se lembrava de pessoas que interagiam frequentemente com ele.
O homem parou alguns passos à sua frente, encarando-o. Ele ainda era jovem, provavelmente não mais velho do que Zen. Seus gestos mostravam como ele queria afirmar sua dominância, mas era bastante difícil, já que Zen não era pequeno para começar, inclusive um pouco mais alto que o esper.
E os olhos azuis estavam tão profundos como sempre, inabaláveis.
O homem franziu a testa e depois zombou, antes de cuspir palavrões. "Você ousa agir como se estivesse ajudando as pessoas? É o seu grupo que causou essa bagunça em primeiro lugar!"
Neste ponto, as pessoas já haviam direcionado sua atenção para eles. Os espers que estavam descansando, as pessoas feridas da outra tenda, os trabalhadores da agência passando às pressas, os moradores aglomerados no canto... eles observaram a confusão causada pelos gritos altos.
Talvez ainda insatisfeito, o esper cuspiu com força outra vez. "Seu cachorro da Umbra!"
Hmm, é, Zen ainda não fazia ideia de quem era essa pessoa, mas o homem parecia ter uma profunda mágoa contra a guilda.
Não era a primeira vez que Zen recebia ódio por sua associação com a Umbra, então ele apenas suspirou interiormente, imaginando o que deveria fazer ou dizer a respeito.
Mas antes que Zen pudesse replicar, uma voz alta e estrondosa já os cortava. "Ei moleque, cala a boca! Zen não faz mais parte da Umbra, então vaza!"
Essa voz alta que carregava poder foi acompanhada por olhos verdes fulminantes. O homem franziu a testa furiosamente e parecia querer retrucar, mas estremeceu ao ver o corpulento corpo de Alma andando na direção deles. Logo, sua figura alta e robusta pairou sobre eles, muito mais ameaçadora do que o homem jamais sonharia ser.
"Alma..."
"Por que você está defendendo ele? Você sabe quem causou essa bagunça!" o homem deu um passo para trás, mas não antes de gritar novamente. "Por causa disso, a esposa do líder está—"
"Eu sei! E eu já disse que não foi ele. Ele não faz mais parte da Umbra!"
"Mas ele costumava ser parte!" o homem era insistente, e sua voz parecia ficar cada vez mais alta. "Isso significa que ele é tão escroto quanto eles. Ele é apenas um desgraçado podre, mas o quê? As pessoas estão elogiando ele e querem recrutá-lo?" o homem olhou para Zen de novo e cuspiu no chão.
Zen estreitou os olhos; não tinha mais certeza se esse homem tinha um problema com ele ou apenas... inveja. Mas enquanto ele estava apenas curioso, Alma estava fervendo. Sua voz trovejante abaixou, o que significava que ela estava realmente irritada.
"Ei, moleque," ela se colocou entre Zen e o homem, olhos verdes perfurando como adagas. "Faz quanto tempo que você vive aqui? Um ano? O que você sabe sobre Zen, hein? O que você mesmo sabe sobre nós?"
"Ei, o que é isso?" um homem no final dos trinta anos de repente veio por trás do jovem esper. Zen vagamente o lembrou como o vice-líder de um dos grupos mercenários. Parecia que eles pertenciam ao mesmo grupo, então.
Zen suspirou. Ele odiava quando as coisas escalavam.
"Lamun," Alma mudou seu olhar para o homem mais velho, ainda com olhos afiados e irritados. "Nós te damos um lugar para montar seu grupo aqui porque pensamos que você é um cara divertido," ela estreitou os olhos, e o homem chamado Lamun suspirou. "Certamente não é para seus filhos correrem por aí falando besteira."
"Alma, eu tenho certeza que ele não é—"
"Seu moleque," Alma ignorou o homem mais velho e olhou de novo para o mais jovem. "Eu ouvi o que você andou falando antes, toda aquela coisa estúpida sobre colocar a zona vermelha em ordem," ela riu zombeteiramente. "Você se sente superior, hein, vindo de uma zona superior? Você acha que é melhor do que nós? Um novato que só vive aqui há um ano?"
