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Com a atração principal morta e os lances chegando, os Caçadores entraram na arena para subjugar as bestas restantes enquanto ajudavam aqueles que precisavam de assistência.
Ignorando o chamado para os lances, Alice mantinha os olhos em Lars. O poder que ele demonstrou com os Sigilos, a forma como ele podia conjurá-los à vontade; isso era um mundo totalmente novo para Alice, um mundo de poder sobre o qual ela não tinha conhecimento.
'Como alguém consegue um Sigilo? Qual é o limite? Se eu puder colocar as mãos em Sigilos, seria o suficiente para derrotar a família Zenia?'
Inúmeras perguntas passaram por sua mente. No entanto, a maior questão que dominava seu pensamento era como se poderia obter um Sigilo.
'Existe um monstro específico que precisa ser morto? Independente disso, eu preciso colocar as mãos em Sigilos. Se eu puder dominar o poder dos Sigilos junto com o Sangue do Abismo, terei as ferramentas necessárias para conseguir minha vingança.' Alice pensou consigo mesma, cerrando o punho com determinação.
'Você levou uma pancada na cabeça? Alô?'
Ouvindo a voz ao seu lado, Alice desviou sua atenção de Lars e viu um Caçador agachado ao seu lado.
Eles usavam uma grande capa que escondia a forma do corpo. Ainda assim, sua voz revelava seu gênero. O manto tinha um capuz que cobria a cabeça do Caçador enquanto uma máscara preta cobria seu rosto, exceto os olhos.
Mas o foco dela não estava na identidade deles. Ela estava preocupada se eles notaram ou não a anormalidade com seu corpo.
'Se as coisas derem errado, será o passado se repetindo de novo!' Alice entrou em pânico em sua mente.
'Parece que você consegue ouvir muito bem. Aquilo lá foi um trabalho precário, jovem senhora. Mas se não fosse por isso, você poderia estar em uma situação pior do que está agora.' O caçador explicou, apontando para sua coxa.
'Mas, você é bastante impressionante, se não um pouco imprudente.' O Caçador riu.
Alice queria dizer algo, mas ela se sentia exausta de energia.
'Parece que ele não percebeu nada de estranho com meus efeitos colaterais.' Ela suspirou aliviada.
Agora que sua maior preocupação foi tratada por enquanto, todo seu cansaço veio à tona junto com os efeitos colaterais de usar o Sangue do Abismo.
Alice estimou que o efeito do sangue que bebeu tinha algo a ver com o reforço de sua físico momentaneamente, já que seus músculos espasmaram devido ao esforço.
Vendo Alice remover as garras de sua coxa que seguravam a carne no lugar, o Caçador não pôde deixar de se sentir chocado em seu coração. Não só ela não se retraiu ou chorou, ela até parecia imperturbável pela visão horrível.
'Ah,' saindo de seu devaneio, o Caçador falou. 'Acho que parabéns estão em ordem. Você foi patrocinada. Não vou curar completamente sua lesão, já que você recebeu um frasco de Lírio Vampiro de alta qualidade. Isso vai curar suas lesões sem muitos efeitos colaterais.' O caçador explicou enquanto dava a Alice um novo conjunto de bandagens para suas feridas.
'Você consegue ficar de pé?'
Ouvindo isso, Alice balançou a cabeça.
Com Alice incapaz de andar, o caçador pensou consigo mesmo por um momento antes de carregá-la em suas costas.
'Vou te levar de volta para sua jaula. A próxima rodada da competição está começando em breve. Não seria bom para as pessoas ficarem por aqui.' Ele explicou enquanto Alice assentia com a cabeça.
Ouvindo isso, Alice finalmente percebeu que não viu Lilia uma única vez na arena.
'Espero que ela esteja bem.' Ela pensou enquanto a fadiga lutava contra sua mente.
Sentindo as pálpebras pesarem, Alice sentiu o sono tomar conta, mas não antes de dizer uma coisa ao Caçador, 'Er. Obrigada.'
Levantando a sobrancelha surpreso, o caçador olhou para trás e notou que Alice havia desmaiado.
Dando um sorriso cansado, ele balançou a cabeça e sentiu pena da garota.
Afinal de contas, ser patrocinado é a última coisa que se quer neste Coliseu.
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Perambulando pelas ruas, um homem vestido com uma capa de penas de corvo estendeu a mão para receber um pequeno pássaro.
Reivindicando a carta nas garras do pássaro, ele não pôde deixar de rir da mensagem.
'Ela é a mesma de sempre, ainda chateada que estou deixando tudo para ela.' Ele riu alto. Ele não estava preocupado que Allura não cuidaria de Alice. Afinal, apesar de como era por fora, a mulher era muito bondosa por dentro.
Ela teria pena da situação de Alice e ajudaria no final, especialmente porque ele deu o Olho para a garota.
'Ei, você não diria que esta é uma boa ocasião? Eu consegui mudar o destino de uma pirralha enviando-a para um velho amigo meu. Com o corpo estranho dessa pirralha, ela será uma ótima parceira para o Olho que eu plantei nela. Olha eu fazendo algo bom pelo mundo!' Kaden riu olhando para sua direita.
Ele estava segurando a cabeça de um homem enquanto uma luz cintilava em seus olhos. O olhar do homem tremia de medo, gotas de suor escorrendo pela sua cabeça.
'Já que estou de bom humor, vou pegar leve com você. Generoso, não sou?'
'P-Por favor, me deixe ir! Pare, seu demônio—'
Esmagando a cabeça do homem, Kaden observou seu corpo se contorcer de satisfação antes de ficar inerte.
Sacudindo o sangue de sua mão, ele se afastou da área enquanto a carta lentamente se desintegrava em cinzas.
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Kaden se lembrou do momento em que pôs os olhos em Alice. Naquela época, ele usou a capacidade de uma Besta do Abismo para hipnotizá-la, para que ela não atrapalhasse sua busca.
Contudo, estranhamente, o efeito durou apenas um breve momento antes de desaparecer.
'Essa moleca é resistente aos efeitos do Abismo. Se Allura fizer o que ela sabe fazer bem, esta será uma chance para nós dois nos libertarmos.' Ele pensou consigo mesmo, sorrindo.
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Alice não sabia o que aconteceu depois. Ela estava num estado de semi-consciência. Sentia como se sua mente estivesse à deriva em um corpo d'água onde tudo o que existia eram seus próprios pensamentos.
Visões de seu passado, antes de seu 10º aniversário, passavam diante dela. Toda a felicidade que sentiu, as alegrias da vida — tudo era uma mentira.
Depois daquele dia, tudo o que ela conseguia ver era a feia verdade. As agulhas, os experimentos, tudo. A história de sua família foi construída sobre uma montanha de cadáveres tão longe quanto a visão alcançava. Cada avanço, cada inovação, sacrificaram tudo e nada! Eles se sentaram sobre riquezas concedidas através de sangue e lágrimas.
O riso do cientista-chefe enquanto rasgava seu corpo. As visões horripilantes de seu sangue espirrando contra as luzes, banhando os laboratórios em uma tonalidade carmesim.
Ecos de sua voz ressoando em sua mente, elogiando sua tolerância e tenacidade enquanto arrancava seus órgãos.
"Mostre-me mais! Você ainda pode respirar e viver se eu remover seus pulmões? E se eu te alimentar com sangue que te dê guelras?! Mostre-me seus segredos, ó dádiva dos deuses invisíveis!"
Sua voz assombrosa encurralou Alice até uma porta atrás de paredes, o último bastião dentro de sua própria mente.
Quantas vezes ela tentou se rebelar contra ele? Quantas vezes ela tentou usar o sangue contra seus captores? Quantas vezes ela falhou? Quando ela parou de lutar? Por que ela parou? Por que ela começou a esperar ansiosamente pelos experimentos, antes que até mesmo esse sentimento morresse e tudo o que restasse fosse o entorpecimento? Por que ela parou de sentir qualquer coisa? No entanto, era inútil a cada tentativa. Eram pesadelos que perdiam o significado, perguntas que não tinham importância uma vez que as circunstâncias terminavam.
Seu sangue fervia, sua carne era cortada e seus ossos quebrados.
Cada flash de luz em sua mente mostrava uma tortura diferente, um frasco diferente de sangue que despedaçava seu corpo.
Atrás do cientista, Alice podia ver seu pai, seus olhos frios observando sua tortura sem nenhuma emoção. Sua vida era uma mentira?
Ela estendeu as mãos, mas elas não eram dela. Sua carne se expandia sob a pele, membros estranhos explodiam dos braços e pernas de inseto rastejavam pelos ossos.
Alice se sentiu se dividindo em miríades de bestas diferentes, um momento em que suas resistências desapareceram e o Abismo a despedaçou em pedaços.