Hmm... Zen inclinou a cabeça. Ah, agora ele sabia por que não conseguia reconhecer esse homem. Ele ouviu falar de um novo grupo que se estabeleceu na zona vermelha no ano passado. Ele ouviu dizer que eles foram financiados por uma fundação de caridade ou algo do tipo, para ajudar a área a se tornar mais segura. Os membros obviamente vieram da zona mais segura, e a maioria deles parecia ter esse complexo de messias.
Honestamente, porém, nada mudou mesmo depois disso. Um grupo não seria capaz de competir com a Umbra e outras guildas desonestas, e já havia grupos mercenários estabelecidos que operavam ali e mantinham o lugar o mais seguro possível. Talvez por isso, alguns dos membros se tornaram bem chatos, carregando uma atitude de mais santos do que tu.
Bem, qualquer um que viesse de fora da zona vermelha se sentiria assim depois de ver o inferno que é a zona vermelha. Ao longo de seus vinte e quatro anos de vida, Zen tinha testemunhado esses tipos de pessoas e organizações chegarem e irem na zona vermelha onde vivia. Pensando que fariam uma mudança, mas acabavam em desespero.
'Eu não tenho tempo para isso,' Zen balançou a cabeça e se afastou, com a voz ainda ressoando de Alma na colina.
"Ei, Lamun, faça um favor a si mesmo e eduque seus filhos, mm?" ela cruzou as mãos na frente do peito, seus cabelos castanhos dançando ameaçadoramente. "Diga a eles para pararem de presumir coisas sobre nós que moramos na vermelha. Não vivemos em um simples preto no branco como vocês privilegiados."
O esper mais jovem franziu a testa, mas Lamun deu um tapa no ombro do homem e tentou acalmar a Alma irritada. "Eu entendi, entendi, então se acalme. Como você disse, ele é só um garoto, então ainda tem muita coisa para aprender. Eu peço desculpas, tá bom?"
Alma bufou e respondeu com um tom de zombaria. "Não é você que deve pedir desculpas, e não sou eu que deve receber o pedido de desculpas."
"Mas o Guia já foi embora," Lamun sorriu desajeitadamente.
"O quê?!" o esper mais jovem se assustou, percebendo só então que Zen havia se afastado.
"É claro que ele fez. Por que ele deveria ficar e ouvir as baboseiras idiotas do seu filho?" Alma clicou a língua e começou a se afastar também. Mas após um passo, ela virou a cabeça e encarou o esper mais jovem. "E só para você saber, seu líder não é o único que tem um ente querido impactado por isso, então tenha mais cuidado com essa boca."
Com a última frase sussurrada de forma áspera, Alma caminhou em direção à barricada sul, onde ela viu Zen andando na direção da cerca.
"É melhor você não ficar pensando nas palavras daquele moleque," Alma caminhando ao lado do homem mais jovem, cujos olhos azuis estavam quase cobertos pela escuridão.
"Eu estava pensando que talvez não houvesse uma ruptura do calabouço se eu tivesse aceitado o trabalho," Zen murmurou, talvez mais para si mesmo do que para ela.
"Ou você poderia ter sido morto lá e a ruptura ainda teria ocorrido e estaríamos sem um Guia confiável e tudo ficaria mais bagunçado," Alma deu de ombros.
Zen riu, apenas para se livrar dos sentimentos pesados pela incerteza do destino de seu irmão.
"Por que você não volta lá? Os outros guias ainda estão incapacitados,"
"Nah," Zen balançou a cabeça. "A atmosfera já está tensa lá. Seria pior se eu ficasse."
Ele já tinha visto, o olhar desconfortável das pessoas lá. "Sou culpado por associação," Zen deu de ombros, seu tom era plano e desinteressado, como se estivesse falando de outra pessoa.
A ruptura do calabouço pode não ser sua culpa, mas como alguém que havia trabalhado para a Umbra, seria fácil simplesmente colocar a culpa em si. Não que Zen se importasse com o que as pessoas pensassem dele, mas não havia utilidade em ficar lá apenas para aumentar a tensão.
"Em vez disso," eles pararam em frente à cerca, e Zen virou a cabeça para olhar para Alma. "Você pode me deixar entrar?"
"Eles ainda não encontraram seus irmãos?"
"Eu faria isso se tivessem?" Zen murmurou, e imediatamente fechou a boca quando os espers da agência que guardavam a barricada se aproximaram.
"Você vai voltar lá para dentro, Senhora?"
Alma assentiu e fez um gesto na direção de Zen. "Sim, e vou levar ele comigo."
"Perdão? Mas... Desculpe, Senhora, não me é permitido deixar entrar outras pessoas além de espers. Você sabe como é caótico lá—"
"É justamente porque sei disso que faço isso," Alma colocou o braço em volta do ombro do esper da agência. Ela estendeu o outro braço em direção a Zen, como se estivesse apresentando a mercadoria de uma vitrine. "Olhe aqui, este homem é um excelente Guia. Com essa situação caótica, você não acha que seria útil trazermos um Guia para orientar no local e reduzir a necessidade de ir e voltar da base?"
"Bem, colocando dessa forma..." o esper olhou para Zen, ponderando. Honestamente, era realmente um incômodo ter que voltar para a base para diminuir o nível de corrosão. Era particularmente alto durante uma ruptura do calabouço, já que não havia tempo para descansar. "Mas ainda assim, levar um Guia para dentro..."
Alma deu um tapinha nas costas do esper, provavelmente para tranquilizá-lo, embora tenha resultado em o pobre homem tossir com força pelo impacto. "Não se preocupe com isso! Este homem é realmente bastante forte. Eu também cuidarei dele, e assumirei a responsabilidade se houver algo errado, ok?"
'Quão forte pode ser um Guia?' o homem queria discutir, mas estava ocupado tossindo com a mão forte batendo em suas costas. "Se você vai até esse ponto, então..."
"Bom rapaz! Haha, vamos Zen!"
Zen se sentiria mal pelo homem se fosse qualquer outro dia. Mas agora, tudo o que queria era entrar rapidamente e encontrar seus irmãos. Então, assim que a cerca se abriu, Zen não perdeu tempo parado e correu direto na direção do prédio de seus irmãos.
"Zen, eu sei que você está com pressa, mas tenha cuidado, tá?" ela avisou, correndo ao lado dele. "Eu te levarei ao distrito oeste, mas depois tenho que encontrar com meu grupo."
"Vou ficar bem—" Zen falou, mas imediatamente abaixou-se e jogou-se para o lado, rolando para se esconder atrás de uma parede, enquanto Alma sacava sua claymore que mais parecia um grande bastão e a balançava em direção a uma besta miasmática que de repente pulou neles de um telhado.
Zen espiou cuidadosamente enquanto a claymore dividia a besta em duas. 'Brutal como sempre' ele murmurou por dentro, lamentando suas facas que ainda estavam na forja.
"Você está bem?" Alma perguntou, examinando-o.
"Sim, obrigado," Zen assentiu, olhando na direção de onde a besta havia vindo. "Eu vou pegar outro caminho. Você não precisa vir comigo, Alma, você tem suas próprias coisas para fazer."
"Ei—"
"Não irei lutar. Apenas vou correr, posso fazer pelo menos isso. Além do mais..." ele olhou para a estrada à sua esquerda. Estava vazia, mas havia corpos de bestas miasmáticas espalhados aqui e ali ao longo da estrada. "...este caminho já foi limpado."
Alma guardou a claymore, que era tão alta quanto Zen, em suas costas, franzindo a testa por um instante, antes de assentir. "Tudo bem, mas tenha cuidado."
Zen assentiu sem dizer uma palavra e imediatamente correu pelo caminho à esquerda. Era um pouco mais longo, mas esta também era uma estrada que levava ao distrito oeste. Ele chegaria a um campo que geralmente era usado pelas crianças para brincar, faria uma curva à direita, seguiria a estrada e chegaria ao prédio de seus irmãos depois de um beco sinuoso.
O que o preocupava agora, no entanto, era o número de corpos ao longo do caminho.
E não eram apenas corpos de bestas.
Ele viu corpos. De humanos. Membros espalhados, deitados sem vida no chão ou enterrados sob um corpo de besta.
Era muito.
Era muito mais do que ele pensava.
A estrada estava cheia de corpos e destroços.
E sangue.