O medo súbito que ela sentiu em relação a tal destino a tirou do pesadelo. Com os olhos arregalados e atônitos, Alice olhou ao redor freneticamente. Uma vez que percebeu que estava de volta à gaiola, um suspiro aliviado e grato escapou de seus lábios. Contudo, o suor frio que cobria suas costas permanecia um sombrio lembrete do pesadelo.
Tentando se sentar com dificuldade, ela ficou surpresa com a ausência de dor. Seu corpo havia sido enfaixado e havia várias manchas de sangue seco no tecido. Não sentindo dor na coxa, ela espiou através dos curativos e viu que sua carne havia sido completamente curada. Alice percebeu que ela deve ter sido alimentada com o frasco de sangue dado por seu patrocinador após desmaiar.
Olhando para baixo em seu vestido, ela ficou feliz que ainda estava inteiro apesar dos maus tratos que sofreu. As partes rasgadas estavam cobertas por curativos escondendo seu corpo. Olhando para o dano, Alice estimou que poderia aguentar mais uma luta ou duas, contanto que ela limitasse o dano recebido pelo seu corpo.
Com as sobrancelhas franzidas, ela sentiu o desconfortável colar de metal em volta de seu pescoço, preso firmemente sem sinais de ter sido removido.
"Você acordou. Parece que ambos sobrevivemos hoje." Uma voz soou enquanto Alice olhava para o lado, vendo Lilia sorrindo feliz na gaiola ao lado.
Havia manchas visíveis de sangue em suas roupas, mas parecia que ela também tinha conseguido um frasco de sangue.
"Quanto tempo eu... dormi?" Ela perguntou.
Alice não tinha certeza de quanto tempo ela estava desacordada. Se Lilia tinha lutado seu próprio evento separadamente, depois do dela, então devia ter sido por algumas horas.
"Hmm… Eu diria cerca de 3 ou 4 horas? Eu terminei minha batalha depois que seu grupo foi escoltado para fora do Coliseu. Estou surpresa que você tenha sobrevivido. Não que eu esteja dizendo que esperava que você morresse, mas lutar contra aqueles cães não é fácil. Eles são uns desgraçados muito violentos." Lilia suspirou enquanto se apoiava em sua gaiola.
"Sorte. Mas por que tão feliz? Lutar te deixa feliz?"
"É? Quer dizer. Não realmente. Eu estou apenas feliz por viver mais um dia. Eu preferiria ficar e lutar um pouco se puder, em vez de ser vendida novamente para um comprador ruim." Lilia sorriu amargamente enquanto abraçava seus braços apertadamente.
Balançando a cabeça, ela olhou para Alice.
"Parece que ambas fomos patrocinadas. Eu ouvi um pouco sobre isso quando estava voltando, mas parece que eles querem que a gente fique e lute neste lugar por mais um tempo. Talvez para treinar a gente em escravas de combate melhores, já que patrocínios são geralmente reservados para aquelas que mostram potencial. Por agora, tente descansar o máximo que puder enquanto eles estão selecionando os outros escravos. Estou esperando que a gente tenha um dia inteiro de descanso." Lilia disse enquanto alongava seu corpo.
Ficando confortável em sua gaiola, Lilia olhou de canto.
"Se a gente sobreviveu ao primeiro dia, os outros dias não devem ser tão difíceis."
Ouvindo seu otimismo, Alice não pôde deixar de concordar com a cabeça.
Ela ainda estava um pouco confusa sobre o porquê de Lilia parecer tão feliz e ser gentil com ela, já que nada neste mundo era de graça. Sua própria família tinha lhe ensinado isso. Mas, por enquanto, era uma companhia agradável de se ter.
'É melhor do que enlouquecer sozinha, eu suponho.' Alice pensou consigo mesma enquanto abraçava seus joelhos.
Pensando de volta em suas visões mais cedo, ela podia sentir uma raiva consumidora inundando seu coração. Ela se perguntou muitas vezes durante seu cativeiro sobre como ela deveria se sentir em relação à sua família. Se eles tivessem uma chance de se sentar e conversar, se tudo foi um mal-entendido.
Se sua família pedisse seu perdão, ela poderia dar?
"Nunca." Alice murmurou friamente enquanto uma pura intenção de matar emanava de seu olhar. Ela nunca perdoaria a eles pelo mal que lhe causaram. A dor que sentiu quando seu pai a observava friamente enquanto sua filha de 10 anos era despedaçada por lâminas.
Eles não merecem sua piedade, eles só merecem seu ódio.